terça-feira, 25 de junho de 2013

Coerência

Me pergunto, frequentemente, o que as pessoas querem. O que nós, músicos, queremos? O que EU quero, na verdade?

Acho que quero o básico (como a maioria das pessoas): poder fazer o que amo e ser reconhecida. Trabalhar com o que gosto e ser remunerada por isso. Um grande luxo, e ao mesmo tempo algo básico, se pararmos para pensar (poder pagar as contas sem pagar o preço de ser infeliz!)

A verdade é que tenho certeza de que todos os músicos querem poder viver da música. Todos nós queremos um público que nos prestigie e pague por nosso show, compre nossos CDs. Queremos que as pessoas colaborem conosco no crowdfunding quando precisarmos; queremos ver a casa lotada no dia do nosso show; queremos receber uma grana boa no final da noite. Queremos que as pessoas paguem para ver nossa arte sendo feita!

Mas observo no Rio de Janeiro que muitos músicos parecem não entender que para que isso aconteça é preciso agir de forma coerente. Precisamos agir corretamente com nosso colegas. Por que é tão difícil pagar para assistir a um show bacana de um amigo, por exemplo? A falta de grana é um ótimo motivo para se pedir um nome na lista. Mas a falta de percepção de que aquilo ali é o trabalho de um colega que precisa de sua colaboração, não. Este é um péssimo motivo. Um exemplo disso é quando um músico coloca o nome de alguém na lista 0800, a pedido desta pessoa, e depois vê este mesmo alguém bebendo várias cervejas no mesmo show que ela entrou de graça. Certamente neste caso o problema não é falta de grana. É falta de consciência, mesmo.

Se o colega está ali no palco, precisando do couvert para pagar as contas, e você não percebe que gasta muito mais em consumação do que gastaria ao pagar a entrada, é interessante parar para refletir. (Você acha que seu colega não vale aquela grana? Então por que foi ao show dele?)

Já fui muitas e muitas vezes a shows e peças com nome na lista. Até hoje, se alguém me convidar e eu estiver dura, irei, feliz e agradecida pelo convite. Se eu quiser muito ver um show / peça de um colega e não tiver como, vou pedir na boa. Consciente de que não poderia ir àquele espetáculo se não fosse gratuitamente. Sem peso na consciência. Mas não acho nada certo ter a grana e preferir não pagar.

Sei que pareço bastante radical quando abordo certos assuntos, mas de fato me parece haver um equívoco muito grande no que diz respeito à cultura. A cultura precisa de nós, precisa que colaboremos. No Rio de Janeiro, um lugar de cultura efervescente, vejo o quanto não damos valor a tudo o que temos à disposição. Este ano fui a diversos programas gratuitos. Fui em quatro dias do festival de cinema “É Tudo Verdade.” Fui a uma peça gratuita do Jô Bilac no Barteliê. Vou sempre que posso às segundas-feiras ver os filmes da Maison de France. Fui na reinauguração do Cine Joia, há duas semanas, e vi o incrível Juan e a Bailarina. Vi a peça Um inimigo do povo, do Ibsen, no projeto do Tribunal de Justiça. Vi a Cia. de Dança Lia Rodrigues na Casa França-Brasil. Vi o show da Elba Ramalho no SESI Graça Aranha. Vi exposições de fotografia jornalística no CCBB e na Caixa Cultural. Só este ano. Ou seja: mesmo quem não estiver com bala na agulha pode se divertir, e muito, na cidade. E talvez por causa deste facílimo acesso que temos ao que há de melhor em música, teatro, dança e artes plásticas nós acabemos não percebendo a importância de darmos uma contrapartida para as grandes e pequenas iniciativas culturais. 

Se queremos ter cultura gratuita pelo simples fato de que não achamos que aquilo valha a nossa grana... Será que nós realmente gostamos de cultura?

Então fica aqui mais uma pergunta, entre tantas já feitas neste texto: será que nós, músicos, gostamos desta situação em que vivemos? Recebendo mal, suando para conseguir ganhar um mínimo que cubra as despesas para ir e voltar ao local do show? Claro que não. Mas este tipo de atitude que citei me faz acreditar que nos falta coerência. Só queremos receber, nunca pagar por nada? Não acredito que se possa chegar a lugar algum, muito menos prosperar, pensando e agindo desta forma, principalmente com nossas colegas - prova de uma desunião entre aqueles que vivem da música.



Sigo daqui fazendo minha parte, sempre que posso. Sem vergonha de desfrutar de um convite de um amigo que coloca meu nome na lista. Sem vergonha em convidar vários amigos, colocando o nome deles na lista, quando faço um show de inéditas em um local com pouco público - preciso deles, e o que quero mesmo é que eles estejam lá, pagando ou não, até mesmo para que façam o sempre bem vindo boca a boca depois. Mas também sem a menor má vontade para pagar por um bom show, seja este de um amigo ou não, se eu tiver condições para isso. Quero muita, muita cultura, e sempre. Seja pelo prazer disso, como público, seja porque quero encontrar para mim (e para meus colegas) um mercado favorável, como artista.  

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Jogando nas onze

Sempre admirei muito quem vive exclusivamente da música, dentre meus colegas. De fato, deve ser um grande desafio e um privilégio, ao mesmo tempo. Trabalhar exclusivamente com aquilo que se ama, aquilo que se faz de melhor. E é claro que esta dedicação exclusiva, consequentemente, sempre traz mais trabalhos e proporciona que o músico seja cada vez mais requisitado e conhecido no meio. Além de ficar cada vez melhor em sua função (“quem toca mais, toca mais”, certa vez ouvi de um percussionista-poeta!).
Sempre quis poder fazer isso. Quando cantava na noite, pensava: “Seria bom ter tempo para pensar com toda a calma no repertório. Seria bom acrescentar novas canções a cada semana e ter mais tempo para ensaiar com o violonista...”. Infelizmente meu repertório ficava muito tempo “estacionado” com as mesmas músicas, e eu não conseguia pensar com toda a calma no figurino e em outros detalhes. Não conseguia organizar bem meu tempo para dar igual atenção aos meus dois trabalhos. Por isso, pensava o quanto seria bom só cantar, mais nada!
Mas, neste ano de tantas mudanças que tem sido 2013, minha opinião sobre isso mudou um pouco.
Trabalho como tradutora, revisora e copidesque. Felizmente é um trabalho que faço em casa, o que colabora muito com o meu trabalho de cantora. Posso montar meus horários, tenho bastante flexibilidade. E é algo que tenho muito prazer em fazer, pois lidar com letras e livros é sonho antigo - desde os 10 anos de idade, quando li Lygia Bojunga pela primeira vez, fiquei apaixonada por literatura e quis me tornar escritora.
Mas se há um ano eu, apesar de gostar, lamentava ter que fazer traduções pela manhã depois de uma cansativa noite de show, hoje não o faço mais. Acho bom e – quem diria – também um privilégio ter este outro trabalho. Graças a ele, não coloco um peso enorme, uma responsabilidade gigante sobre a música. Graças a ele, posso negar qualquer show que, em minha avaliação, seja apenas perda de tempo. Graças a ele (e esta é a melhor parte) posso ter uma atitude mais política artisticamente e não consentir com coisas que considero incorretas. Posso dizer “não” àquela casa que trata os músicos na base dos 50 reais, por exemplo.
Outro dia, no início do ano, estava falando com um instrumentista exatamente sobre esta questão de tocar ou não em lugares que não valorizam o músico, e comentei que há minutos atrás eu havia recusado, por telefone, o convite para tocar em uma casa da Lapa (a casa é conhecidamente desonesta: fatura muito, muito dinheiro e paga um valor irrisório aos músicos, comparativamente. É uma das poucas casas que teria a oportunidade de tratar os músicos com dignidade e não o faz. Estamos falando de uma casa rica, não de um barzinho humilde!). Meu colega disse: “Eu não recuso porque não estou podendo”... E é verdade. Certamente ele não pode fazer isso, pois vive exclusivamente de sua função de instrumentista. Mas fico feliz em perceber que, por não viver só de música, posso optar. Posso encaminhar da forma que quero minha carreira. E a parte mais preciosa é essa: posso boicotar aquilo que considero errado; posso não participar de nada que eu considere injusto. Posso não ser cúmplice de quem faz com que os músicos, cada vez mais, se tornem profissionais desiludidos com a carreira que tanto amam.
(Às vezes penso: “será que estou ficando radical demais?”. Acho que sim. Mas será que isso é ruim?)
É claro que certas vezes fico com pena de não estar fazendo uma produção do meu trabalho, pois preciso terminar as laudas de uma tradução. É claro que preferiria estar praticando mais meus instrumentos, movimentando mais minha carreira de cantora. Mas é o outro lado da moeda. A diferença é que agora não reclamo de ter que “jogar nas onze”. Pelo contrário, fico feliz de ter um trabalho que sustenta minha carreira. Que, além de tudo o que já citei, possibilitou também que em diversas ocasiões eu garantisse um fixo para os músicos que tocaram comigo em casas que lucram muito pouco, sem deixá-los na incerteza da porcentagem do couvert
Lembro que há dois anos um músico disse para mim e meu produtor que nós dois “tínhamos outros trabalhos”; com isso, o indivíduo argumentava que ele, ao contrário de nós, era profissional e levava aquilo muito a sério. Acho que, de fato, na época eu não me levava mesmo muito a sério: não me organizava como hoje, não impunha minhas vontades, não era ativa na minha função de cantora (isso também é assunto para outro post, sem dúvidas!). Mas hoje, dois anos depois, vejo que EXATAMENTE porque levo meu trabalho como cantora muito a sério é que não sou só musicista. Porque preciso de outra renda que me possibilite pagar uma preparação vocal, por exemplo. E se este indivíduo, ou qualquer outra pessoa, achar um demérito o fato de eu ter outro trabalho (porque isso evidenciaria que não sou “cantora profissional”), bem, talvez não seja através deste texto que irei convencer alguém de que sim, sou cantora profissional. E, talvez, não seja importante convencer ninguém de nada; apenas fazer meu trabalho com todo o cuidado, como venho fazendo nos últimos tempos.
Meu sonho maior é cantar, “musicar” 24 horas por dia. Mas tudo tem o seu tempo, e ainda não é a hora de (e nem seria possível) largar tudo e viver só da minha voz. Pelo contrário: agora é hora de trabalhar bastante para poder investir no que amo e colher os frutos com o passar do tempo.
Continuemos, então, jogando nas onze!