segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Frescura

Quando comecei a cantar em um grupo vocal, em 2006, surgiu para mim uma questão que até então nunca havia passado por minha cabeça: a saúde vocal. No Dá no Coro (onde fiquei até 2008) conheci Gláucia Henriques, incrível preparadora vocal que me ajudou muito e a todos os cantores daquele grupo. Passamos a conhecer mais nossas próprias vozes. Foi ótimo, e muitos de seus comentários ficaram marcados na memória ("usar o leão que temos em nossos diafragmas!"). Além da presença da Gláucia – sendo bem honesta –, havia o simples fato de aquecermos nossas vozes antes de todos os ensaios (ou quase todos). Isso já era uma grande coisa, uma grande novidade para mim. Em minha banda de rock nunca havia feito isso. Nunca havia pensado em me cuidar deste jeito. Minha voz vivia rouca. Um amigo meu da faculdade sempre dizia, ao me ver de manhã, em dias pós-show: “E essa voz de travesti, hein?”. Eu achava engraçado, mas me preocupava, pois era uma constante: show = voz grave / rouca no dia seguinte.
A partir daí, as coisas foram mudando neste aspecto. Comecei a fazer sessões de fonoaudiologia. Comecei a achar importante cuidar do meu instrumento. Óbvio, não? Pois é, fiquei feliz em descobrir o óbvio. Tive aulas de canto com duas professoras (Laura Lagub e Bethi Albano), cada uma focando em um aspecto, cada uma com uma abordagem, e ambas me fazendo crescer muito como intérprete. Me tornei bastante cuidadosa com minha voz. Comecei a usá-la de forma diferente. Não deixo de dar minhas gargalhadas, é verdade, mas não irrito minhas cordas vocais ao fazê-lo. Falo mais baixo. Tenho cuidado quando falo ao telefone (tendemos a querer “compensar” a falta de gestos usando mais força na voz, me ensinou Bethi), e milhares de detalhezinhos. Nunca mais fiquei rouca por mau uso da voz (ultimamente por duas vezes fiquei rouca por gritar com assaltantes – coisas do meu Rio de Janeiro –, mas por estar forçando a voz durante o show, nunca mais).
Antes de começar a me cuidar tinha muito preconceito com aulas de canto. Pensava que necessariamente adquiriria alguns vícios. Mal sabia eu que um bom professor iria, ao contrário, apontar meus vícios e me ensinar a viver sem eles. Antes achava bacana quando me diziam que tal cantora famosíssima não aquecia a voz, só mandava ver numa bala Hall’s preta antes do show e tudo certo. Já não acho mais bacana. Respeito quem faz isso, mas não funciono assim. Soube entender o que era melhor para mim. Amadureci e fiquei mais humilde para aprender, para me doar, para investir meu tempo em melhorias. Cresci. Percebi que preciso da técnica. Hoje em dia adoro ter aulas, apesar de infelizmente não poder tê-las ininterruptamente (voz é manutenção! Gosto de pensar em aulas de canto como algo que não tem conclusão. A pesquisa é para sempre). 
O título deste post é uma forma de chamar a atenção para este tipo de pensamento (que eu tinha e muitas pessoas ainda têm). Não é besteira se cuidar, jamais. E não é frescura aquecer a voz antes do show. Fico com vergonha, sim, de fazer aqueles vocalizes doidos na frente de qualquer pessoa, mas fazer o quê? Não é maluquice, embora pareça. Lembro que há alguns anos fui a um show de uma grande cantora na Fundição Progresso e ela, apesar de incrível, infelizmente mostrou uma voz bastante prejudicada pelo mau uso. Nas notas graves, sua voz sempre falhava. Não quero que isso aconteça comigo, e quero garantir a longevidade de minha voz. Quero me cuidar muito, e sempre. Se isso é ser vista como diva, fresca ou exagerada, paciência.
Digo isso porque ao me tornar mais cautelosa percebi que várias de minhas medidas pareciam ridículas aos olhos de outras pessoas. Algumas diziam: “Aposto que a Elis nunca fez nada disso. Duvido.” Bom, a fama dela era de ser o João Gilberto de saias, de tão perfeccionista. Isso me faz crer que ela devia ser cuidadosa com as cordas vocais, também. Mas, se não era, não é por isso que vou seguir o exemplo. Não sou a Elis, e isso é óbvio. Ela era incrível com o método dela, com as manias dela, fazendo as coisas da forma dela, com os cuidados dela (ou com nenhum cuidado – duvido muito!). Não importa. Pois agora posso dizer que me conheço. Sei que preciso ser cuidadosa. Sei que preciso economizar a voz em vários momentos. Sei que preciso evitar locais muito barulhentos, e, quando for inevitável, falar bem pouquinho. Meu corpo funciona assim. Minha máquina pede isso. Não posso dar mole com ar-condicionado, de jeito nenhum. Sempre me ferro. Nem ventilador a noite toda. Não dá certo, já sei disso. Preciso usar cachecol em dias frios. Preciso dormir bem, pois isso deixa a voz novinha em folha. Nada disso é frescura. É fato. E só eu sei o que preciso e o que não posso fazer. Óbvio, de novo.
Na realidade notei que em vários momentos quando se fala em tratar da saúde, de forma geral (bem-estar, qualidade de vida, alimentação saudável), parece que há um tabu aí, em alguns círculos – e certamente o dos músicos é um deles. Yoga, vegetarianismo, meditação, vida abstêmia, tudo isso às vezes é visto como “caretice”, ou motivo de riso. Deve ser culpa da tradição boêmia que vem com a música popular brasileira. Conheço cantores e instrumentistas atletas, extremamente saudáveis, cicloativistas etc. Mas há uma quantidade muito maior de pessoas que não são assim, e infelizmente acham que o estilo de vida delas é o “certo” (caso não achassem, não ririam dos colegas). Não entendo o porquê deste tabu. Por que os hábitos saudáveis de uns incomodariam outros? 
                  Bom, cada um na sua. De preferência, todos se respeitando, sem achincalhamentos recíprocos. Sonhar não custa nada.

Um comentário:

  1. Amei o post, concordo totalmente com vc, a saúde vocal é importantíssima, e acredito que essa tradição boêmia, seja talvez porque os músicos, cantores, artistas em geral nas décadas passadas eram vistos como 'marginais' no sentido literal da palavra, viviam à margem da vida, já que geralmente o horário de trabalho dessa galera começava depois das 19h, justamente na hora em que terminava o horário de trabalho das pessoas ditas 'normais e de bem'. Mas, como tudo na vida, os tempos evoluíram e com ele aprendemos que homens choram, mulher não é sexo frágil, tomar leite depois de chupar manga não faz mal etc., este tabu também, um dia, cairá por terra.

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