terça-feira, 20 de agosto de 2013

Sem a pulga atrás da orelha

Há uma semana tomei uma decisão que pode não parecer nada de mais, nada de excepcional. Mas esta decisão me ajudou a resolver um monte de coisas. Coisas que viviam me dividindo, coisas que me levavam a questionamentos e mais questionamentos. Eu me perguntava: devo me dedicar mais à música? Devo deixar de lado as outras atividades que faço e que, embora goste muito, não são tão importantes para mim quanto a música é?
Explico: desde 2007 comecei a me envolver com o teatro. Fiquei totalmente apaixonada, o que ocorre com a maioria das pessoas que entram para este universo. Naquele ano, na verdade, quis ficar só com o teatro. Estava bem pouco empolgada com a música - minha banda estava quase acabando (eu nem sonhava em ser cantora solo) e eu fazia parte de um grupo vocal, mas já sem muito entusiasmo. Com o passar do tempo, parei de cantar neste grupo também. Acho que estava tão envolvida com o teatro e, ao mesmo tempo, tão cansada dos estresses que existem no meio da música - e em qualquer meio! - e que eu enfrentava desde 2000, quando comecei a cantar em banda, que não estava nem mais pensando em voltar a cantar, e tudo bem por mim. É claro que pouquíssimo tempo depois voltei a cantar (na verdade não por uma vontade minha, mas do Marcelo, meu produtor) e fiquei fazendo as duas coisas, cantando e atuando. Em 2010, já cantando na noite há dois anos, fiz prova para a Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Pena - a mais antiga escola de artes cênicas da América Latina em atividade! - e passei, em julho. Fiquei muito, muito feliz. Foi de fato a realização de um sonho. Fiquei um ano e oito meses no curso, que tem a duração de dois anos e meio. Envolvida, entregue, louca por aquele universo, por aquelas ideias, pela delícia que é estudar, pensar e fazer teatro.
Em abril de 2012 tive que tomar uma decisão não muito fácil: vi que não conseguiria me dedicar à produção do meu CD e tive que trancar minha matrícula. A carga horária da escola (de segunda a sexta, quase 5 horas de aula por dia, além das aulas aos sábados) estava comprometendo o processo do meu disco. A dedicação que o curso, que os professores e alunos exigem e têm não é brincadeira. Tudo é levado muito, muito a sério, e quem não se dedica às aulas acaba prejudicando os colegas. Teatro é grupo, é coletivo por essência.
Tive certeza de que minha decisão foi acertada: fiquei livre o ano todo de 2012 para pensar em meu disco, pensar na produção deste ao lado do Daniel (o produtor musical), começar a gravá-lo, trabalhar bastante para pagar despesas extras (sempre aparecem), fazer o crowdfunding, organizar ensaios etc. Foi muito positivo.
Mas, embora eu tenha achado aquilo bastante corajoso de minha parte à época (faltavam menos de 4 meses para começarmos o processo da montagem final, onde a turma apresenta uma peça como trabalho de conclusão de curso, ou seja, seria a melhor parte, a celebração final!), aquela na verdade não havia sido uma decisão radical. Eu apenas estava trancando o curso. Poderia voltar em até um ano. E foi o que fiz. E neste um ano que se passou, fiquei refletindo bastante sobre o que a Martins Pena significava para mim, sobre o que o teatro significava para mim. Pensei e repensei isso mais do que já havia feito tantas vezes, desde que comecei a atuar e cantar. Como lidar com duas artes que pedem tanto tempo, tanta atenção? As duas são incríveis, emocionantes, lindas. As duas são arrebatadoras, trazem à tona tantas coisas escondidas... Fazem com que você se conheça a fundo.
Segunda-feira passada fui, com o coração cheio de dúvidas, ter minha primeira aula de reingresso na Martins. Assisti às duas primeiras aulas. Professoras incríveis, turma receptiva, alegre e carinhosa. Saí de lá direto para um ensaio (já no primeiro dia de aula eu precisei sair mais cedo para dar atenção à música, que coisa...); fui andando do Centro até Laranjeiras, pensando sem parar. Ensaiei sem tirar a questão "fico ou não fico" do pensamento. Saindo do ensaio, fui andando até a Glória, ainda com a cabeça fervilhando, mas um pouco menos. Uma decisão parecia estar começando a surgir. Acho que as caminhadas estavam ajudando (como sempre!) e acho que o ensaio também havia ajudado muito, pois pude ter contato com as duas artes no mesmo dia, comparar o que cada uma significava para mim. Somando isso a todas as conversas que já havia tido com a mãe, com o namorado, com o produtor, com a irmã, com os amigos, acho que fui finalmente aceitando e escutando o que o meu coração estava me dizendo. Eu era (sou!) da música, e precisava mostrar isso para valer, não para ninguém, mas para mim. E talvez também precisasse dar uma prova real de amor à arte que mexe comigo desde que me entendo por gente. Uma prova verdadeira, algo que não fosse reversível, como fora o trancamento. Um pouco mais radical do que isso.
Decidi abandonar a Martins Pena. Não voltei no dia seguinte. E o mais engraçado foi perceber que uma dúvida que existia em mim há alguns anos, de um dia para o outro (depois de muito queimar a mufa, é verdade), simplesmente desaparecera. De repente, uma certeza. Como um presente, uma recompensa depois de dedicar tanto tempo àquilo. Já na Glória eu percebi que estava certa. Dei a notícia a meu namorado, que me esperava - e cujos ouvidos já estavam acostumados com aquele tópico -, e ficamos os dois verdadeiramente felizes com o fim daquela dúvida. Eu não regressaria àquela escola tão querida, mas que já não tinha mais espaço em minha vida. Não a ponto de passar 5 horas diárias lá, longe do meu cavaquinho, longe dos meus livros, dos meus modestos escritos, da produção do meu CD, do meu trabalho que me dá dinheiro para sobreviver e investir em mim. Não. A prioridade é a música. Já a neguei por tantos, tantos anos, mesmo que ninguém tenha desconfiado disso. Mas a verdade é que o teatro, além de ter me seduzido, também me ajudou a negar um pouco a cantora, servindo como um pretexto, uma desculpa para que eu não me dedicasse totalmente àquilo que mais amava e amo. Já dizia Millôr: "Você abdica daquilo a que ninguém lhe tira o mérito". Sempre tive medo de assumir aquilo que eu fazia de melhor: cantar. Ridículo, mas compreensível. Realmente é assustador se doar àquilo que é seu dom (falar de dom pode também ser ridículo/piegas, mas não vou fingir que estou falando de outra coisa), pois você pode - e provavelmente vai - se machucar, como em qualquer entrega. Mas ao mesmo tempo será mais feliz.
Fiquei impressionada e, como mencionei, senti que ganhei um presente: uma certeza. Uma resolução. Tão bom resolver questões! E melhor ainda resolver com a sensação de paz, de decisão acertada.
Não posso omitir o fato de que no segundo semestre de 2011 eu também passei para a graduação em Teoria do Teatro da Uni Rio - porém só cursei o primeiro período, depois tranquei. Mas se houver um mínimo de coerência em mim, acho que só voltarei na Uni Rio para ver as peças dos alunos, frequentar as ótimas festas de lá e curtir mais encontros Hare Krishna, como o que fui há duas semanas. (Engraçado lembrar que foi na Uni Rio que a incrível Tânia Alice colocou uma pulga atrás da minha orelha que só agora tirei, ao dizer: "É preciso avaliar se estamos aqui apenas por uma questão de ego. Minimamente gastamos umas 5 horas de nosso dia para estar aqui. Indo, assistindo às aulas, voltando. E um dia a vida acaba, e vamos ver que levamos nossas vidas baseados apenas nisso, em satisfazer o ego." Certamente a pulga ficou porque aquilo se aplicava, de cabo a rabo, ao meu caso.)
Para finalizar, lembro que em 2008, em uma reunião na casa da diretora Beth Araújo, com quem eu trabalhava, ouvi dela que em algum momento eu precisaria decidir se era cantora ou atriz. Em algum ponto eu teria que optar, disse. Cinco anos depois, eis que surge minha resposta.