Quando comecei a cantar em um
grupo vocal, em 2006, surgiu para mim uma questão que até então nunca havia
passado por minha cabeça: a saúde vocal. No Dá no Coro (onde fiquei até 2008)
conheci Gláucia Henriques, incrível preparadora vocal que me ajudou muito e a todos os cantores daquele grupo. Passamos a conhecer mais nossas próprias vozes. Foi
ótimo, e muitos de seus comentários ficaram marcados na memória ("usar o leão que temos em nossos diafragmas!"). Além da presença da Gláucia – sendo bem honesta –, havia o simples fato
de aquecermos nossas vozes antes de todos os ensaios (ou quase todos). Isso já
era uma grande coisa, uma grande novidade para mim. Em minha banda de rock
nunca havia feito isso. Nunca havia pensado em me cuidar deste jeito. Minha voz
vivia rouca. Um amigo meu da faculdade sempre dizia, ao me ver de manhã, em
dias pós-show: “E essa voz de travesti, hein?”. Eu achava engraçado, mas me
preocupava, pois era uma constante: show = voz grave / rouca no dia seguinte.
A partir daí, as coisas foram
mudando neste aspecto. Comecei a fazer sessões de fonoaudiologia. Comecei a
achar importante cuidar do meu instrumento. Óbvio, não? Pois é, fiquei feliz em
descobrir o óbvio. Tive aulas de canto com duas professoras (Laura Lagub e
Bethi Albano), cada uma focando em um aspecto, cada uma com uma abordagem, e ambas
me fazendo crescer muito como intérprete. Me tornei bastante cuidadosa com
minha voz. Comecei a usá-la de forma diferente. Não deixo de dar minhas
gargalhadas, é verdade, mas não irrito minhas cordas vocais ao fazê-lo. Falo
mais baixo. Tenho cuidado quando falo ao telefone (tendemos a querer
“compensar” a falta de gestos usando mais força na voz, me ensinou Bethi), e
milhares de detalhezinhos. Nunca mais fiquei rouca por mau uso da voz (ultimamente
por duas vezes fiquei rouca por gritar com assaltantes – coisas do meu Rio de
Janeiro –, mas por estar forçando a voz durante o show, nunca mais).
Antes de começar a me cuidar tinha
muito preconceito com aulas de canto. Pensava que necessariamente adquiriria
alguns vícios. Mal sabia eu que um bom professor iria, ao contrário, apontar
meus vícios e me ensinar a viver sem eles. Antes achava bacana quando me diziam
que tal cantora famosíssima não aquecia a voz, só mandava ver numa bala Hall’s
preta antes do show e tudo certo. Já não acho mais bacana. Respeito quem faz
isso, mas não funciono assim. Soube entender o que era melhor para mim. Amadureci e fiquei mais humilde para aprender, para me doar, para investir meu tempo em melhorias. Cresci. Percebi que preciso da técnica. Hoje em dia adoro ter aulas, apesar de infelizmente
não poder tê-las ininterruptamente (voz é manutenção! Gosto de pensar em aulas de canto como
algo que não tem conclusão. A pesquisa é para sempre).
O título deste post é uma forma de
chamar a atenção para este tipo de pensamento (que eu tinha e muitas pessoas
ainda têm). Não é besteira se cuidar, jamais. E não é frescura aquecer a voz
antes do show. Fico com vergonha, sim, de fazer aqueles vocalizes doidos na
frente de qualquer pessoa, mas fazer o quê? Não é maluquice, embora pareça.
Lembro que há alguns anos fui a um show de uma grande cantora na Fundição
Progresso e ela, apesar de incrível, infelizmente mostrou uma voz bastante
prejudicada pelo mau uso. Nas notas graves, sua voz sempre falhava. Não quero
que isso aconteça comigo, e quero garantir a longevidade de minha voz. Quero me
cuidar muito, e sempre. Se isso é ser vista como diva, fresca ou exagerada,
paciência.
Digo isso porque ao me tornar mais
cautelosa percebi que várias de minhas medidas pareciam ridículas aos olhos de
outras pessoas. Algumas diziam: “Aposto que a Elis nunca fez nada disso.
Duvido.” Bom, a fama dela era de ser o João Gilberto de saias, de tão
perfeccionista. Isso me faz crer que ela devia ser cuidadosa com as cordas
vocais, também. Mas, se não era, não é por isso que vou seguir o exemplo. Não
sou a Elis, e isso é óbvio. Ela era incrível com o método dela, com as manias
dela, fazendo as coisas da forma dela, com os cuidados dela (ou com nenhum
cuidado – duvido muito!). Não importa. Pois agora posso dizer que me conheço.
Sei que preciso ser cuidadosa. Sei que preciso economizar a voz em vários
momentos. Sei que preciso evitar locais muito barulhentos, e, quando for
inevitável, falar bem pouquinho. Meu corpo funciona assim. Minha máquina pede
isso. Não posso dar mole com ar-condicionado, de jeito nenhum. Sempre me ferro.
Nem ventilador a noite toda. Não dá certo, já sei disso. Preciso usar cachecol
em dias frios. Preciso dormir bem, pois isso deixa a voz novinha em folha. Nada
disso é frescura. É fato. E só eu sei o que preciso e o que não posso fazer.
Óbvio, de novo.
Na realidade notei que em vários
momentos quando se fala em tratar da saúde, de forma geral (bem-estar,
qualidade de vida, alimentação saudável), parece que há um tabu aí, em alguns
círculos – e certamente o dos músicos é um deles. Yoga, vegetarianismo,
meditação, vida abstêmia, tudo isso às vezes é visto como “caretice”, ou motivo
de riso. Deve ser culpa da tradição boêmia que vem com a música popular
brasileira. Conheço cantores e instrumentistas atletas, extremamente saudáveis,
cicloativistas etc. Mas há uma quantidade muito maior de pessoas que não são
assim, e infelizmente acham que o estilo de vida delas é o “certo” (caso não
achassem, não ririam dos colegas). Não entendo o porquê deste tabu. Por que os
hábitos saudáveis de uns incomodariam outros?
Bom, cada um na sua. De preferência, todos se respeitando, sem achincalhamentos recíprocos. Sonhar não custa nada.
Bom, cada um na sua. De preferência, todos se respeitando, sem achincalhamentos recíprocos. Sonhar não custa nada.
Amei o post, concordo totalmente com vc, a saúde vocal é importantíssima, e acredito que essa tradição boêmia, seja talvez porque os músicos, cantores, artistas em geral nas décadas passadas eram vistos como 'marginais' no sentido literal da palavra, viviam à margem da vida, já que geralmente o horário de trabalho dessa galera começava depois das 19h, justamente na hora em que terminava o horário de trabalho das pessoas ditas 'normais e de bem'. Mas, como tudo na vida, os tempos evoluíram e com ele aprendemos que homens choram, mulher não é sexo frágil, tomar leite depois de chupar manga não faz mal etc., este tabu também, um dia, cairá por terra.
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