Há
uma semana tomei uma decisão que pode não parecer nada de mais,
nada de excepcional. Mas esta decisão me ajudou a resolver um monte
de coisas. Coisas que viviam me dividindo, coisas que me levavam a
questionamentos e mais questionamentos. Eu me perguntava: devo me
dedicar mais à música? Devo deixar de lado as outras atividades que
faço e que, embora goste muito, não são tão importantes para mim
quanto a música é?
Explico:
desde 2007 comecei a me envolver com o teatro. Fiquei totalmente
apaixonada, o que ocorre com a maioria das pessoas que entram para
este universo. Naquele ano, na verdade, quis ficar só com o teatro.
Estava bem pouco empolgada com a música - minha banda estava quase
acabando (eu nem sonhava em ser cantora solo) e eu fazia parte de um
grupo vocal, mas já sem muito entusiasmo. Com o passar do tempo,
parei de cantar neste grupo também. Acho que estava tão envolvida
com o teatro e, ao mesmo tempo, tão cansada dos estresses que
existem no meio da música - e em qualquer meio! - e que eu
enfrentava desde 2000, quando comecei a cantar em banda, que não
estava nem mais pensando em voltar a cantar, e tudo bem por mim. É
claro que pouquíssimo tempo depois voltei a cantar (na verdade não
por uma vontade minha, mas do Marcelo, meu produtor) e fiquei fazendo
as duas coisas, cantando e atuando. Em 2010, já cantando na noite há
dois anos, fiz prova para a Escola Técnica Estadual de Teatro
Martins Pena - a mais antiga escola de artes cênicas da América
Latina em atividade! - e passei, em julho. Fiquei muito, muito feliz.
Foi de fato a realização de um sonho. Fiquei um ano e oito meses no
curso, que tem a duração de dois anos e meio. Envolvida, entregue,
louca por aquele universo, por aquelas ideias, pela delícia que é
estudar, pensar e fazer teatro.
Em
abril de 2012 tive que tomar uma decisão não muito fácil: vi que
não conseguiria me dedicar à produção do meu CD e tive que
trancar minha matrícula. A carga horária da escola (de segunda a
sexta, quase 5 horas de aula por dia, além das aulas aos sábados)
estava comprometendo o processo do meu disco. A dedicação que o
curso, que os professores e alunos exigem e têm não é brincadeira.
Tudo é levado muito, muito a sério, e quem não se dedica às aulas
acaba prejudicando os colegas. Teatro é grupo, é coletivo por
essência.
Tive
certeza de que minha decisão foi acertada: fiquei livre o ano todo
de 2012 para pensar em meu disco, pensar na produção deste ao lado
do Daniel (o produtor musical), começar a gravá-lo, trabalhar
bastante para pagar despesas extras (sempre aparecem), fazer o
crowdfunding,
organizar ensaios etc. Foi muito positivo.
Mas,
embora eu tenha achado aquilo bastante corajoso de minha parte à
época (faltavam menos de 4 meses para começarmos o processo da
montagem final, onde a turma apresenta uma peça como trabalho de
conclusão de curso, ou seja, seria a melhor parte, a celebração
final!), aquela na verdade não havia sido uma decisão radical. Eu
apenas estava trancando o curso. Poderia voltar em até um ano. E foi
o que fiz. E neste um ano que se passou, fiquei refletindo bastante
sobre o que a Martins Pena significava para mim, sobre o que o teatro
significava para mim. Pensei e repensei isso mais do que já havia
feito tantas vezes, desde que comecei a atuar e cantar. Como lidar
com duas artes que pedem tanto tempo, tanta atenção? As duas são
incríveis, emocionantes, lindas. As duas são arrebatadoras, trazem
à tona tantas coisas escondidas... Fazem com que você se conheça a
fundo.
Segunda-feira
passada fui, com o coração cheio de dúvidas, ter minha primeira
aula de reingresso na Martins. Assisti às duas primeiras aulas.
Professoras incríveis, turma receptiva, alegre e carinhosa. Saí de
lá direto para um ensaio (já no primeiro dia de aula eu precisei
sair mais cedo para dar atenção à música, que coisa...); fui
andando do Centro até Laranjeiras, pensando sem parar. Ensaiei sem
tirar a questão "fico ou não fico" do pensamento. Saindo
do ensaio, fui andando até a Glória, ainda com a cabeça
fervilhando, mas um pouco menos. Uma decisão parecia estar começando
a surgir. Acho que as caminhadas estavam ajudando (como sempre!) e
acho que o ensaio também havia ajudado muito, pois pude ter contato
com as duas artes no mesmo dia, comparar o que cada uma significava
para mim. Somando isso a todas as conversas que já havia tido com a
mãe, com o namorado, com o produtor, com a irmã, com os amigos,
acho que fui finalmente aceitando e escutando o que o meu coração
estava me dizendo. Eu era (sou!) da música, e precisava mostrar isso
para valer, não para ninguém, mas para mim. E talvez também
precisasse dar uma prova real de amor à arte que mexe comigo desde
que me entendo por gente. Uma prova verdadeira, algo que não fosse
reversível, como fora o trancamento. Um pouco mais radical do que
isso.
Decidi
abandonar a Martins Pena. Não voltei no dia seguinte. E o mais
engraçado foi perceber que uma dúvida que existia em mim há alguns
anos, de um dia para o outro (depois de muito queimar a mufa, é
verdade), simplesmente desaparecera. De repente, uma certeza. Como um
presente, uma recompensa depois de dedicar tanto tempo àquilo. Já
na Glória eu percebi que estava certa. Dei a notícia a meu
namorado, que me esperava - e cujos ouvidos já estavam acostumados
com aquele tópico -, e ficamos os dois verdadeiramente felizes com o
fim daquela dúvida. Eu não regressaria àquela escola tão querida,
mas que já não tinha
mais espaço em minha vida. Não a ponto de passar 5 horas diárias
lá, longe do meu cavaquinho, longe dos meus livros, dos meus
modestos escritos, da produção do meu CD, do meu trabalho que me dá
dinheiro para sobreviver e investir em mim. Não. A prioridade é a
música. Já a neguei por tantos, tantos anos, mesmo que ninguém tenha desconfiado disso. Mas a verdade é que o teatro, além de ter me
seduzido, também me ajudou a negar um pouco a cantora, servindo como
um pretexto, uma desculpa para que eu não me dedicasse totalmente
àquilo que mais amava e amo. Já dizia Millôr: "Você abdica
daquilo a que ninguém lhe tira o mérito". Sempre tive medo de
assumir aquilo que eu fazia de melhor: cantar. Ridículo, mas
compreensível. Realmente é assustador se doar àquilo que é seu
dom (falar de dom pode também ser ridículo/piegas, mas não vou
fingir que estou falando de outra coisa), pois você pode - e
provavelmente vai - se machucar, como em qualquer entrega. Mas ao
mesmo tempo será mais feliz.
Fiquei
impressionada e, como mencionei, senti que ganhei um presente: uma
certeza. Uma resolução. Tão bom resolver questões! E melhor ainda
resolver com a sensação de paz, de decisão acertada.
Não
posso omitir o fato de que no segundo semestre de 2011 eu também
passei para a graduação em Teoria do Teatro da Uni Rio - porém só
cursei o primeiro período, depois tranquei. Mas se houver um mínimo
de coerência em mim, acho que só voltarei na Uni Rio para ver as
peças dos alunos, frequentar as ótimas festas de lá e curtir mais
encontros Hare Krishna, como o que fui há duas semanas. (Engraçado
lembrar que foi na Uni Rio que a incrível Tânia Alice colocou uma
pulga atrás da minha orelha que só agora tirei, ao dizer: "É
preciso avaliar se estamos aqui apenas por uma questão de ego.
Minimamente gastamos umas 5 horas de nosso dia para estar aqui. Indo,
assistindo às aulas, voltando. E um dia a vida acaba, e vamos ver
que levamos nossas vidas baseados apenas nisso, em satisfazer o ego."
Certamente a pulga ficou porque aquilo se aplicava, de cabo a rabo,
ao meu caso.)
Para finalizar, lembro que em
2008, em uma reunião na casa da diretora Beth Araújo, com quem eu
trabalhava, ouvi dela que em algum momento eu precisaria decidir se
era cantora ou atriz. Em algum ponto eu teria que optar, disse. Cinco anos
depois, eis que surge minha resposta.