segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Duas vidas

Hoje em dia canto MPB. Mas quando comecei a cantar, aos 16 anos, cantava rock. Minha primeira banda, e minha segunda também, eram bandas de rock. Amava Blind Melon (a preferida), R.E.M., Stone Temple Pilots, Smashing Pumpkins, Blur, Oasis. Ah, não posso esquecer do primeiro CD do Rush! Era do meu irmão, mas eu ouvia o tempo todo. Eu adorava outros tipos de música, também (Shakira, JORGE BEN – que teve o último post deste blog dedicado a ele –, Jon Secada, Paralamas...). Mas o rock internacional imperava. Eu simplesmente amava rock, e tinha um estilo de vida bem de acordo com isso: usava camiseta de bandas (a do Led Zeppelin era a favorita), adorava conhecer outros roqueiros, comprava o máximo de revistas nacionais e internacionais sobre o assunto... Respirava rock and roll.
Já falei que era roqueira algumas vezes aqui neste blog, mas hoje repito para falar sobre outra coisa. É que há tempos, em um bate papo com um amigo, este me disse que seria incrível se pudéssemos viver várias vidas em uma; se pudéssemos viver em vários tribos, mudar à vontade. “Como você, por exemplo”, ele disse, “que fazia rock e hoje faz MPB”. E ele discorreu sobre a maravilha que seria se nos permitíssemos fazer o que bem entendêssemos, como se fôssemos várias pessoas em uma só – sem nos preocuparmos com a opinião dos outros. Que grande verdade – seria incrível agirmos assim, sem nos prendermos a estereótipos e sem nos sentirmos presos a algum padrão.
Infelizmente o fato de eu ter me tornado intérprete de MPB foi visto como uma “virada de casaca”; um motivo de vergonha, para algumas pessoas. Certa vez encontrei um conhecido, que também tocava em uma banda, e contei que estava cantando MPB. Aí ele não resistiu: “Ah, um banquinho e um violão, sei como é...”, falando de forma pejorativa. Este veneno me deixou ligeiramente chateada na hora, porque foi frustrante perceber que eu estava sendo julgada em minhas opções e que alguém estava se sentindo de certa forma ofendido com os caminhos que eu havia escolhido.
Mas, voltando, a questão de viver várias vidas é genial. Podemos utilizar esta filosofia de liberdade da melhor forma possível: experimentando coisas interessantes e nos dando a liberdade de conhecermos universos diferentes daqueles que conhecíamos até então. E agora penso: que privilégio! Vivi intensamente o rock, e agora vivo intensamente a MPB. Pois, com esta mudança de preferência musical, veio a reboque também um novo estilo de vida: novas pessoas, novos amigos, novos ambientes. Quem sabe o que viverei amanhã? Escuto e aprecio muito outros tipos de música – africana, francesa, latina –, e o mundo está cheio de novidades a cada dia. Poderei escolher ainda muitas vidas, no que depender de mim.
Costumo dizer que o rock fica “entranhado” em nós, que crescemos ouvindo este gênero. Até hoje componho melodias que vejo que têm uma musicalidade própria do rock, uma cara mais alternativa, menos brasileira. Percebo que minhas atitudes/visões têm muito a ver com esta minha formação musical. Meu primeiro contato com a música foi este, então não é algo pequeno nem é algo que se vá deixar para lá assim, do nada. Mesmo que hoje eu quase não escute rock, acho (na verdade tenho certeza) que esta influência é marcante, e talvez nunca vá embora. E reconheço isso, mas ainda não senti vontade de voltar a cantar rock – acho que em algum momento isso irá voltar em meu trabalho; acho que esta influência ainda terá seu espaço em algum CD meu... Mas são apenas suposições, e nem consigo imaginar agora como isso poderá acontecer.
A questão é que as portas estão abertas. Lembro que ainda na época do Pic-Nic (minha segunda banda) eu já falava isso, sentia isso: não quero me prender. Uma vez, em 2005, no programa Atitude.com, eu disse ao Léo Almeida: “Ok, quem gosta da banda pode tentar classificá-la à vontade... Só não pode ficar chateado conosco caso decidamos mudar nosso estilo!”. Léo riu e perguntou se iríamos tocar um pagode ou algo do tipo – se a banda não tivesse acabado, não duvido que isso pudesse vir a acontecer, afinal adorávamos fazer o que desse na telha. E quais as possibilidades que ainda aparecerão e que exigirão de mim uma cabeça bem aberta e sem preconceitos? Espero que muitas.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Ídolo


Ouvindo agora "Bumbo da Mangueira", de Jorge Ben Jor, me peguei lembrando da época em que, andando pela garagem do condomínio onde vivia, passava horas e horas, tardes e mais tardes ouvindo as músicas dele em meu walkman.
Há muito tempo não parava para ouvir Jorge Ben.
Pensei, então, que seria bacana falar sobre o quanto eu gostava dele. Acredito que tenha sido meu ídolo musical mais importante, pois muito cedo (aos 10 anos de idade) me peguei hipnotizada por suas músicas. E engraçado é que, antes disso (o ano em que comecei a adorar Jorge Ben foi 1994), eu ouvia mais rock do que qualquer coisa. As MPBs que eu ouvia eram praticamente só aquelas que tocavam no rádio. Cresci ouvindo rock, pois meu pai gostava bem mais deste gênero. E, não sei como – adoraria lembrar como tudo começou! – um belo dia fiquei maluca pelo som do "Babulina". Não lembro como aconteceu, se vi algum show dele pela TV... Mas fiquei encantada.
Enchia os ouvidos dos meus amigos na escola, só falava de Jorge Ben Jor o tempo todo. Vivia cantando suas músicas. Vivia pensando que eu poderia algum dia encontrá-lo na rua (ele morava na Barra, diziam, e eu também). Vivia achando rostos que eu achava parecidos com o dele (se alguém usasse um par de óculos escuros redondinhos, para mim já servia como grande semelhança). E sempre ouvindo suas fitas. "A banda do Zé Pretinho" era uma das mais executadas no aparelhinho. Voltava toda hora para ouvir, ouvir, e ouvir de novo. Ficava querendo que alguém perguntasse: "Qual sua música preferida?" só para que eu pudesse responder: "A banda do Zé Pretinho!!!!". Acho que nunca perguntaram, mas com certeza eu disse. Na verdade queria mesmo é que me entrevistassem para que eu pudesse mostrar meu enorme bom gosto. Pensava que, se fosse famosa (acho que pensava, nesta época específica, em ser atriz...), poderia falar sobre ele, mostrar o quanto adorava sua música, deixar bem clara a minha idolatria.
Realmente a musicalidade dele é simplesmente incrível, e eu sentia que havia feito uma grande descoberta ao conhecer as músicas dele. E ficava injuriada quando meus amigos de escola diziam que não o conheciam, ou, pior, não o ouviam. Sabiam quem ele era, mas não conheciam suas músicas. Eu insistia: eles tinham que conhecer!
Lembro de ter ficado ligeiramente ofendida quando, anos mais tarde, minha mãe foi falar algo sobre Jorge Ben e perguntou: "O Ingo é que gostava muito dele, não é? Ou era você?". Poxa, pensei ter enchido os ouvidos de todos o suficiente para que nunca mais esquecessem! Mas ainda assim acharam que o tiete era o meu irmão. Pelo visto eu poderia ter exagerado ainda mais, hahahah...
Não sei como me aguentaram, mas foi um fanatismo daqueles. Talvez tenha durado pouco, mas foi forte. E, ouvindo a música do Ben Jor hoje em dia, senti novamente o que sentia. Caramba, eu tinha razão de ficar extasiada com aquele som.
Foi muito bom ter um ídolo deste quilate. Foi bastante inspirador e acho que, por ficar cantando muito as músicas "junto" com ele, minha vontade de cantar (que tenho, que eu me lembre, desde os 3 anos de idade) ficou ainda mais forte. Tudo em suas músicas me impressionava: a musicalidade; a percussão; as letras descontraídas, que se comunicavam tão bem comigo e me emocionavam; a guitarra/violão marcantes, tão característicos. Seu jeito de cantar, parecendo tão natural. Um artista que, hoje vejo, tem aquilo que mais admiro: total liberdade para compor, para cantar. Totalmente extrovertido, livre.


Lembro que certa vez li na Showbizz uma declaração do Billy Joe, do Green Day, que nunca mais esqueci: "O Hüsker Du" foi a primeira banda que amei". E isto tem uma importância colossal em nossas vidas. Quem foram nossos primeiros grandes ídolos? O quanto aquilo foi bom para nós? O que nos inspirou? A primeira banda que amei foi o Blind Melon (se não me engano, veio para que eu deixasse o Jorge Ben descansar um pouco, pois no final de 1995 comecei a pirar por esta banda). 
Mas o primeiro artista que amei foi o Jorge Ben Jor.

sábado, 30 de novembro de 2013

Professores

Há uns dois meses quero escrever sobre os professores que passaram por minha vida. Com a greve dos professores, eu, que divido minha rotina com um professor de artes e tenho uma irmã professora de filosofia, me senti bastante envolvida com a questão. Estive em manifestações e, principalmente, conversei com eles e outros amigos (também professores) sobre a questão.
Como este é um blog sobre o meu ofício (cantora), pensei que seria interessante falar sobre os professores de voz e teatro que mudaram minha vida. Os professores que me ajudaram a ser uma cantora melhor, uma profissional com uma expressão corporal mais bonita - uma pessoa artisticamente mais sensível.
O dia do professor já passou tem tempo, a greve já acabou, mas a vontade de falar sobre as coisas que vivi ao lado dos meus mestres continou. Acho o professorado a profissão mais linda de todas, e por isso sinto que preciso fazer uma homenagem (mesmo que simples, através de algumas palavras e lembranças) a estas pessoas que se dedicam a ensinar, a trocar. Doação constante, algo que não tem preço!
Laura Lagub, minha primeira professora e minha preparadora vocal na gravação do meu CD, focou certo dia no autoconhecimento: "Quem é você? O que você quer passar? Que tipo de pessoa é você? Quantos lados você tem para mostrar?" Peguntas difíceis - ainda as estou respondendo. Foi muito importante enfrentá-las e iniciar o questionamento.
Bethi Albano, minha segunda professora de canto, me disse que tudo era uma questão de "horas de voo". Praticar, tentar encontrar uma sonoridade específica, só com bastante tempo de dedicação. Sem ansiedade, mas com persistência. Conhecendo os próprios limites, mas nunca me desmerecendo. Graças a ela conheci a yoga do som; graças a ela aprendi um aquecimento vocal onde minha voz fica "macia" antes de cantar, graças a ela me permiti pensar mais em musicalidade como energia.
Charles Kahn, professor de música da Martins Pena, foi bem prático. Na primeira vez que o vi na vida, no teste para entrar para a escola, me disse, enquanto eu cantava: "Abra os olhos!". E depois, quando eu já era sua aluna, perguntou por que diabos eu movimentava somente a cabeça quando cantava, e não o corpo todo. Continuo cantando de olhos fechados em vários momentos, mas bem menos... Charles me chamou a atenção para esta minha bengala (tentiva de não encarar a realidade!).
Lula, também da Martins Pena, disse o óbvio - o pulo do gato é treinar em casa. Estudar somente em aula é impedir o crescimento. Quem treina (seja o método do Passo, seja o violão) em casa chega com um aproveitamento bem maior do que foi ensinado e diz não ao autoboicote. Verdade verdadeira, fessor. 
Hermes Frederico, querido professor de voz também da Martins Pena nos fez refletir: queremos mesmo atuar, queremos mesmo fazer arte? Ou queremos estudar para sempre, sem colocar em prática aquilo que nos foi ensinado? Queremos apenas falar sobre arte? Por quê? Qual é o nosso medo? Eu, tão certa de que queria estudar para sempre, fiquei sem resposta - e fiquei digerindo aquilo por um bom tempo... Até entender minha insegurança (quiçá preguiça). Obrigada por nos provocar e nos obrigar a enfrentarmos nossos medos, professor (agradeço em nome da turma, que ficou, sem exceções, sem saber o que dizer).
Já citei em um post, há algumas semanas, a querida Gláucia Henriques - que disse que eu não deveria cantar como se fizesse um esforço. Deveria ser algo bonito de se ver e, principalmente, agradável para mim. Cantar não é sacrifício, oras.
Wagner Pinheiro, meu professor de interpretação preferido da MP, nos levava à exaustão no início das aulas para que fizéssemos teatro sem vaidades, completamente entregues, sem nojos, sem resistências. Respiração de fogo para desintoxicar. Grandes, incríveis aulas. Nunca esquecerei.
Nestes últimos dias não tenho conseguido esquecer algo que a professora Vera (expressão corporal,  Martins Pena), disse: "Quando você compara, você para: imobiliza. Comparar: parar. Quando você confia, você se fia: segue adiante". Obrigada! Esta observação tem sido meu alicerce. Desanimei? Lembro de confiar, sigo adiante. Uma simples frase - ela nem sabe - tem me ajudado tanto.
Acho que às vezes isso acontece com os professores. Eles por vezes dizem coisas que mudam nossas vidas, e nem desconfiam disso. Nem sabem, mas uma simples frase fica nos guiando por muito tempo, quem sabe para sempre. Suas imagens permanecem conosco, servindo de exemplo, nos dando força e estímulo.
Fica aqui minha homenagem a vocês, meus mestres. Agradeço por tudo!  

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Música, propriedade de todos

Música é algo incrível. Todos têm (eu diria) um carinho especial por esta forma de arte. Todos gostam de cantar, mesmo que seja só quando estão muito felizes ou bêbados. Todos querem fazer parte disso. E, mesmo que alguém não goste de cantar, muito provavelmente gosta de ouvir música.
Também é comum chorar ouvindo uma música. Ficar triste, com saudade; ou alegre, lembrar de uma situação feliz. Talvez a música seja muito especial exatamente por isso; porque todos estão ligados a ela. Ninguém vive sem a presença desta, praticamente todos os dias. No rádio, no canto do vizinho, no som daquela festa ao lado de sua casa exatamente quando você tenta dormir (a música a qual somos expostos nem sempre é aquela que queremos ouvir). Mas é importante para todos, sem dúvidas (mesmo que se negue isso).
Para quem trabalha com música então, esta importância consegue ser maior; pode ser multiplicada por 1.000. Há uma relação mais íntima ainda, pois a música é o sustento e a realização, além da (espera-se) diversão. Não há dúvidas de que aqueles que estão no meio da música, trabalhando com isso, envolvidíssimos, têm um grande mérito e, a princípio, entendem mais do assunto do que qualquer um dos que apenas curtem ouvir um som. E é claro que, a princípio, entendem mais do assunto do que aqueles que tocam apenas amadoristicamente. De forma geral, podem ter orgulho de discorrer sobre o tema que é assunto/pensamento/foco/prioridade em suas vidas 24 horas por dia. Mas quando esta grande intimidade, este grande mérito, se torna um sentimento de posse, a certeza de um domínio exclusivo, me sinto na obrigação de falar algo: a música é propriedade de todos.
Infelizmente (?), a música é algo com o qual TODOS NÓS temos uma relação. Uma bela memória afetiva. Todos nós fomos a muitos shows, todos nós já ouvimos zilhões de canções na vida. Todos nós a entendemos – cada um à sua maneira. Mas é preciso engolir este fato: música é para todos. Não há excluídos, pois o mundo inteiro sabe o que é isso, música. Todos estão dentro deste lance. A música é das igrejas. Dos centros de umbanda. Dos contadores de história. Das pessoas que cantam com a letra errada. Dos pacientes da musicoterapia. Dos bebês dormindo ao som das cantigas. Daqueles que mal sabem escrever, mas cantam muito bem. Das donas de casa inventando músicas para se distrair. A realidade dura para os autodenominados proprietários da música é essa: todos nós somos “da música”. Xi! Ferrou! Agora ninguém é mais tão especial assim. Muitas pessoas sabem compor. As crianças, então, mais ainda. Todos nós vamos ao videokê e nos sentimos no direito de cantar. (Aliás, ir no videokê e cantar direito é quase que errado. Não pode. Tem que cantar tranquilo, errando quase todas as notas, de preferência.) “Adoro cantar”, “Quero ser cantora”, “Quase fui cantor, sabia?”, “Todos dizem que tenho a voz boa”, “Todos ficaram impressionados quando cantei naquele teste”. Tudo verdade. Mesmo que só na imaginação; não importa. As pessoas só dizem este tipo de coisa porque a música permite, é aberta a isso. Todos se sentem parte da música, e com razão.
Este sentimento é incrível e não deve ser ridicularizado. Claro que eu mesma nunca (mais) vou deixar que alguém que nem conheço invada o palco de algum show meu para cantar qualquer coisa, só porque ficou com vontade. Vai ter de segurar a vontade, e principalmente lembrar que respeito é para ser usado. Mas o fato de vários bêbados já terem tentado cantar na marra em algum show meu, ou o fato de várias pessoas sem noção terem tirado algum instrumento (geralmente de percussão) para acompanhar as músicas que eu cantava, estragando a canção do início ao fim, só reforça esta verdade dura de engolir: a música é propriedade de todos.  
Mesmo que eu ache estranho aquela pessoa criticar um dos maiores acordeonistas do mundo sem nem ao menos conseguir explicar o que está criticando, devo admitir que ele está falando sobre algo que sente (afinal, música se ouve e sente, certo?). Mesmo que aquela diretora de teatro não saiba nem perceber a própria desafinação, quando ela diz “meu ouvido não me engana” certamente não está falando isso por ser louca, e sim porque o ouvido dela não a engana, mesmo. Ela só não consegue ser afinada, mas talvez de fato tenha um bom ouvido. Mesmo quando aquela dona de boteco diz “de música eu entendo”, é interessante considerar a possibilidade daquilo ser verdade. Apenas não canta, não toca, oras; mas ouve, e muito. E, aliás, tem muito bom gosto.
Acredito que a arrogância, essa coisa lamentável que nos impede de crescer, de ouvir, de trocar, de aprender com o outro, faz com que nós, que trabalhamos com músicas, não atinemos para o fato de que vivemos disso (ou complementamos nossa renda com isso) graças à existência de todas estas pessoas que fazem parte da música como ouvintes e apreciadores.
Sabem por que escrevi este texto? É claro que me inspirei nos já citados autodenominados proprietários da música. Mas, antes de qualquer coisa, já me peguei vez ou outra censurando mentalmente alguém que não era do meio musical e dizia saber muito sobre o assunto. Detectada minha arrogância, comecei a matutar e cheguei à conclusão de que precisava escrever sobre isso para me entender melhor e exorcizar qualquer resquício de “propriedade” sobre a música que existisse dentro de mim. Além de não querer me transformar em um dos pseudoproprietários que tanto critico (e que tanto vejo por aí, afastando de si pessoas legais, afastando convívios riquíssimos com pessoas de outras culturas / outros pensamentos), não quero perder o olhar do outro, principalmente se este outro for “leigo”. A opinião do leigo pode ser por vezes risível, mas pode ser também valiosa. O olhar do outro é o “olhar privilegiado”, disse o Julio Adrião. Não quero perder a oportunidade de saber algo sobre mim que só o outro enxerga. Se ele disser algo absurdo / irritante, discordo numa boa. 
Este texto não é um manifesto contra o estudo da música. Pelo contrário. Quando estudei música me senti muito mais segura; tive muito mais ferramentas para estudar melodias, cantar em coro, ler partituras. Só ganhei. Jamais seria contra isso. Mas acho que esse é mais um dos paradoxos da vida: quanto mais se sabe, mais se tem a certeza de que nada se sabe; mais se tem a noção da imensidão das coisas e da quantidade de coisas para aprendermos. Nunca teremos conhecimento sobre um milésimo do que existe. Quanto mais se sabe, mais se tem a certeza de que esta busca pelo saber é constante. E esta consciência nos aproxima dos outros, nos torna mais humildes e mais dispostos a aprender. 


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Frescura

Quando comecei a cantar em um grupo vocal, em 2006, surgiu para mim uma questão que até então nunca havia passado por minha cabeça: a saúde vocal. No Dá no Coro (onde fiquei até 2008) conheci Gláucia Henriques, incrível preparadora vocal que me ajudou muito e a todos os cantores daquele grupo. Passamos a conhecer mais nossas próprias vozes. Foi ótimo, e muitos de seus comentários ficaram marcados na memória ("usar o leão que temos em nossos diafragmas!"). Além da presença da Gláucia – sendo bem honesta –, havia o simples fato de aquecermos nossas vozes antes de todos os ensaios (ou quase todos). Isso já era uma grande coisa, uma grande novidade para mim. Em minha banda de rock nunca havia feito isso. Nunca havia pensado em me cuidar deste jeito. Minha voz vivia rouca. Um amigo meu da faculdade sempre dizia, ao me ver de manhã, em dias pós-show: “E essa voz de travesti, hein?”. Eu achava engraçado, mas me preocupava, pois era uma constante: show = voz grave / rouca no dia seguinte.
A partir daí, as coisas foram mudando neste aspecto. Comecei a fazer sessões de fonoaudiologia. Comecei a achar importante cuidar do meu instrumento. Óbvio, não? Pois é, fiquei feliz em descobrir o óbvio. Tive aulas de canto com duas professoras (Laura Lagub e Bethi Albano), cada uma focando em um aspecto, cada uma com uma abordagem, e ambas me fazendo crescer muito como intérprete. Me tornei bastante cuidadosa com minha voz. Comecei a usá-la de forma diferente. Não deixo de dar minhas gargalhadas, é verdade, mas não irrito minhas cordas vocais ao fazê-lo. Falo mais baixo. Tenho cuidado quando falo ao telefone (tendemos a querer “compensar” a falta de gestos usando mais força na voz, me ensinou Bethi), e milhares de detalhezinhos. Nunca mais fiquei rouca por mau uso da voz (ultimamente por duas vezes fiquei rouca por gritar com assaltantes – coisas do meu Rio de Janeiro –, mas por estar forçando a voz durante o show, nunca mais).
Antes de começar a me cuidar tinha muito preconceito com aulas de canto. Pensava que necessariamente adquiriria alguns vícios. Mal sabia eu que um bom professor iria, ao contrário, apontar meus vícios e me ensinar a viver sem eles. Antes achava bacana quando me diziam que tal cantora famosíssima não aquecia a voz, só mandava ver numa bala Hall’s preta antes do show e tudo certo. Já não acho mais bacana. Respeito quem faz isso, mas não funciono assim. Soube entender o que era melhor para mim. Amadureci e fiquei mais humilde para aprender, para me doar, para investir meu tempo em melhorias. Cresci. Percebi que preciso da técnica. Hoje em dia adoro ter aulas, apesar de infelizmente não poder tê-las ininterruptamente (voz é manutenção! Gosto de pensar em aulas de canto como algo que não tem conclusão. A pesquisa é para sempre). 
O título deste post é uma forma de chamar a atenção para este tipo de pensamento (que eu tinha e muitas pessoas ainda têm). Não é besteira se cuidar, jamais. E não é frescura aquecer a voz antes do show. Fico com vergonha, sim, de fazer aqueles vocalizes doidos na frente de qualquer pessoa, mas fazer o quê? Não é maluquice, embora pareça. Lembro que há alguns anos fui a um show de uma grande cantora na Fundição Progresso e ela, apesar de incrível, infelizmente mostrou uma voz bastante prejudicada pelo mau uso. Nas notas graves, sua voz sempre falhava. Não quero que isso aconteça comigo, e quero garantir a longevidade de minha voz. Quero me cuidar muito, e sempre. Se isso é ser vista como diva, fresca ou exagerada, paciência.
Digo isso porque ao me tornar mais cautelosa percebi que várias de minhas medidas pareciam ridículas aos olhos de outras pessoas. Algumas diziam: “Aposto que a Elis nunca fez nada disso. Duvido.” Bom, a fama dela era de ser o João Gilberto de saias, de tão perfeccionista. Isso me faz crer que ela devia ser cuidadosa com as cordas vocais, também. Mas, se não era, não é por isso que vou seguir o exemplo. Não sou a Elis, e isso é óbvio. Ela era incrível com o método dela, com as manias dela, fazendo as coisas da forma dela, com os cuidados dela (ou com nenhum cuidado – duvido muito!). Não importa. Pois agora posso dizer que me conheço. Sei que preciso ser cuidadosa. Sei que preciso economizar a voz em vários momentos. Sei que preciso evitar locais muito barulhentos, e, quando for inevitável, falar bem pouquinho. Meu corpo funciona assim. Minha máquina pede isso. Não posso dar mole com ar-condicionado, de jeito nenhum. Sempre me ferro. Nem ventilador a noite toda. Não dá certo, já sei disso. Preciso usar cachecol em dias frios. Preciso dormir bem, pois isso deixa a voz novinha em folha. Nada disso é frescura. É fato. E só eu sei o que preciso e o que não posso fazer. Óbvio, de novo.
Na realidade notei que em vários momentos quando se fala em tratar da saúde, de forma geral (bem-estar, qualidade de vida, alimentação saudável), parece que há um tabu aí, em alguns círculos – e certamente o dos músicos é um deles. Yoga, vegetarianismo, meditação, vida abstêmia, tudo isso às vezes é visto como “caretice”, ou motivo de riso. Deve ser culpa da tradição boêmia que vem com a música popular brasileira. Conheço cantores e instrumentistas atletas, extremamente saudáveis, cicloativistas etc. Mas há uma quantidade muito maior de pessoas que não são assim, e infelizmente acham que o estilo de vida delas é o “certo” (caso não achassem, não ririam dos colegas). Não entendo o porquê deste tabu. Por que os hábitos saudáveis de uns incomodariam outros? 
                  Bom, cada um na sua. De preferência, todos se respeitando, sem achincalhamentos recíprocos. Sonhar não custa nada.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Covers

Desde 2008 canto covers. Aliás, este termo, cover, não é muito comum no meio dos barzinhos, no meio da galera que toca MPB na noite. É mais utilizado no meio do rock (“banda cover de Black Sabbath”). Mas é isso o que faço desde 2008: canto covers. Canto músicas que todos conhecem – em barzinhos, casas de show, praças, eventos fechados.
Gostei muito de ser intérprete de canções famosas, pois nunca havia feito isso como cantora solo. Tinha uma banda de canções autorais, antes. Então foi algo bem diferente para mim. Achei delicioso cantar canções de Tom e Vinícius, Toquinho, Caetano, Erasmo Carlos... Em minha banda poucas vezes cantei músicas conhecidas (lembro de “Mulheres de Atenas”, do Chico, e de “Eu”, do Frank Jorge. Ah, e “O reggae”, da Legião Urbana, em um show em homenagem à banda).
Mas, como já mencionei aqui neste blog, no finalzinho de 2011 comecei a querer de verdade gravar um CD, exatamente para poder cantar músicas inéditas, de compositores novos. Sempre considerei ter bom gosto para o meu repertório. Pensei que seria ótimo escolher 10 canções de colegas meus (tenho amigos talentosíssimos - orgulho total!). Aí aconteceu uma coisa: comecei a ter mais vontade de cantar estas inéditas do que os covers. Apesar de ser algo ligeiramente mais difícil de realizar – a receptividade para canções inéditas costuma ser fria em um show, e, além disso, é preciso ensaiar para executar canções inéditas; não basta dar o tom para os instrumentistas, como se faz comumente no caso de covers, pois nenhum deles conhece aquela canção –, vi que meu objetivo realmente não podia ser outro. Mostrar músicas inéditas para o público. Me sentia (e sinto) muito mais realizada.   
Fechei o repertório do meu CD e, é claro, comecei a querer inseri-lo nos shows que fazia. E sentia certa frustração caso não conseguisse ensaiar com a banda, o que impossibilitava a apresentação destas inéditas. Ou caso sentisse que o público de um local não estava aberto a novidades (sabe quando você sente aquele clima "Coisinha do pai" no ar? Então...). Mas ao mesmo tempo entendia que, realmente, enquanto eu cantasse em bares e locais onde o público está acostumado a ouvir canções famosas, seria mais difícil colocar esta minha vontade em prática (mas não deixava de ficar um pouco frustrada). Certa vez, no Mike's Haus Imbiss, em Santa Teresa, anunciei que ia cantar uma canção inédita, e então uma moça disse: "Mas a música é boa?". Chato, mas compreensível. É o medo de ouvir algo ruim. Querendo poupar os ouvidos, as pessoas acabam agindo assim, tendo essa resistência ao novo. 
(A canção em questão, aliás, era "Samba do pé", uma das que mais amo cantar. Curiosamente, certa vez, na praça São Salvador, esta foi a música mais aplaudida do show todo - fato percebido por todos da banda e pelo produtor. Música boa às vezes também pode ter este poder de conquistar à primeira audição.) 
Estou escrevendo este texto porque dia 9 de novembro, sábado próximo, farei um show no Fixos Fluxos, na Lapa. Serão 2 sets de 45 minutos, com apenas 4 canções do CD - as outras serão covers. Noel Rosa, Monsueto, Gilberto Gil, Pepeu Gomes, Chico Buarque, entre outros. Ensaiamos na terça-feira o show, foi lindo. Mas a ideia é que esta seja a última vez que faço um show neste molde: 2 sets, Lapa, noite, basicamente covers. Estou considerando esta uma despedida deste tipo de apresentação, que já fiz tantas vezes. Foram 2 anos quase ininterruptos em um mesmo bar nos arcos da Lapa (show fixo, uma vez por semana), entremeados por outros shows, em outros lugares (Semente, praça Paris e praça São Salvador, Mike's Haus Imbiss), sempre no mesmo molde. Também já escrevi aqui que aprendi muito com estes shows. Mas uma das coisas que aprendi é que, de fato, sinto mais prazer cantando músicas inéditas, de um repertório que eu montei, escolhi a dedo, para descrever aquilo que amo, que sou. Meu repertório, acredito, me traduz. Fala muito sobre quem sou. O repertório de covers também diz muito sobre mim, é verdade (afinal, só escolho músicas que gosto), mas de uma forma diferente, se adaptando também à vontade do público. Não posso cantar "Manera, fru fru, manera" em um show em barzinho, por exemplo. Vão achar que pirei. 
Amo cantar músicas consagradas. E tenho muita vontade de fazer shows / CDs / projetos temáticos. Um show em homenagem ao forró, com direito a Dominguinhos, Gonzagão, Nando Cordel e outros. Um CD só com rocks brasileiros, conhecidíssimos. Um show em homenagem ao Itamar Assumpção. Muita vontade de fazer este tipo de coisa, pois esta ideia me diverte muito. Imagina? Um projeto só de canções do Belchior. Seria lindo. Mas esta ideia é bem diferente de um show de covers. Arranjos diferentes, todas as canções de um mesmo compositor. Podendo ousar livremente.
Faço vez ou outra shows fechados (em residências, festas de empresas), e posso afirmar que gosto muito de fazer isso. O ambiente é muito tranquilo e o pagamento é justo. Nestes casos, é incrível: canto todas as canções "manjadas" com prazer. Acho que isso acontece porque, neste caso, parece fazer sentido. Tudo muda de figura. Estão me pagando bem para cantar sucessos da MPB. Às vezes até pedem músicas antecipadamente. Estudo as canções, ensaio e vou. Tudo certo. Tudo perfeito. Adoro trabalhar assim. E estou sempre torcendo para que eventos deste tipo aconteçam. Me sinto valorizada e feliz.
Também adoro cantar em festas juninas. Só forró (um dos meus estilos preferidos)! É a mesma coisa: recebo um pagamento justo para cantar músicas que amo. Me divirto, vou a várias festas para divulgar a cultura do Nordeste. Para mim, faz todo o sentido também. Always a pleasure. Vou sorrindo.
Como disse, o ensaio para este show foi ótimo, e o show não será diferente. Estou muito bem acompanhada ao lado de Caio Márcio, Josias Pedrosa e Renato Endrigo, cheios de bossa e dinâmica. Além disso, vou aproveitar a ocasião para confraternizar, rever amigos que me cobram um show há tempos. Quero fechar com chave de ouro esta minha fase - e poder iniciar outra. Bem mais difícil, mas certamente incrível.  

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Responsabilidade

Este post não será muito longo. Apenas fiquei com uma grande necessidade de falar sobre responsabilidade. O intuito é ser mais rigorosa comigo neste aspecto. E talvez escrevendo, organizando as ideias em um texto, fique um pouco mais fácil me cobrar isso.
Há poucas semanas foi marcado um ensaio de um projeto do qual participo. O ensaio aconteceria em Laranjeiras. Durante o dia eu havia pensado o seguinte: não vou me atrasar nem um minutinho. Vou chegar na hora. Quero estar certa (sempre que chego atrasada me sinto errada/culpada, o que às vezes atrapalha o meu desempenho durante todo o ensaio. O desconforto tem este poder). Mas... Aconteceu do Grupo Galpão estar na cidade, se apresentando gratuitamente no aterro do Flamengo (com a peça Os Gigantes da Montanha”). Sábado e domingo eu teria gravações até bem tarde, não poderia vê-los... Como o meu ensaio era às 21h e o espetáculo era às 19h, pensei que seria uma ótima ideia ver a peça e depois partir para o ensaio, feliz da vida. Tudo bem que, para quem estava planejando não se atrasar, isso era um tanto quanto contraditório. Um dos princípios dos pontuais deve ser exatamente aquele de não marcar algo cujo horário seja muito próximo ao horário de um compromisso logo a seguir. Mas resolvi ir.
A peça foi bacana. O problema é que não pude assisti-la até o fim. Outro problema foi que senti um grande desconforto durante mais de uma hora, pois o local estava muito cheio e por isso sentei-me em um lugar muito, mas muito ruim. Outro problema foi que a todo momento eu dispersava, pensando que talvez já fosse hora de eu ir embora. Mas o maior problema mesmo foi ter chegado 10 minutos atrasada ao ensaio. Não houve clima ruim algum com a galera da banda, e um dos integrantes até disse que eu havia chegado “bem” (ou seja, cedo). De fato, eles ainda estavam arrumando as coisas (afinando os instrumentos etc.). E, de fato, ainda faltavam chegar dois integrantes do grupo. Então, sem dúvidas, meu atraso não foi um grande problema para a produtividade do ensaio. Mas o que realmente me incomodou é que eu cheguei atrasada, e ponto. Isso quando havia me prometido que desta vez não chegaria nem um minutinho depois. Cheguei não só um, mas 10 minutos depois do que eu havia combinado comigo.
Fiquei no dia seguinte pensando muito sobre isso. Fiquei refletindo sobre essa minha mania: sempre querendo fazer um pouco de tudo, não priorizando, querendo dar um jeitinho, me desdobrando (ou tentando). Mesmo que no fim acabe dando alguma confusão; mesmo que eu acabe prejudicando outros com isso, não mudo. Eu já havia percebido há algum tempinho que o prazer de fazer algo legal e depois prejudicar um compromisso em consequência disso acabava não valendo a pena. Porque, como já mencionei, acabo ficando com o meu vacilo na cabeça e isso estraga um pouco minha produtividade. Chegar pedindo “desculpe, desculpe” não é legal. Já havia sacado isso. Mas desta vez esta sensação veio com mais força. Talvez porque eu não tenha me atrasado no trânsito; nem tenha me enrolado para sair de casa; nem tenha calculado mal: eu simplesmente estava em uma peça, por puro lazer, e esta não é uma boa razão para não chegar pontualmente em um ensaio. O certo mesmo seria não ter ido. Por quê? Porque existem outras pessoas na jogada que não têm nada a ver com o fato de eu estar com vontade de ver uma peça. (Se o compromisso prejudicado envolvesse apenas a mim, ainda assim seria um vacilo. Mas seria um vacilo um pouco menor.)
Este episódio me fez pensar sobre minha visão de profissionalismo. Me perguntei: o que diabos eu penso de mim como cantora? Eu acho que cantar é uma brincadeira, algo que posso fazer sem me doar 100%? Coloco qualquer outra coisa na frente? Desdenho? Será que é tão difícil assim negar alguma coisa para zelar por esta parte importantíssima da minha vida?
Este texto, como diz o título, fala sobre responsabilidade de forma geral. E o atraso é uma forma de irresponsabilidade. A pontualidade, por sua vez, é amostra de comprometimento. Então achei que seria ótimo para mim (como já está sendo!) escrever sobre isso, divagar, etcetera e tal. Não vou adquirir uma pontualidade britânica assim, de uma hora para a outra, apenas porque escrevi e publiquei isso aqui. Mas certamente vou ficar mais atenta, mais envolvida com esta questão (quiçá envergonhada por não fazer nenhum esforço de melhora depois de discorrer sobre este tema). É verdade que me sinto bem menos mal se o motivo do atraso é algo que “não tive como evitar” (mas quase sempre é possível evitar, sejamos sinceros!) e não algo que beira o desrespeito (por exemplo: ver uma peça), mas quero melhorar de forma geral; não quero ter justificativas perfeitamente razoáveis. A ideia não é essa, ter bons argumentos, uma boa razão para não cumprir o combinado. Já disse Sady Bianchin: se a justificativa do ator que chega depois da hora e atrasa o início da peça servisse para resolver alguma coisa, tudo bem. Mas infelizmente pedir perdão ao público não fará com que o público não espere. 
Acho que as pessoas muito sérias e focadas, as pessoas que admiro profissionalmente, estão acostumadíssimas a deixar de lado uma saída com os amigos, um piquenique ou uma festa para que possam se dedicar a um ensaio, um treino, um estudo. As coisas muito importantes são assim: gostam (e precisam) de muita atenção. E tudo o que faço em relação à música é muito importante - afinal, é o que mais gosto de fazer e é também aquilo que eu faço de melhor.
Posso estar parecendo ser rígida demais comigo neste sentido, mas desta vez esta questão calou fundo, não sei exatamente por qual razão. Afinal, já cheguei atrasada outras (inúmeras) vezes a outros compromissos. Talvez tenha sido culpa do desconforto durante a peça. Foi tão, mas tão incômodo que me levou a repensar minha vida. Tudo tem um lado bom, olhe só. (Uau! Será que se eu tivesse ficado confortavelmente sentada durante a peça nada disso teria passado por minha cabeça?)
Agradeço a todos os pontuais que já conviveram e ainda convivem comigo pela compreensão e pelo bom exemplo. Agradeço a todos aqueles profissionais, responsáveis, que me inspiram e me fazem querer ser mais séria (no melhor dos sentidos) a cada dia. E agradeço também ao Grupo Galpão, por ter me dado a oportunidade de pensar nisso tudo. (Ainda quero ver a peça toda, estava tão boa...)
Um dia eu chego lá! Vamos trilhando o caminho.











sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Críticas, sugestões, opiniões



Resolvi fazer aqui uma coletânea de algumas críticas-pérola ouvidas por mim desde que comecei a cantar.
Fui escrevendo as frases que ouvi e foi bem interessante poder refletir novamente sobre estas. Algumas delas foram ouvidas nos intervalos dos shows, outras em conversas com amigos, outras ainda no próprio palco (sim, pode acreditar!), mas o fato é que todas me marcaram, negativa ou positivamente.
Chamo estas críticas de pérolas porque, de fato, muitas me ajudaram a melhorar no aspecto cênico ou técnico; me ajudaram a melhorar como artista. Mas também as chamo de "pérolas" porque muitas delas são engraçadas, ou esquistas, ou "joselitagens" por essência. Por todas estas razões, é certo: vale a pena registrar!

"Guidi, não tape um dos ouvidos quando o retorno estiver baixo, fica parecendo o Chico Anísio fazendo a paródia do repórter" (Hahahah! Nunca mais fiz, depois dessa...)
"Não 'emende' uma música com a outra. Toque uma, dê um tempo, depois toque outra." (Faz sentido; parece que estou com pressa e querendo que a apresentação acabe logo. Obrigada.)
"Aulas de músicas seriam mais importantes para você do que uma aula de canto, na minha opinião." (Pode ser.)
"Canta samba? Então vá na feijoada da Mangueira, vá nos redutos, vá conhecer o samba de raiz." (Mesmo que eu não queira ser uma cantora de samba, esse conselho é muito válido, pois vez ou outra irei cantar alguns.)
"Te criticaram lá no Mercadinho São José porque você não cantou aquela música olhando para a pessoa que fez o pedido da música. Disseram que você é metida." (Quem é pior: o cliente/bebê chorão ou aquele que passa uma desinformação destas?)
"Olhe mais para o público, você às vezes fica de costas por um bom tempo." (Ok. Nesse caso são se trata de olhar para um bebê chorão, mas sim para o público todo, de forma geral. Obrigada por avisar.)
"Não gosto desta nota que você acrescenta em 'Chega de saudade'. Fica feio, vício de cantora da noite." (Fica mesmo. Parei.)
"Quando for falar algo com o público entre as músicas, lembre-se de continuar emitindo a voz em um bom volume. Você sempre fala baixinho e ninguém entende nada." (Acho que consegui melhorar isso.)
"Quando você for voltar a cantar, sinalize isso ao solista, para que ele finalize o solo antes." (Beleza. Mais beleza ainda seria falar isso fora do palco, mas está valendo!)
"Reparei que você fica sem fôlego em algumas canções. Faça alguns exercícios de respiração, desse jeito você conseguirá sustentar melhor as notas." (Missão dada é missão cumprida.)
"Você bocejou entre uma das músicas!" (Deve ter ficado bem estranho! Desculpem.)
"Renove seu repertório. Tem muitas músicas antigas, conhecidas - eu queria ouvir as inéditas!" (Isso que dá não arriscar! Além de ter ficado entediada, cantando as mesmas músicas de sempre, perdi a chance de mostrar as músicas do CD.)
"O público aqui não gosta de bossa nova. Entende?" (Sim, o público da sua casa gosta mais das músicas pop que tocam na rádio, e essa não é a minha praia. Tchau!)
"Não gostava de sua voz, não, achava muito enjoada." (Acho que minha voz pouco mudou, então pode continuar não gostando à vontade - não acho nada bacana ouvir uma opinião que é, claramente, apenas uma forma de diminuir o interlocutor, sob o disfarce de um elogio muito mal formulado.)
"Tente se maquiar mais, caprichar mais no figurino." (Ok. Não justifica, mas explica: tinha lugar que era tão fuleiro que não me batia nem inspiração para fazer isso... Eita!)
"Você fica cantando muito tempo de olhos fechados." (Se era incômodo para o público, para mim era pior ainda, acredite. Ficava de olhos fechados muito tempo sempre que estava enfadada ou envergonhada com um show qualquer nota, querendo fugir. Mas resolvi os dois - os olhos fechados e os shows qualquer nota.)
"Você quase que tapa seu rosto todo com o microfone. Não se esconda" (Taí algo que eu nunca repararia - obrigada.)
"Não se aproxime muito do microfone, parece insegurança de não conseguir projetar a voz." (Quase resolvido.)
"Coloque um cenário naquele bar que você canta." (Entendi sua observação e a ideia seria boa, mas acho que o mais importante mesmo é não cantar naquele bar - o que já fiz.)
"Sorria, mesmo que um sorriso falso." (Isso não te levou a lugar nenhum - por que eu deveria fazer o mesmo?)
"Você se expressa melhor cenicamente com a mão direita. Segure o microfone com a mão esquerda ou o coloque no pedestal e fique com as duas livres." (Ok. Acho que também vale tentar treinar a mão esquerda para deixá-la mais "desinibida", mas por eu ser destra isso pode demorar um pouco. Obrigada pelo conselho!)
"Estão dizendo por aí que você está desafinando muito." (Estão dizendo ou você está dizendo, sem dizer, por falta de coragem?)


A verdade é que admiro demais algumas destas pessoas por terem tido a coragem de me dar um conselho valioso, mesmo sem me conhecer (poderiam não ter sido bem recebidos) ou por terem sido meus amigos e falado a verdade, querendo que eu melhorasse. Não sei se eu conseguiria ser tão franca com alguém que não conheço (teria medo de levar um fora), e talvez ficasse sem jeito de dizer algo ligeiramente delicado a um amigo.

Acredito que nunca sou a mesma depois de uma crítica. Em alguns casos fico um pouco constrangida na hora, mas é fato que sempre melhoro um pouco, mesmo que só um tiquinho. Quando a preparadora vocal Gláucia Henriques me falou sobre meu hábito de levantar o pescoço (como se estivesse fazendo um esforço hercúleo para cantar), fiquei bem impressionada com o quanto aquilo era incômodo de ver, segundo ela. Fiquei vermelha de tão sem graça, mas mudei muito, e no nosso encontro seguinte eu já estava quase "curada" daquele mal que eu tinha há anos e anos. Penso que sou bem aberta a mudanças para melhor, por isso acredito em crítica construtiva, sim. E exatamente porque estou à disposição para ouvir boas sugestões, não tolero más intenções disfarçadas de "conselho amigo", nem grosserias gratuitas. Grosserias perdem o crédito só por serem grosserias. E quanto às críticas disfarçadas, faço uma provocação: isso tudo é medo de uma cantora de 1,58 metro?





quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Causos

Ando falando de coisas mais sérias aqui no blog. A vida de cantora é uma vida "gorda" (parafraseando Dercy Gonçalves), cheia de experiências. Por isso, pensei no outro lado da moeda: já vivi tantas coisas engraçadas e estranhas cantando na noite que, na verdade, precisava enumerar e contar esses episódios. É verdade que no meio de alguns destes relatos engraçados há uma crítica de minha parte. Mas são "causos", e precisam ser contados!


Um senhor, que eu estava vendo pelo segundo ano consecutivo em uma festa junina no Irajá (eu já havia percebido, no ano anterior, que se tratava de um alcoólatra), ao final da apresentação, depois de ter pedido quase que exclusivamente canções que não estavam em meu repertório, perguntou: "Você canta em outros lugares?". "Sim", eu disse. "Não canta p... nenhuma, aposto que só canta aqui! Você é muito fraquinha! Não cantou nada que eu pedi." Saí correndo da festinha para chegar a tempo no Centro Cultural Carioca, onde ia cantar dali a pouco, pensando que, realmente, é preciso ter muita paciência com quem sofre desta doença...
Certa vez, no Bar do Bonde, em Santa Teresa, fui cantar (voz e violão) com Henrique Silva. Eu e Marcelo, meu produtor, havíamos levado o equipamento para o show, mas, como vimos depois, havíamos deixado um cabo na casa dele (naquela época Marcelo ainda não levava cabos e mais cabos extras, como hoje). O show não podia ser cancelado, pois alguns amigos tinham vindo apenas para me ver. Então... Fizemos um apresentação "orgânica", sem amplificação nenhuma. Graças a Deus o Bar do Bonde é muito pequenino e o show foi bem bonito, curiosamente especial.
Certa vez no Severyna, em Laranjeiras, estava fazendo um show voz e violão sozinha quando, de repente, sinto um baque. Uma senhora que estava se dirigindo ao banheiro havia escorregado e caído em cima de mim e do meu violão. Quase em choque (exagero), dei um intervalo, meio ainda sem entender o que acabara de acontecer... Marcelo disse que parecia algo do tipo: "Larga que o homem é meu!".
Outra vez um professor de teatro - que sempre frequentava meus shows na Lapa e que era ligeiramente sem noção - quase pegou um microfone de um dos músicos que tocava comigo enquanto eu cantava "Cicatrizes" (a ideia dele era fazer um dueto - ser convidado ou não para tal era um mero detalhe...). Quando meu produtor o impediu, ele ficou ofendidíssimo e foi embora. Olhei para Marcelo e o agradeci com o olhar, enquanto cantava. O rapaz nunca mais voltou. Não posso dizer que tenha lamentado.
Aliás, se formos falar sobre canjas (participações bem vindas - outras nem tanto), o assunto também pode render. Quando eu cantava em Laranjeiras, certa vez um homem resolveu que queria cantar, mas, como não era cantor, foi muito, muito mal (foi constrangedor, falando francamente). Culpa minha, que ainda não sabia dizer não. Na semana seguinte fui ver um show de um amigo neste mesmo bar onde eu cantava e soube que eu não poderia dar uma canja (estavam proibidas, me explicaram. Adivinha por quê?). Pena que duas semanas depois, em um show meu, o mesmo dono que me proibiu de dar canja pediu que outro artista desse uma canja em meu show. Vai entender!
Mais recentemente, fui cantar em São Cristóvão, fazer uma participação em um show instrumental. Precisava, antes de começar a cantar, escrever a letra de "Meu Guri", do Chico, então fiquei em uma das mesinhas do bar fazendo isso. De repente um dos clientes, um brincalhão, veio falar comigo, como se fôssemos amigos: "Posso ler?". "Não", respondi. "É uma carta de amor." O tempo passou, o grupo tocou um set inteiro e no meio do segundo set fui cantar. Microfone empunhado, na hora em que ia pronunciar a primeira palavra da primeira canção, o mesmo "velho amigo" que eu não conhecia veio falar comigo, mais uma vez: "E você disse que era uma carta, né? Pois..." Daí, tarde demais, viu que eu ia cantar naquele exato momento e parou de falar. Totalmente desconcentrada, comecei minha participação no show. Se meu pensamento aparecesse em nuvenzinhas, como nas histórias em quadrinhos, diria: "Lembrei! É por causa deste tipo de coisa que eu não canto mais na noite!".
Ainda sobre interrupções, algumas vezes estava cantando e alguma pessoa veio dizer algo "importantíssimo" em meu ouvido, papos longos, e eu tendo que me concentrar na letra. Mesmo que se ignore o "Joselito", é bem difícil manter a concentração, acredite!
Indo para um viés mais espiritual: Uma senhora, após um show meu na Tijuca, pensou que talvez eu pudesse ser a reencarnação do filho que ela havia perdido ainda na gestação, há anos e anos atrás. Perguntou o ano de meu nascimento, fez as contas e achou possível que fosse eu.
Outra vez o dono do bar onde eu cantava simplesmente quase cai em cima dos músicos, junto com o rapaz com quem ele estava brigando. É claro que o show acabou ali mesmo, todos muito impressionados com aquela violência que quase resvalou em nós.
Certa noite (sempre na Lapa...) um rapaz perguntou (no meio do show, é claro) se eu cantava algo de certa cantora. Quando eu disse qual música dela eu cantava, ele disse: "Serve". E continou, não mais perguntando, mas exigindo: "Canta então e dedica para não-sei-quem que está fazendo aniversário e diz que...". Interrompi: "Você podia ao menos pedir por favor." O moço bem educado ficou ofendido e foi para os fundos do bar, "de mal" com a cantora aqui.
Um rapaz disse, após um show, que eu deveria investir no segmento da Wanessa Camargo ("cara de menina, voz boa, você deveria investir neste filão").
Cantando em uma quarta-feira, no meio do jogo do Flamengo, o inevitável aconteceu: "GOOOOOL!", gritaram os presentes, no meio da canção. Isso que dá cantar em lugar onde tem televisão... Com que cara se fica em uma situação dessas?
Um morador de rua, na praça São Salvador, ficou uns 10 minutos gritando "Ela cheira! Ela cheira!", apontando para mim, porque recusei a dar, no meio do show (quando o moço pediu) um autógrafo a ele. Difícil cantar nesta situação - só relaxei no final do show, vendo uma menininha cantando "Qui nem jiló", abrindo os bracinhos, feliz da vida. Ufa! 
Foram tantos, mas tantos casos coletados em apenas cinco anos que não consigo lembrar de todos. Muitos só virão à minha mente quando este post já tiver sido publicado. Alguns deles serviram para me firmar na certeza de que preciso me preservar e só fazer aquilo que estou realmente com vontade. Caso contrário, uma mera situação chata/desconfortável vira algo insuportável, algo para se arrepender amargamente de ter saído de casa. Mas o importante é registrar, se possível rir, e seguir adiante!











terça-feira, 20 de agosto de 2013

Sem a pulga atrás da orelha

Há uma semana tomei uma decisão que pode não parecer nada de mais, nada de excepcional. Mas esta decisão me ajudou a resolver um monte de coisas. Coisas que viviam me dividindo, coisas que me levavam a questionamentos e mais questionamentos. Eu me perguntava: devo me dedicar mais à música? Devo deixar de lado as outras atividades que faço e que, embora goste muito, não são tão importantes para mim quanto a música é?
Explico: desde 2007 comecei a me envolver com o teatro. Fiquei totalmente apaixonada, o que ocorre com a maioria das pessoas que entram para este universo. Naquele ano, na verdade, quis ficar só com o teatro. Estava bem pouco empolgada com a música - minha banda estava quase acabando (eu nem sonhava em ser cantora solo) e eu fazia parte de um grupo vocal, mas já sem muito entusiasmo. Com o passar do tempo, parei de cantar neste grupo também. Acho que estava tão envolvida com o teatro e, ao mesmo tempo, tão cansada dos estresses que existem no meio da música - e em qualquer meio! - e que eu enfrentava desde 2000, quando comecei a cantar em banda, que não estava nem mais pensando em voltar a cantar, e tudo bem por mim. É claro que pouquíssimo tempo depois voltei a cantar (na verdade não por uma vontade minha, mas do Marcelo, meu produtor) e fiquei fazendo as duas coisas, cantando e atuando. Em 2010, já cantando na noite há dois anos, fiz prova para a Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Pena - a mais antiga escola de artes cênicas da América Latina em atividade! - e passei, em julho. Fiquei muito, muito feliz. Foi de fato a realização de um sonho. Fiquei um ano e oito meses no curso, que tem a duração de dois anos e meio. Envolvida, entregue, louca por aquele universo, por aquelas ideias, pela delícia que é estudar, pensar e fazer teatro.
Em abril de 2012 tive que tomar uma decisão não muito fácil: vi que não conseguiria me dedicar à produção do meu CD e tive que trancar minha matrícula. A carga horária da escola (de segunda a sexta, quase 5 horas de aula por dia, além das aulas aos sábados) estava comprometendo o processo do meu disco. A dedicação que o curso, que os professores e alunos exigem e têm não é brincadeira. Tudo é levado muito, muito a sério, e quem não se dedica às aulas acaba prejudicando os colegas. Teatro é grupo, é coletivo por essência.
Tive certeza de que minha decisão foi acertada: fiquei livre o ano todo de 2012 para pensar em meu disco, pensar na produção deste ao lado do Daniel (o produtor musical), começar a gravá-lo, trabalhar bastante para pagar despesas extras (sempre aparecem), fazer o crowdfunding, organizar ensaios etc. Foi muito positivo.
Mas, embora eu tenha achado aquilo bastante corajoso de minha parte à época (faltavam menos de 4 meses para começarmos o processo da montagem final, onde a turma apresenta uma peça como trabalho de conclusão de curso, ou seja, seria a melhor parte, a celebração final!), aquela na verdade não havia sido uma decisão radical. Eu apenas estava trancando o curso. Poderia voltar em até um ano. E foi o que fiz. E neste um ano que se passou, fiquei refletindo bastante sobre o que a Martins Pena significava para mim, sobre o que o teatro significava para mim. Pensei e repensei isso mais do que já havia feito tantas vezes, desde que comecei a atuar e cantar. Como lidar com duas artes que pedem tanto tempo, tanta atenção? As duas são incríveis, emocionantes, lindas. As duas são arrebatadoras, trazem à tona tantas coisas escondidas... Fazem com que você se conheça a fundo.
Segunda-feira passada fui, com o coração cheio de dúvidas, ter minha primeira aula de reingresso na Martins. Assisti às duas primeiras aulas. Professoras incríveis, turma receptiva, alegre e carinhosa. Saí de lá direto para um ensaio (já no primeiro dia de aula eu precisei sair mais cedo para dar atenção à música, que coisa...); fui andando do Centro até Laranjeiras, pensando sem parar. Ensaiei sem tirar a questão "fico ou não fico" do pensamento. Saindo do ensaio, fui andando até a Glória, ainda com a cabeça fervilhando, mas um pouco menos. Uma decisão parecia estar começando a surgir. Acho que as caminhadas estavam ajudando (como sempre!) e acho que o ensaio também havia ajudado muito, pois pude ter contato com as duas artes no mesmo dia, comparar o que cada uma significava para mim. Somando isso a todas as conversas que já havia tido com a mãe, com o namorado, com o produtor, com a irmã, com os amigos, acho que fui finalmente aceitando e escutando o que o meu coração estava me dizendo. Eu era (sou!) da música, e precisava mostrar isso para valer, não para ninguém, mas para mim. E talvez também precisasse dar uma prova real de amor à arte que mexe comigo desde que me entendo por gente. Uma prova verdadeira, algo que não fosse reversível, como fora o trancamento. Um pouco mais radical do que isso.
Decidi abandonar a Martins Pena. Não voltei no dia seguinte. E o mais engraçado foi perceber que uma dúvida que existia em mim há alguns anos, de um dia para o outro (depois de muito queimar a mufa, é verdade), simplesmente desaparecera. De repente, uma certeza. Como um presente, uma recompensa depois de dedicar tanto tempo àquilo. Já na Glória eu percebi que estava certa. Dei a notícia a meu namorado, que me esperava - e cujos ouvidos já estavam acostumados com aquele tópico -, e ficamos os dois verdadeiramente felizes com o fim daquela dúvida. Eu não regressaria àquela escola tão querida, mas que já não tinha mais espaço em minha vida. Não a ponto de passar 5 horas diárias lá, longe do meu cavaquinho, longe dos meus livros, dos meus modestos escritos, da produção do meu CD, do meu trabalho que me dá dinheiro para sobreviver e investir em mim. Não. A prioridade é a música. Já a neguei por tantos, tantos anos, mesmo que ninguém tenha desconfiado disso. Mas a verdade é que o teatro, além de ter me seduzido, também me ajudou a negar um pouco a cantora, servindo como um pretexto, uma desculpa para que eu não me dedicasse totalmente àquilo que mais amava e amo. Já dizia Millôr: "Você abdica daquilo a que ninguém lhe tira o mérito". Sempre tive medo de assumir aquilo que eu fazia de melhor: cantar. Ridículo, mas compreensível. Realmente é assustador se doar àquilo que é seu dom (falar de dom pode também ser ridículo/piegas, mas não vou fingir que estou falando de outra coisa), pois você pode - e provavelmente vai - se machucar, como em qualquer entrega. Mas ao mesmo tempo será mais feliz.
Fiquei impressionada e, como mencionei, senti que ganhei um presente: uma certeza. Uma resolução. Tão bom resolver questões! E melhor ainda resolver com a sensação de paz, de decisão acertada.
Não posso omitir o fato de que no segundo semestre de 2011 eu também passei para a graduação em Teoria do Teatro da Uni Rio - porém só cursei o primeiro período, depois tranquei. Mas se houver um mínimo de coerência em mim, acho que só voltarei na Uni Rio para ver as peças dos alunos, frequentar as ótimas festas de lá e curtir mais encontros Hare Krishna, como o que fui há duas semanas. (Engraçado lembrar que foi na Uni Rio que a incrível Tânia Alice colocou uma pulga atrás da minha orelha que só agora tirei, ao dizer: "É preciso avaliar se estamos aqui apenas por uma questão de ego. Minimamente gastamos umas 5 horas de nosso dia para estar aqui. Indo, assistindo às aulas, voltando. E um dia a vida acaba, e vamos ver que levamos nossas vidas baseados apenas nisso, em satisfazer o ego." Certamente a pulga ficou porque aquilo se aplicava, de cabo a rabo, ao meu caso.)
Para finalizar, lembro que em 2008, em uma reunião na casa da diretora Beth Araújo, com quem eu trabalhava, ouvi dela que em algum momento eu precisaria decidir se era cantora ou atriz. Em algum ponto eu teria que optar, disse. Cinco anos depois, eis que surge minha resposta.



terça-feira, 25 de junho de 2013

Coerência

Me pergunto, frequentemente, o que as pessoas querem. O que nós, músicos, queremos? O que EU quero, na verdade?

Acho que quero o básico (como a maioria das pessoas): poder fazer o que amo e ser reconhecida. Trabalhar com o que gosto e ser remunerada por isso. Um grande luxo, e ao mesmo tempo algo básico, se pararmos para pensar (poder pagar as contas sem pagar o preço de ser infeliz!)

A verdade é que tenho certeza de que todos os músicos querem poder viver da música. Todos nós queremos um público que nos prestigie e pague por nosso show, compre nossos CDs. Queremos que as pessoas colaborem conosco no crowdfunding quando precisarmos; queremos ver a casa lotada no dia do nosso show; queremos receber uma grana boa no final da noite. Queremos que as pessoas paguem para ver nossa arte sendo feita!

Mas observo no Rio de Janeiro que muitos músicos parecem não entender que para que isso aconteça é preciso agir de forma coerente. Precisamos agir corretamente com nosso colegas. Por que é tão difícil pagar para assistir a um show bacana de um amigo, por exemplo? A falta de grana é um ótimo motivo para se pedir um nome na lista. Mas a falta de percepção de que aquilo ali é o trabalho de um colega que precisa de sua colaboração, não. Este é um péssimo motivo. Um exemplo disso é quando um músico coloca o nome de alguém na lista 0800, a pedido desta pessoa, e depois vê este mesmo alguém bebendo várias cervejas no mesmo show que ela entrou de graça. Certamente neste caso o problema não é falta de grana. É falta de consciência, mesmo.

Se o colega está ali no palco, precisando do couvert para pagar as contas, e você não percebe que gasta muito mais em consumação do que gastaria ao pagar a entrada, é interessante parar para refletir. (Você acha que seu colega não vale aquela grana? Então por que foi ao show dele?)

Já fui muitas e muitas vezes a shows e peças com nome na lista. Até hoje, se alguém me convidar e eu estiver dura, irei, feliz e agradecida pelo convite. Se eu quiser muito ver um show / peça de um colega e não tiver como, vou pedir na boa. Consciente de que não poderia ir àquele espetáculo se não fosse gratuitamente. Sem peso na consciência. Mas não acho nada certo ter a grana e preferir não pagar.

Sei que pareço bastante radical quando abordo certos assuntos, mas de fato me parece haver um equívoco muito grande no que diz respeito à cultura. A cultura precisa de nós, precisa que colaboremos. No Rio de Janeiro, um lugar de cultura efervescente, vejo o quanto não damos valor a tudo o que temos à disposição. Este ano fui a diversos programas gratuitos. Fui em quatro dias do festival de cinema “É Tudo Verdade.” Fui a uma peça gratuita do Jô Bilac no Barteliê. Vou sempre que posso às segundas-feiras ver os filmes da Maison de France. Fui na reinauguração do Cine Joia, há duas semanas, e vi o incrível Juan e a Bailarina. Vi a peça Um inimigo do povo, do Ibsen, no projeto do Tribunal de Justiça. Vi a Cia. de Dança Lia Rodrigues na Casa França-Brasil. Vi o show da Elba Ramalho no SESI Graça Aranha. Vi exposições de fotografia jornalística no CCBB e na Caixa Cultural. Só este ano. Ou seja: mesmo quem não estiver com bala na agulha pode se divertir, e muito, na cidade. E talvez por causa deste facílimo acesso que temos ao que há de melhor em música, teatro, dança e artes plásticas nós acabemos não percebendo a importância de darmos uma contrapartida para as grandes e pequenas iniciativas culturais. 

Se queremos ter cultura gratuita pelo simples fato de que não achamos que aquilo valha a nossa grana... Será que nós realmente gostamos de cultura?

Então fica aqui mais uma pergunta, entre tantas já feitas neste texto: será que nós, músicos, gostamos desta situação em que vivemos? Recebendo mal, suando para conseguir ganhar um mínimo que cubra as despesas para ir e voltar ao local do show? Claro que não. Mas este tipo de atitude que citei me faz acreditar que nos falta coerência. Só queremos receber, nunca pagar por nada? Não acredito que se possa chegar a lugar algum, muito menos prosperar, pensando e agindo desta forma, principalmente com nossas colegas - prova de uma desunião entre aqueles que vivem da música.



Sigo daqui fazendo minha parte, sempre que posso. Sem vergonha de desfrutar de um convite de um amigo que coloca meu nome na lista. Sem vergonha em convidar vários amigos, colocando o nome deles na lista, quando faço um show de inéditas em um local com pouco público - preciso deles, e o que quero mesmo é que eles estejam lá, pagando ou não, até mesmo para que façam o sempre bem vindo boca a boca depois. Mas também sem a menor má vontade para pagar por um bom show, seja este de um amigo ou não, se eu tiver condições para isso. Quero muita, muita cultura, e sempre. Seja pelo prazer disso, como público, seja porque quero encontrar para mim (e para meus colegas) um mercado favorável, como artista.  

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Jogando nas onze

Sempre admirei muito quem vive exclusivamente da música, dentre meus colegas. De fato, deve ser um grande desafio e um privilégio, ao mesmo tempo. Trabalhar exclusivamente com aquilo que se ama, aquilo que se faz de melhor. E é claro que esta dedicação exclusiva, consequentemente, sempre traz mais trabalhos e proporciona que o músico seja cada vez mais requisitado e conhecido no meio. Além de ficar cada vez melhor em sua função (“quem toca mais, toca mais”, certa vez ouvi de um percussionista-poeta!).
Sempre quis poder fazer isso. Quando cantava na noite, pensava: “Seria bom ter tempo para pensar com toda a calma no repertório. Seria bom acrescentar novas canções a cada semana e ter mais tempo para ensaiar com o violonista...”. Infelizmente meu repertório ficava muito tempo “estacionado” com as mesmas músicas, e eu não conseguia pensar com toda a calma no figurino e em outros detalhes. Não conseguia organizar bem meu tempo para dar igual atenção aos meus dois trabalhos. Por isso, pensava o quanto seria bom só cantar, mais nada!
Mas, neste ano de tantas mudanças que tem sido 2013, minha opinião sobre isso mudou um pouco.
Trabalho como tradutora, revisora e copidesque. Felizmente é um trabalho que faço em casa, o que colabora muito com o meu trabalho de cantora. Posso montar meus horários, tenho bastante flexibilidade. E é algo que tenho muito prazer em fazer, pois lidar com letras e livros é sonho antigo - desde os 10 anos de idade, quando li Lygia Bojunga pela primeira vez, fiquei apaixonada por literatura e quis me tornar escritora.
Mas se há um ano eu, apesar de gostar, lamentava ter que fazer traduções pela manhã depois de uma cansativa noite de show, hoje não o faço mais. Acho bom e – quem diria – também um privilégio ter este outro trabalho. Graças a ele, não coloco um peso enorme, uma responsabilidade gigante sobre a música. Graças a ele, posso negar qualquer show que, em minha avaliação, seja apenas perda de tempo. Graças a ele (e esta é a melhor parte) posso ter uma atitude mais política artisticamente e não consentir com coisas que considero incorretas. Posso dizer “não” àquela casa que trata os músicos na base dos 50 reais, por exemplo.
Outro dia, no início do ano, estava falando com um instrumentista exatamente sobre esta questão de tocar ou não em lugares que não valorizam o músico, e comentei que há minutos atrás eu havia recusado, por telefone, o convite para tocar em uma casa da Lapa (a casa é conhecidamente desonesta: fatura muito, muito dinheiro e paga um valor irrisório aos músicos, comparativamente. É uma das poucas casas que teria a oportunidade de tratar os músicos com dignidade e não o faz. Estamos falando de uma casa rica, não de um barzinho humilde!). Meu colega disse: “Eu não recuso porque não estou podendo”... E é verdade. Certamente ele não pode fazer isso, pois vive exclusivamente de sua função de instrumentista. Mas fico feliz em perceber que, por não viver só de música, posso optar. Posso encaminhar da forma que quero minha carreira. E a parte mais preciosa é essa: posso boicotar aquilo que considero errado; posso não participar de nada que eu considere injusto. Posso não ser cúmplice de quem faz com que os músicos, cada vez mais, se tornem profissionais desiludidos com a carreira que tanto amam.
(Às vezes penso: “será que estou ficando radical demais?”. Acho que sim. Mas será que isso é ruim?)
É claro que certas vezes fico com pena de não estar fazendo uma produção do meu trabalho, pois preciso terminar as laudas de uma tradução. É claro que preferiria estar praticando mais meus instrumentos, movimentando mais minha carreira de cantora. Mas é o outro lado da moeda. A diferença é que agora não reclamo de ter que “jogar nas onze”. Pelo contrário, fico feliz de ter um trabalho que sustenta minha carreira. Que, além de tudo o que já citei, possibilitou também que em diversas ocasiões eu garantisse um fixo para os músicos que tocaram comigo em casas que lucram muito pouco, sem deixá-los na incerteza da porcentagem do couvert
Lembro que há dois anos um músico disse para mim e meu produtor que nós dois “tínhamos outros trabalhos”; com isso, o indivíduo argumentava que ele, ao contrário de nós, era profissional e levava aquilo muito a sério. Acho que, de fato, na época eu não me levava mesmo muito a sério: não me organizava como hoje, não impunha minhas vontades, não era ativa na minha função de cantora (isso também é assunto para outro post, sem dúvidas!). Mas hoje, dois anos depois, vejo que EXATAMENTE porque levo meu trabalho como cantora muito a sério é que não sou só musicista. Porque preciso de outra renda que me possibilite pagar uma preparação vocal, por exemplo. E se este indivíduo, ou qualquer outra pessoa, achar um demérito o fato de eu ter outro trabalho (porque isso evidenciaria que não sou “cantora profissional”), bem, talvez não seja através deste texto que irei convencer alguém de que sim, sou cantora profissional. E, talvez, não seja importante convencer ninguém de nada; apenas fazer meu trabalho com todo o cuidado, como venho fazendo nos últimos tempos.
Meu sonho maior é cantar, “musicar” 24 horas por dia. Mas tudo tem o seu tempo, e ainda não é a hora de (e nem seria possível) largar tudo e viver só da minha voz. Pelo contrário: agora é hora de trabalhar bastante para poder investir no que amo e colher os frutos com o passar do tempo.
Continuemos, então, jogando nas onze!