quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Como será amanhã?

Como trilharei meu caminho?
Se eu quiser gravar um segundo CD, como farei? Será que vou colocar mais canções minhas do que dos outros? Ou vou seguir como intérprete?
Vou querer fazer algo novo (e difícil) ou vou optar pelo mais fácil e garantido, que é delicioso e indolor?
Vou gravar uma (ou duas) do Sandro Dornelles? 
Será que vou gravar de novo uma canção do Caetano? Vou fazer disso uma tradição, afinal – uma canção do Caetano por disco?
Vou ousar mais? Vou manter a mesma onda musical? Vou deixar a influência do rock ficar mais presente? Vou manter a brasilidade? Vou deixar estas duas facetas caminharem juntas?
Vou gravar com uma banda totalmente diferente? Ou para gravar vou manter a mesma banda, que deu certo?
E nos shows? Vou experimentar outro tipo de sonoridade, com outra formação de instrumentos?
Vou gravar mesmo um CD, afinal? Ou o novo projeto será baseado em shows, apenas?
Caso decida gravar um segundo disco, será que vou logo iniciar esta produção? Ou trabalharei mais o CD que já tenho? 
Será que vou produzir novamente no mesmo estúdio, com o mesmo produtor que me entendeu totalmente? Ou vou procurar outro tipo de produção, correndo o risco de não dar muito certo?
Na hora de gravar vou tentar fazer da forma mais barata possível, propondo permutas, ou vou manter a formalidade para não ter problemas de cobranças futuras? Vou fazer o financiamento coletivo mais uma vez, mesmo tendo atrasado em dois anos a entrega da recompensa (o CD)? Ou vou dispensar isso, para não me sentir em débito com ninguém, nem me pressionar internamente?
Vou conseguir levar meu trabalho de forma mais autossustentável? Ou vou continuar gastando bastante? Vou conseguir achar saídas? Vou conseguir pensar em soluções mais econômicas? Vou conseguir ser corajosa neste sentido, ou vou levar como está, carregando um grande peso, apenas para não sair da posição em que já estou (acomodada)?
Vou me sentir mais à vontade comigo, com os outros? Vou trocar mais com os outros cantores? Vou procurar saber como eles levam suas profissões, para me entender melhor? Vou cantar mais vezes com eles?
Vou trocar mais com outros compositores, propor parcerias? Vou sair mais do casulo? Vou ter a cara de pau que almejo ter?
Vou colocar a cara no mundo?
Vou entender finalmente como é que se faz isso? Cantar e levar a vida, sem peso? Sem tragédia? Com responsabilidade, esforço, dedicação e organização, mas com prazer sempre? 

Não por ser o último dia do ano. Mas porque me questionar é me permitir ser humana e não saber, simplesmente.

sábado, 27 de dezembro de 2014

Implacável

Concluí por estes dias, depois de ler alguns comentários ferozes nas redes sociais, que não quero mais ser implacável. Porque a cada dia que passa vejo que há menos razões para sermos tão rígidos uns com os outros.
Estou falando, especificamente, do mundo da música, que é o universo pelo qual circulo.
Vejo pessoas fazendo comentários (na web e ao vivo também) bastante duros em relação a outros profissionais. “Banda do Mar é uma b...”, “A Simone é chata pra c...” etc. Ao escrever este texto, vi o post de alguém dando uma zoada nos Golden Boys, a troco de nada. Fico mais chocada ainda quando se trata de alguém que é músico proferindo uma destas frases. Será que quem solta estas pérolas não pensa que é bem provável que seja tratado com o mesmo “carinho” algum dia? Porque se esta pessoa conseguir alguma projeção, isso acontecerá, inevitavelmente. Quem está em destaque vira alvo fácil para ataques.
Talvez desde sempre tenha sido assim, mas a internet está auxiliando a divulgar este tipo de animosidade, fazendo com que se espalhe cada vez mais intolerância.
Pode parecer algo bobo, mas esta vontade de falar mal, de “malhar”, de dar uma sacaneada acaba desunindo a todos, e, vamos pensar: precisamos disso? Precisamos, sim, de críticas, porque estas nos ajudarão muito a crescer. Mas não precisamos de maledicência, implicância, falta de paciência. Tudo isso aí, infelizmente, já tem de sobra em nosso dia a dia. 
Pensemos: é tão difícil assim não falar daquele artista que você acha uma mala sem alça? É tão difícil assim não sair digitando impropérios quando bater uma raiva daquele músico que você acha bem ruim? É tão difícil assim dar uma força pro artista que você GOSTA, e não para aquele que você desgosta? Sim, porque falar sobre alguém é divulgar, é propagar.
Adoraria não ser linchada se algum dia me desse na telha cantar aquela música beeem brega. Adoraria fazer maluquices musicais e nem por isso virar um boneco de Judas. Adoraria meter os pés pelas mãos, na ansiedade, e ver que ninguém morreu de raiva pela mudança. Adoraria que respeitassem minhas opções, vontades, ou erros.
Criticar sem hostilidade é bom para todo mundo. Todo saem felizes. 
                Termino o texto colocando um exemplo de como já tive - e devo continuar tendo, sem perceber, infelizmente - atitudes implacáveis e nada construtivas. Neste print de uma postagem de 15 de janeiro de 2012, meto o malho nas cantoras internacionais. Eita!  
Há uma frase bem piegas, mas que na minha opinião faz bastante sentido: “promova o que te encanta ao invés de atacar o que te desagrada.”
(E, a bem da verdade, gosto muito de ser piegas.)



                                                                  Mea culpa: um momento implacável

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Então é Natal... e o que eu fiz?



              Neste final de ano reparei que foram acontecendo várias coisas boas, em fileira. Será que foi resultado das sementes que fui plantando durante o ano? Só sei que resolvi, então, enumerar todas as coisas boas de 2014 (e não só as do final do ano), como forma de demonstrar minha gratidão e reconhecer que esta luta, quando persistente, sempre tem resultados animadores. Eu, que achava que 2013 havia sido um ano incomparável, pude perceber que 2014, no quesito trabalho, foi beeeeem mais produtivo.

JANEIRO:

- Apresentação voz e violão na Ler Devagar, em Lisboa.

MARÇO:

- Gravei o vídeo de “Malabares com farinha” (do Sandro Dornelles e Paulo Monarco) com Adaury Jr no acordeon, aqui na sala de casa.  

MAIO:

- Participei do show de Jurandy da Feira com a canção “Canto a natureza”. Foi o lançamento do CD Outras cantorias, no Centro Cultural Justiça Federal.
- Gravei “Cabotino coco”, de Mauro Aguiar e Chico Saraiva, com a ilustre presença de Marcel Powell no violão. Fiz um vídeo com os bastidores das gravações.
- Cantei no ato político-artístico Ocupa Lapa, coisa que queria fazer já um tempinho. Me apresentei em um formato novo (teclado, baixo e bateria) ao lado de um trio da pesada: Adaury Jr., Rodrigo Ferrera e Vitor Vieira.

JUNHO:

- Fui contemplada pelo edital da Secretaria Municipal de Cultura (Convocatória de Ações Culturais), o que me rendeu uma data no Centro Municipal de Referência da Música Carioca. Iêba!!!

JULHO:

- Este mês foi marcante: lancei meu CD no Sergio Porto! Um show lindo, cheio, com convidados especiais: Mauro Aguiar, Adriano Siri e Dudu Godoi! E puxei o Sandro Dornelles para o palco no bis. Um dos dias mais felizes da minha vida.
- No dia do lançamento Ricardo Schott escreveu uma matéria sobre o show no jornal O Dia.
- Participei do programa Encontros, de Ricardo Brito, na rádio Roquette-Pinto.
- Resenha do CD na revista Música Brasileira.

AGOSTO:

- Fiz quatro shows no Semente, às quartas-feiras, com um formação reduzida: violão, baixo e bateria. Convidei Jurandy da Feira, Dudu Godoi e Pedro Logän.
- Participei do programa Armazém Cultural, na rádio MEC, apresentado por Tiago Alves, simpatia pura.

SETEMBRO:

- Resenha do CD na revista JG News.
- Pedro Logän escreveu em sua página de artista, sobre o meu CD: “voz doce, suave, educada, com entradas certeiras, sem titubeios, buscando cada viés da melodia, com presença e interpretação que, eu, pelo menos, tenho visto pouco nas cantoras que despontaram na última década, que ou passam do ponto com exageros ou se omitem em interpretações insossas.
- Fechei uma parceria com a Nikita, que fez a distribuição digital do meu CD (iTunes, Deezer, Spotify...).
- Participei do programa Geleia Moderna, do Jorge LZ e Brant, na rádio Roquette-Pinto. Fiquei duas horas no estúdio batendo papo, ouvindo músicas maneiríssimas, falando sobre o meu trabalho e divulgando as faixas de Temperos.

OUTUBRO:

- Participei do show Gatas extraordinárias, de Rodrigo Rodrigues, cantando “Mapa do meu nada”, no SESI Graça Aranha,
- Participei do programa ZoaSom, da Roquette-Pinto, cantando três canções com a banda compacta: bateria, baixo e violão.
- Participei do “Descontrole não é caos”, workshop-oficina com a grande Suely Mesquita. Foram três dias de imersão, maravilhosos, onde, além de receber dicas preciosas dela e dos outros cantores, bati papo com meus colegas de profissão, que me ajudaram muito – sem saber – a entender alguns aspectos mais práticos do meu trabalho (ensaios, grana etc.).

NOVEMBRO:

- Participei do show de Caio Márcio no Fixos Fluxos.
- Cantei com Silvan Galvão no Puxirum, evento carimbolesco no La Carmelita, na Lapa. Amei!
- Cantei no show Tinindo Trincando, um tributo aos Novos Baianos, no Da Leoni, em São Paulo. Cantei com Flávio Tris a canção “Cosmos e Damião” e troquei ideias e CDs com ele, Mariana Volker, Matheus von Krüger... Valeu, Jardim Elétrico!
- Cantei o “Choro” no Festival Jacarezinhense da Canção, no Paraná. Ivan Lins fechou a noite! 
- Cantei no show “Descontrole”, no Godofredo. Foi um show coletivo, com solistas e ouvintes do “Descontrole não é caos”, e participei com “Choro sem parcimônia”, do Sandro Dornelles (sempre ele!) e Carlos Scherer.

DEZEMBRO:

- Participei do show de André Gardel na sala Baden Powell como backing vocal, ao lado da Nayana Torres. Virei fã do Gardel!
- Cantei de novo com Silvan Galvão no Puxirum. Ô sorte!
- Saiu o Tributo aos Novos Baianos, Tinindo Trincando, pelo site Jardim Elétrico. Neste tributo participei com a canção “Cosmos e Damião”. Também participaram Fernando Temporão, Larissa Baq e Daniel Peixoto, entre muitos outros. Só no primeiro dia foram mais de mil downloads! 
- Matéria generosa nos jornais Metrô News e Folha Metropolitana, por Dery Santos.
- Matéria super bacana no site Kult Me, onde Maurício Bonas chamou Temperos de “álbum perfeito” e descreveu as canções lindamente.
- Cantei com o Adaury Jr. Trio no Rosal Music Conference, em Rosal/RJ. Fechou com chave de ouro o ano de 2014, pois foi um dos shows mais lindos que já vi/participei. Sensação boa que durou dias, e que espero levar comigo para 2015. 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Então misture tudo


Ontem ouvi uma frase que posso dizer que sintetiza tudo aquilo que eu não acredito.
“Você está misturando demais. É preciso escolher um caminho”.
Xi... Não vou fazer isso, não. Quero exatamente o contrário, na verdade.
A cada dia que passa desejo misturar mais, e isso acontece porque a cada dia que passa conheço mais coisas, vejo novos estilos, me deparo com artistas diferentes, e tudo isso me inspira. E, principalmente, a cada dia que passa tenho mais certeza de que tudo é permitido no meu trabalho: nele, posso fazer o que eu quiser.
Se eu me estabelecesse como uma cantora romântica, por exemplo, talvez fosse mais fácil, porque desta forma o público poderia esperar sempre o mesmo estilo, era satisfação garantida. Mas não posso me pautar por uma suposta decepção de quem gosta do som que faço hoje. E tenho certeza que este desapontamento vai rolar, cedo ou tarde, uma vez que eu não pretendo passar minha vida toda fazendo uma só coisa. Até poderia agir assim, porque o que faço agora me agrada bastante, mas tenho certeza de que vou querer e já quero outras coisas, também. 
Tenho vontade de gravar canções do Ednardo. Tenho vontade de colocar um pouco do rock, que é o meu berço, no meu trabalho. Tenho vontade de gravar uma canção do Caetano por disco. Não estou fechada à ideia de algum dia fazer um trabalho temático sobre religião. Não estou fechada a nada.
Soube que quando o grupo The The gravou o CD Hanky Panky os fãs não curtiram o fato de Matt Johnson, o dono do projeto, gravar canções de Hank Williams, ícone da música country. Este CD (maravilhoso, não deixem de ouvir), é tão incrível que fico pensando: vale a pena implicar com este trabalho só porque, a princípio, ele é diferente dos outros trabalhos da banda? Apenas escute! Não se ligue nos fatos (se é country, se não é, se não faz sentido, se Matt nunca deveria gravar um cantor norte-americano por ser tão radicalmente contra o imperialismo estadunidense). A música é boa, e isso é o que importa.
Já pensei em fazer um disco só de forró, algum dia. Mas também já pensei em gravar um disco com o que a MPB fez de mais roqueiro (“Fairy Tale Song”, “Chuck Berry Fields Forever” etc.). Isso é misturar “demais” para uma só pessoa? “Demais”, no sentido de excesso, para mim, não. De onde veio este “não pode”? Não consigo deixar de pensar que esta atitude deve atrapalhar não só a arte de quem pensa assim, mas sua vida inteira.
(E não consigo deixar de pensar que, inclusive, esta atitude tem muito a ver com a resistência aos tempos em que vivemos – tempos onde cada vez mais estamos quebrando barreiras e questionando exatamente o que está estabelecido, e falido. De fato, todas as nossas ações e falas são políticas...)
Gal Costa, uma cantora que adoro, já gravou de tudo e fez o que bem entendeu. Em 1969, então, não teve medo do experimentalismo – o que, segundo o pensamento de quem me deu o grande conselho de não misturar, talvez não fosse “bom” para a carreira dela –, e é uma das cantoras mais respeitadas do Brasil. Caetano, meu grande ídolo, o que seria dele se nunca ousasse gravar Beatles, ou formar a banda Cê, ou pintar no festival de 1967 com a guitarra distorcida dos Beat Boys para cantar “Alegria, alegria”? O que seria de nós sem o prazer de ouvirmos as doideiras impactantes de Araçá azul, disco que, dizem, teve 30% de devoluções por parte dos compradores? Será que Caê deveria ter permanecido nas canções, sem os recortes do disco citado (que, mais tarde, se tornou um dos álbuns mais emblemáticos e amados pelos fãs de Veloso?).
Música é tudo aquilo que desejarmos. Nela, fazemos o que bem entendemos. Bem disse o crítico de música Antonio Carlos Miguel: “Tem gente que quer só ouvir a coisa redondinha, pronta. Eu acho que música não tem que ter limite”.
Quando criança, às vezes ia à praia depois da aula e dizia à minha irmã: “olha que maravilha, aqui, se eu quiser, posso gritar muito alto!” E não gritava, que eu me lembre, porque só a sensação de poder fazer aquilo já era o máximo. Naquela praia vazia, eu não estaria desrespeitando ninguém, só me expressando, brincando. Coisa boa!
E acho que a arte é um pouco isso: uma praia vazia onde podemos brincar à vontade. Eu, que escrevo este texto, tenho bastante dificuldade em me soltar em vários momentos, mas sei que o que me impede é uma grande besteira, pois a praia está vazia, ninguém será desrespeitado por minhas iniciativas. Posso tocar um bolero, depois uma salsa, depois um baião e fechar com um blues. É problema meu, e, olha que coisa boa, ainda vai ter gente que irá se identificar e gostar (ainda que seja uma só pessoa, mas sempre há quem esteja na mesma sintonia que você).

Acho que tudo tem um motivo, e penso que o papel do senhor que me deu o conselho que jamais vou seguir era o de exatamente me fazer lembrar que os limites que me imponho são totalmente transponíveis. E que devo, cada vez mais, misturar e misturar, sem parar.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Mateus Aleluia - um encontro




Semana passada fui assistir à peça de um amigo no Sesc Ginástico. Vendo os cartazes com a programação do mês de novembro, não acreditei: Mateus Aleluia, ex-Tincoãs, iria se apresentar naquele mesmo teatro, na semana seguinte.
Sou fã incondicional dos Tincoãs e fiquei animadíssima. Havia pensado, pouco antes de saber deste show, que se algum dia quisesse conhecer o único remanescente dos Tincoãs (ao menos o único que gravou discos com o grupo – Erivaldo Brito, da primeira formação, não chegou a gravar nenhuma faixa com os Tincoãs) teria que ir a Angola, onde ele morava. Depois descobri que ele estava atualmente na Bahia. Mais perto, que bom! Mas saber que ele estaria aqui, no Centro do Rio, em um show com entrada franca, ainda por cima, foi só alegria.
Mateus, um verdadeiro príncipe no palco, todo vestido de branco, mostrou uma apresentação muito diferente daquilo que costumo ver. Quando saí de casa, pensei que às 20h15 ou 20h30 estaria “liberada”, pois o show estava marcado para as 19h. Mas a apresentação foi até as 21h30, e eu, que a esta altura já havia entendido que aquilo que acontecera também era uma forma de esquecermos o tempo lá fora e nos entregarmos, não iria embora antes de poder dar um abraço neste homem que, com sua voz grave e sua percussão, abrilhantou canções dos Tincoãs como “Canto e danço pra curar” e “Promessa ao Gantois”, verdadeiras pérolas, e que havia me dado um grande presente naquela noite.
Foi impossível conter as lágrimas ao ouvir Mateus cantar “Cordeiro de Nanã” ou ao ouvi-lo falar sobre paz e a força do bem. Foi impossível não ficar impressionada com aquela palestra musical (este, aliás, é o termo utilizado para definir o projeto; a proposta é esta, e não um show convencional) onde a sutileza era marcante e onde a informalidade (termo utilizado pelo próprio) proporcionava um gostoso clima de conversa – mesmo que a presença de Mateus impusesse uma solenidade e um respeito inquebrantáveis.
Falo de sutileza porque aquela grande banda (em quantidade e qualidade) – uma voz feminina, uma percussão, um baixo acústico, uma guitarra e dois sopros – em muitos e longos momentos apenas aguardava o comando de Aleluia, que contava suas histórias sobre a África com toda a tranquilidade e as recortava com canções em dialetos africanos, ou o “Samba da benção” e até “Deixa a gira girar” (um carinho para os fãs dos Tincoãs). Todos eram grandes músicos, indubitavelmente, pois respeitavam o conceito do show e a força/delicadeza deste. Tudo aparecia na hora certa: não havia excessos, mesmo que algumas músicas tivessem uma forma cuja repetição era quase mântrica.
Na metade do show, Mateus chamou ao palco um amigo da Bahia, que nos contou sobre o Recôncavo Baiano e as tradições religiosas da região (em especial, o cortejo em homenagem à Nossa Senhora da Boa Morte), e logo depois um pequeno documentário foi projetado no palco. Sim, saí de casa para ver Mateus Aleluia e voltei com o seguinte saldo: conheci histórias, ouvi lindas músicas, assisti a uma palestra e vi um filme.
Tirei foto com Mateus, dei meu CD a ele – que, simpaticíssimo, pediu um “chamegão”, ou seja, um autógrafo (EU dei um autógrafo a Mateus Aleluia, acho que invertemos a ordem das coisas!) – e saí do Sesc Ginástico pensando que este grande artista, que desde a década de 70 está fazendo música da melhor qualidade, de fato merece todo o respeito e reconhecimento que tem. Merece, também, muito mais conhecimento por parte das pessoas: o teatro do Sesc Ginástico deveria estar lotado, apinhado de gente. Mas isso é assunto para outro texto.
O amigo de Aleluia que falou sobre o Recôncavo, pouco antes de terminar sua fala, disse que na opinião dele os músicos estavam mais perto de Deus. Não sei se concordo 100% com isso, pois não gosto muito de pensar que os artistas são especiais, melhores do que os que não produzem artisticamente, apenas por serem artistas. Mas acredito que Mateus Aleluia, sim, está tão conectado com sua espiritualidade (que é evidente em sua música e até em suas palavras) que nos leva com ele nesta viagem, neste encontro com o que temos de melhor dentro de nós. Criou-se ali um universo de magia e religiosidade, um ambiente onde sentia-se a música em sua forma mais conectada com nossas almas – e esta maneira de fazer arte é uma forma que me agrada muito. Conectar, nos tornar mais humanos ao nos levar para perto do que temos de mais sensível – ou seja, aquilo que temos de melhor.


domingo, 26 de outubro de 2014

Descontrole não é caos

                 Nos dias 22, 23 e 24, aconteceu no Espaço Sesc, em Copacabana, a oficina “Descontrole não é caos”, coordenada por Suely Mesquita. Nós, 20 cantores populares selecionados para esta incrível oportunidade, tivemos 30 horas para pirar e ao mesmo tempo focar. Conscientizar e deixar rolar. Se jogar! “Mico é vida”, disse Suely. Era aquele o momento onde nós todos não podíamos apenas ter boas vozes. Era preciso mais. Era preciso tentar entrar em contato com a própria essência, sem medo.
Cada solista deveria escolher uma canção para ser trabalhada. Escolhi propositalmente uma canção que nunca havia cantado, e, é claro, começou a bater um pânico de dar branco na hora. Ao final do 1º dia de oficina (eu só cantaria no 2º e 3º dias), expus minha preocupação a Suely, que me deixou totalmente livre para escolher outra, mas ao mesmo tempo disse algo fundamental para que eu permanecesse com a mesma canção: “Se o branco for uma questão importante para você, faça, pois aqui é o espaço para trabalhar exatamente este tipo de coisa”. Taí: esta forma de abordar o branco (e nervosismos em geral) era inédita. E libertadora.
Fiz o “Choro sem parcimônia” duas vezes e pude saber de algumas coisas que demoraria bastante para descobrir sozinha. Que posso colocar mais comicidade e alegria nesta canção sarcástica que lamenta e que ri de si. Que posso explorar mais o palco. Que posso compartilhar mais com o público e que é interessante que as pessoas entendam esta história desde o início, pois o texto é muito importante nesta canção quase falada. Que às vezes menos pode ser mais, é que uma expressão corporal menos expansiva pode, ironicamente, fazer a cena e a intenção crescerem (e foi o que senti).
Suely nos dizia sempre que necessário: “A perna treme? Deixe tremer.” “Use suas mãos trêmulas na canção, coloque esta tensão no que você está fazendo.” “Não tente ignorar o nervosismo, nem fingir que não está acontecendo.” Mas quando nossa vizinha maluca – aquela vozinha chata que nos atormenta quando estamos inseguros: "vai errar! vai errar!" – começar a querer aparecer, aí sim, ignore. Deixe falar, sem dar atenção.
A cada apresentação dos solistas, os outros solistas e os ouvintes escreviam bilhetinhos para dizer o que achavam de bom na apresentação e também o que podia melhorar. Não jogo estes bilhetinhos fora nem que me paguem: são como o mapa da mina.
Tantas coisas ficaram e ainda vão reverberar muito, tenho certeza.
Zélia Duncan cantando “Nega música”, me dando saudades do Itamar (momento de escrever “choro preso” no grande mural de papel onde registrávamos nossas sensações e percepções).
Bethi me dando a mensagem: brinque mais! Música é para brincar!
Adriana me dizendo: procure o chão, plante os pés, conecte-se!
E um ponto muito importante que enxerguei neste curso: vi ao final destes três dias de curso em intenso contato com outros 19 solistas que muitos de nós temos (ou tínhamos) medo de mostrar aquilo que criamos. Muitos compõem, mas têm vergonha de mostrar as próprias canções. Me incluo nisso: tenho escrito pouco, e este pouco não mostro a ninguém. Ao final do curso, nos reunimos na casa de um dos solistas e ficamos cantando, curtindo e conversando, e foi o momento onde alguns cantores conseguiram mostrar um pouco do que faziam. Em um ambiente de festa, ficaram mais à vontade para “confessar”: eu componho. E olhe só esta minha canção. 
Descontrole não é caos. E “controle não é cais”, como um dos participantes muito bem escreveu no mural de papel. Deixe sair do tom, esqueça a letra, chore sem culpa, ria à vontade. Mostre sua música.
Se deixar descontrolar é se encontrar.





sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Pequenas alegrias de uma cantora independente

- Ter que repor os CDs na livraria Arlequim por dois meses consecutivos
- Ouvir meu CD tocando na rua Sete de Setembro, graças à dona Margarida, da Rarity CDs, que coloca as caixas de som voltadas para a rua
- Um amigo dizendo que tem dificuldade em escolher uma só faixa como a preferida
- O amigo compositor dizendo que há tempos não gostava tanto de um CD assim
- Quando tenho cara de pau e consigo algo muito legal por causa disso - como participar do tributo aos Novos Baianos
- Conseguir uma matéria bacana no site Armazém de Cultura
- Eu e Alex terminando um vídeo meu (clipe ou de algum show) e o disponibilizando no YouTube
- Amigos e desconhecidos entrando em contato querendo comprar o CD
- O Arildo de Souza me ajudando ao fazer com que meu CD chegue a várias pessoas do rádio e imprensa
- Ser selecionada para cantar o "Choro" no Fejacan 2014, no Paraná
- Ser selecionada para a oficina Descontrole não é Caos, da Suely Mesquita
- Ser selecionada na Convocatória de Ações Culturais da Secretaria Municipal de Cultura (o primeiro edital - mesmo que pequeno - a gente nunca esquece)
- Show de lançamento cheio
- Perceber que acertei no conceito gráfico do disco ("você conseguiu fazer uma capa com seu rosto sem que ficasse brega") - valeu, Alex
- Conseguir no dia do lançamento uma matéria (com foto) no jornal O Dia - valeu Ricardo Schott e Leo Rivera
- Conseguir uma distribuição digital bacaníssima com a Nikita (Deezer, Spotify, iTunes)
- Tentar presentear um amigo com meu CD e ele fazer questão de pagar pelo disco
- Participar dos programas Encontros, ZoaSom, Armazém Cultural e Geleia Moderna (ver que certas rádios não são inacessíveis!)
- Amigos que sempre ajudam na divulgação de shows e sons pelas redes sociais
- Ser chamada para participar do CD de um artista como o Alvinho Lancellotti, e depois cantar nos shows dele
- Ser apresentada ao Ivan Bala (coordenador de programação da Roquette Pinto) pelo Ricardo Britto
- Fechar projetos com o Sopro Escritório de Cultura
- Quando uma amiga me indica para participar de um projeto bacana como backing vocal
- Ver aquele casal de amigos chegando com as caixas do meu CD, abrir uma das caixas e ver o meu trabalho pronto, pela primeira vez

Listar pequenas alegrias é importante: é exercício da gratidão, e é parar para perceber quantas coisas já alcancei. "Focar no que tenho, e não no que ainda não tenho", me recomendaram. E sigo recomendando também - é alegria na certa.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Responsabilidade II

Há tempos escrevi aqui neste blog sobre responsabilidade. Eu escrevi sobre atrasos e o compromisso que temos com nossos colegas de trabalho após ter me atrasado para um ensaio (apenas 10 ou 15 minutos, mas isso já configura atraso, certo?) por estar vendo uma peça de teatro. Refleti e achei uma sacanagem deixar colegas me esperando porque eu estava fazendo algo “importantíssimo” (me divertindo). A partir daí, me conscientizei um pouco mais sobre isso. Continuo me atrasando vez ou outra, mas não por estar curtindo “Os gigantes da montanha” no aterro do Flamengo, pode ter certeza!
Este assunto veio à tona novamente. Fui fazer uma gravação e fiquei conversando com um amigo pontualíssimo, e ele disse algo bem interessante. Ele percebe (e fica abismado com isso) que é comum, absolutamente normal, pessoas chegarem atrasadas 40 minutos, 1 hora, 2 horas, e nem se darem ao trabalho de telefonarem para avisar do atraso. E, pior (fechando com chave de ouro), ao chegarem, os atrasados mandam um: “E aí, tudo bom?”, mais tranquilos do que o Dalai Lama.
Isso não é certo. Chegou atrasado? Minimamente, peça desculpas. Tudo bem, todo mundo fica sem crédito no celular, nem sempre é possível ligar, compreendo perfeitamente. (E a verdade é que com boa vontade rola até de ligar a cobrar, pedir para alguém avisar de algum jeito etc.) Mas, se não rolar nem isso, por favor, peça desculpas pelo atraso. E tente não fazer isso de novo.
Levei um bolo estes dias e me dei conta de que não estava chocada: achei normal. Por que achei normal? Deve ser porque eu costumava cantar com um instrumentista que sempre nos rendia adrenalina: será que ele vem? Deve ter sido isso que me deixou cascuda neste quesito. Nada mais me surpreende quando o assunto é falta de compromisso.
 Entendo perfeitamente o constrangimento em dizer “não estou mais a fim, quero parar”, mas... Não estando mais a fim, que tal correr atrás de um substituto para o trabalho? Que tal, não achando um substituto, passar por cima do constrangimento e se livrar de uma vez de um peso – que é o que deve estar sendo este trabalho do qual se foge? Pode não ser indolor na hora (dar uma má notícia, quem gosta disso?), mas a recompensa é boa: domingos livres, comendo pipoca e vendo filme, sem o peso na consciência (“tem gente lá não sei onde me esperando”). Nem dá para curtir um filminho, desse jeito.
Me toquei de que era um péssimo sinal estar acostumada a um bolo destes, tamanho família. A verdade é: eu nunca deveria já esperar um no-show destes. Eu deveria ter ficado sem reação, ter sido pega de surpresa. Mas, não. Não me abalei e corri atrás de outra solução.
É claro que me sinto feliz quando percebo que hoje em dia certas coisas não me abalam, não acabam com meu dia, nem me tiram do sério. Com minha antiga banda, por exemplo, cada atraso de um dos músicos me deixava a ponto de explodir. Ficava indignada com a falta de consideração, e isso estragava os ensaios, meu bom humor, o clima geral. Com o tempo me prometi que não deixaria mais este tipo de coisa me irritar, pois, senão, jamais teria paz. E sai mais barato (já disse Augusto Cury) deixar isso para lá. O problema é dos furões, não meu, eles que arquem com as consequências (filme queimado, trabalhos escasseando).

Me expressando assim pareço até ser super responsável e pontual, certo? Mas já disse no início do texto que isso não é verdade. Sou responsável, mas não pontual. Muitas vezes chego uns 10 minutinhos depois, outras raras vezes atraso seriamente. (E muitas outras vezes, chego na hora ou até antes.) Mas sem dúvidas tomei consciência do quanto envolvemos OUTRAS PESSOAS com nossos problemas ao nos atrasarmos, ao não aparecermos etc. Por isso, um atraso meu sempre é acompanhado da preocupação com quem deixei esperando – e de um sincero pedido de desculpas.  

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Plágio

  

 Há alguns dias fiquei sabendo que o rapper Criolo teve um problema: foi acusado de plágio. Sua canção "Linha de frente", segundo o compositor Armando Fernandes, seria plágio da composição "Tristeza pé no chão", de autoria de Mamão (nome artístico de Armando), gravada por Clara Nunes em 1973.
Situação muito chata, essa. E, comparando as duas canções, de fato ambas são bastante semelhantes - o início, por exemplo, é crucial.
Bom, mas parece que os dois compositores conversaram sobre o assunto e tudo se resolveu numa boa. Tomara que tenha sido assim - melhor para todo mundo, né?
Por que abordo este assunto? Porque é delicado. Porque a palavra plágio nos remete a uma coisa péssima. A algo antiético. Coisa de pessoas com desvio de caráter. Pô, roubar a música de outra pessoa, que cara de pau!
Mas não penso que seja sempre necessariamente este o caso: uma sacanagem descarada. Pelo contrário.
Acho que estamos, todos nós que fazemos música, suscetíveis a isso. Sim! Acho que qualquer um de nós pode, algum dia, compor uma música, crente que está arrasando, e depois perceber, da pior forma possível, que simplesmente imitou a música de alguém, sem perceber. Sem más intenções.
Muitas vezes, graças a Deus, percebemos isso quase que imediatamente. Fazemos uma melodia e vemos: “opa, já existe”. Perfeito. Mas pode acontecer depois, já com disco gravado – você lá, totalmente feliz com seu trabalho, achando que está tudo bem, e vem uma bomba dessas. Imagina? Pois é. E, ainda por cima, contar com o julgamento de todos, que presumem que você fez aquilo de propósito, no maior mau-caratismo.
Estes dias estive na casa do compositor Arildo de Souza e ele me disse que, quando compõe, sempre grava a canção e a deixa “de molho” por uns meses até ter certeza de que aquela canção é dele, mesmo, e não a repetição de algo que já tenha ouvido, mesmo que apenas em um trecho. Esta é a forma como Arildo lida com esta questão. Mas vários compositores não fazem desta forma. Compõem e seguem em frente, sem pensar muito naquilo que já ficou pronto. E pode acontecer esta situação de acusação de plágio – com os compositores cuidadosos e com os que não são. Pode acontecer. Por isso acho importante que sejamos minimamente compreensivos.
Não sei nada sobre o Criolo (para escrever este texto fui reler as matérias de jornal sobre o caso do plágio e deu vontade de ouvir mais do seu som. Tô ouvindo o show dele no Circo Voador pelo YouTube enquanto escrevo – bem legal); não faço ideia de como seja a pessoa dele, noção alguma, zero. Mas, de verdade, acredito que esta semelhança de “Linha de frente” com “Tristeza pé no chão” tenha sido um infeliz caso de assimilação inconsciente da melodia do compositor Mamão. Não creio que Criolo seja tão maluco a ponto de plagiar uma canção tão conhecida, de uma cantora tão conhecida, como se isso não fosse dar dor de cabeça nenhuma. Teria que ser muito inconsequente, mesmo.
Na minha humilde opinião seria bacana se evitássemos (público e músicos – principalmente músicos, e, mais principalmente ainda, compositores) o ataque a nossos colegas de profissão, aos artistas que admiramos, àqueles que não admiramos também. Partamos do princípio de que nossa própria cabecinha também pode nos pregar esta peça, nos fazendo acreditar que somos os autores de algo que ouvimos certo dia, andando na rua, em um aparelhinho de rádio ao longe, sem percebermos.

(Até hoje prefiro acreditar que Rod Stewart não fez de propósito ao colocar no refrão de “Da Ya Think I’m Sexy” a mesma sequência de notas do refrão de “Taj Mahal”, de Jorge Ben. Como o próprio Stewart disse: “Unconscious plagiarism, plain and simple”. Prefiro dar o benefício da dúvida.)

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Agradar a quem?

Nem sempre é possível agradar. 
Na verdade, é muito fácil desagradar – público, produtores...
E, sem dúvidas, agradar a todos é impossível.


A regra é: sempre haverá alguém insatisfeito. Ponto.

              Lembro de algumas ocasiões em que não agradei como cantora: pela voz, pela interpretação, pelo jeito, por isso, por aquilo. Por estar sem vontade de estar ali no momento (mea culpa); por estar felicíssima de estar lá, mas mesmo assim não agradando, porque... não agradei, oras! Acontece.

              Um exemplo de uma destas ocasiões foi quando cantei, em 2010, em um projeto de forró em Laranjeiras. Acontece o seguinte: adoro forró, gosto muito de cantar este estilo e graças a Deus no meio do ano sempre trabalho bastante em festas juninas, só mandando ver nos xotes, baiões e galopes. Mas nunca fiz parte do circuito de forró, pois não tenho um trio meu; apenas canto como convidada em outros trabalhos. Talvez por isso meu trabalho de forró não tenha agradado naquela noite: eu não fiz como a maioria dos trios faz. Meu grupo não era um trio, para começar. Não tinha uma formação de zabumba, triângulo e acordeon, mas de percuteria, violão e sopro. E não cantei 15 músicas sem parar, por exemplo: fiz intervalos de 5 em 5 músicas, aproximadamente. Achei o resultado ótimo, o repertório bacana (“Bim bom”, do João Gilberto, por exemplo), mas o responsável pelo evento certamente não curtiu, pois nunca respondeu meus e-mails posteriores e comentou com o meu produtor no dia algo do tipo (não lembro exatamente) “a apresentação estava parecendo ‘show’ demais”, enquanto a proposta talvez fosse que fizéssemos algo mais próximo de uma apresentação de bar/restaurante, mais discreta e música para dançar, não para prestar atenção.

               Isso é normal, hoje vejo. Na época gostaria de ter entendido melhor, mas, como já entendi, acho ok não terem gostado. Não me chateia. Acho importante que se tenha visão crítica do próprio trabalho, desde que aliando esta visão crítica às suas próprias convicções. E uma de minhas convicções é: quero fazer outros tipos de trabalho, não um trabalho de forró em uma casa de forró, onde se espera que eu faça assim e não assado. Não. Vou fazer da forma que eu achar melhor. Ou seja: não usando uma formação padronizada de músicos (a não ser que eu ache melhor assim), não cantando 15 músicas sem parar (a não ser que eu e os músicos estejamos empolgados e queiramos fazer assim) e escolhendo canções menos usuais. 
  
                Quando há este conflito de filosofias, é preciso abrir mão de alguma coisa: se não vou conseguir fazer o meu trabalho da minha forma, em um evento específico, então que eu faça meu trabalho em outro lugar, onde eu tenha liberdade total. Ou, então, posso abrir mão de fazer da minha forma e me moldar à forma pré-estabelecida pelo produtor do evento – mas isso não é uma possibilidade. Então, já sabemos qual é a única opção possível.

               Outro exemplo foi quando cantei 'Joana Francesa' a pedido de uma cliente no Mercadinho São José. Ela ficou chateadíssima porque não OLHEI para ela enquanto cantava (sim, acredite, isso aconteceu: a moça reclamou, ignorando o fato de que eu nunca havia cantado a música em público antes, e estava me concentrando para lembrar a letra!). Não posso dar atenção a isso. Não posso considerar isso algo importante, nem levar isso a uma reflexão profunda. Posso simplesmente tentar ser um pouco mais comunicativa com o público, no máximo - ou, melhor ainda, não cantar algo que alguém pediu só para agradar a esta pessoa, que no final ainda ficará ressentida comigo, por pura carência.

“Quem se curva demais ao público fica de quatro para ele, e nunca mais se ergue”, foi o comentário de Hugo Possolo, registrado em um documentário que amo, O riso dos outros. Concordo plenamente. Se eu quiser sempre agradar, se eu ficar sempre preocupada com o que estarão pensando de mim, ferrou. Não poderei me mover. Sempre haverá alguém insatisfeito com alguma coisa, ou até mesmo irritado. Já ouvi críticas de pessoas que não são musicistas, sendo algumas destas críticas quase que ininteligíveis de tão truncadas, mas também já ouvi críticas de "leigos" muito, muito válidas. Cabe a mim fazer o filtro, como já mencionei em um post anterior (“Críticas, sugestões, opiniões”).

Acho importante (ao menos para mim) que se aborde também os fracassos. Os erros, as experiências ruins, as vaias (ainda não as recebi, mas estão aí e podem um dia chegar até mim) e as frustrações são importantes também. Nos ensinam, mesmo que sejam fruto de uma birra ou infantilidade. Não importa. De qualquer forma, nos são úteis, assim como todos os reveses da vida. Nos mostram que não somos invencíveis – porque às vezes nos sentimos assim –, muito menos unânimes. Porque trabalhar com arte é lidar com nosso próprio ego, nosso amor por nós mesmos, nossa vaidade. E alguns episódios, como os que citei, servem para que, minimamente, lembremos: “ei, não estou com essa bola toda!”

domingo, 27 de abril de 2014

O que aprendi com os portugueses sobre música


Estive em Portugal em janeiro. Me maravilhei com inúmeras coisas e me apaixonei pelo país de forma geral. E uma das coisas que trouxe no coração, é claro, foi o fado.

E outra coisa com a qual me maravilhei foi a forma como vi a música ser respeitada.

Certa noite fui ao Chapitô, um lindíssimo local (restaurante, bar, teatro, sede da cia homônima de teatro etc.) em Lisboa. Assim que eu e Alex chegamos o rapaz da casa nos trouxe o cardápio e explicou: “Aqui funciona assim: os músicos vão tocar três músicas. Então, SILÊNCIO. Haverá um intervalo, pode-se conversar normalmente. Depois, mais três músicas. Outro intervalo, e então mais três músicas. Ok?”. Direto, bem educado. E certíssimo.

Bebemos um licor de café delicioso e assistimos ao fado, interpretado por músicos excelentes. Muito agradável.

Acredito que aquela noite tenha sido mais especial ainda porque pude ver o quanto a apresentação foi respeitada. Estávamos ali para ouvir o fado, não para conversar enquanto a música era tocada (na verdade acho que não faz mesmo muito sentido disputar com o volume dos instrumentos. Não se ouve a música, nem se conversa direito.).

O rapaz que nos atendeu (o tal do “schifaizfavoire”, reza a lenda) foi direto, bem educado e esclarecedor. Não deixou margem para nenhuma dúvida: ali a atração era o FADO. Caso quiséssemos conversar – estávamos no Bartô, um dos muitos espaços do grande Chapitô – poderíamos tranquilamente ir para a área aberta e papear admirando a vista da cidade.

Na verdade, isso não me incomoda muito quando estou no papel da cantora – ou melhor, até hoje não incomodou. Acho que exatamente pelo fato de ter cantado muito em barzinho, fiquei acostumada a isso (mas acho que ficarei bem chateada se alguém ficar falando sem parar em uma apresentação minha em um teatro, por exemplo). Acho relativamente “normal” que em um bar com música ao vivo a música seja música de fundo, muzak, música ambiente. Aqui funciona assim, e não adianta se descabelar, acredito. Mas achei o máximo que lá naquele local específico não houvesse nem comida (só bebidinhas), muito provavelmente para não tirar o foco do que estava acontecendo ali – o show. Qualquer barulhinho pode atrapalhar aquela música acústica. O público precisa colaborar, do contrário o fado fica impraticável. Interessante pensar que a falta de amplificação levou a esta atitude de respeito.

Portugal me impressionou muito, em muitos aspectos, e um deles foi a cultura dos portugueses. Milhares de livrarias pela cidade (tentações!), muitíssimos centros culturais, Fernando Pessoa a cada esquina, e música boa. Fomos depois à Tasca do Chico, onde há o tal do “fado vadio”. Apesar de ser vadio (“amador”), a qualidade era excelente, e o bar inteiro se calava para ouvir as músicas. Só gritava de alegria, ao final. Apesar dos bolinhos de bacalhau frios e do lugar estar sempre abarrotado de gente (culpa exatamente da boa qualidade e tradição como local de fado), a Tasca do Chico provou que realmente os lusitanos levam a música a sério.

Não estou querendo dizer que não exista desrespeito por lá (longe de mim falar uma maluquice dessas) ou que Portugal seja o Paraíso (mas tenho lá minhas desconfianças de que seja...  Maluca, eu?): certamente os músicos de lá têm histórias nada bonitinhas para contar sobre perrengues na noite e situações desconfortáveis. Mas achei bonito ver o quanto a música pode ser tratada como coisa séria, mesmo que em ambientes descontraídos.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Na rua



Uma das coisas que mais gostei de fazer desde que comecei a cantar solo foi me apresentar na praça São Salvador. Sem exageros. Adorava cantar no coreto, que desde 2008 eu paquerava, de longe (eu não entendia porque aquele espaço não era tão usado quanto poderia ser). Daí, desde que comecei a cantar por ali, em junho de 2011, às sextas, me senti muito satisfeita – foi um pequeno sonho realizado, afinal.  
Fico lembrando de tudo o que a praça me proporcionou: outros trabalhos – incluindo uma viagem para o Nordeste! –, muitos contatos com grandes músicos, causos, diversão e formação de público (sem dúvidas foi minha maior vitrine). Quando ando pelo Flamengo e por Laranjeiras não é incomum ser abordada na rua por pessoas que já me viram cantando no coreto e querem saber quando voltarei. Fico bem feliz em colher estes frutos.
Infelizmente o Choque de Ordem começou a frequentar a praça todas as sextas (não sei se em outros dias da semana também) e finalmente, depois de algumas situações chatas – voltar para casa sem tocar etc. –, em maio de 2013 desisti de vez de cantar ali. Mas sem traumas, foi incrível enquanto durou!  E (vontade de ser otimista?), acho que talvez estivesse mesmo na hora de parar.
Fiz esta introdução porque ando pensando muito sobre a questão do artista nos espaços públicos. Tenho me empolgado bastante pensando em possibilidades de levar meu canto para a rua – e isso pode acontecer de várias formas, em diversos formatos –, e de levar também outros tipos de expressão artística. Daí juntei as pecinhas e entendi: era por isso que eu gostava tanto de cantar na praça São Salvador. Porque era gratuito, porque o público era espontâneo. Porque não havia exclusão, porque todos que quisessem podiam estar ali. Porque aquele espaço não era de ninguém: era de todos.
Penso que esta minha visão sobre a rua começou a se formar quando, em agosto do ano passado, conheci o pessoal do Ocupa Lapa. A partir daí, e principalmente depois que estive presente neste ato político-cultural, sob um sol inclemente do dia 8 de setembro (um dia perfeito!), vendo meu namorado expondo seus desenhos em plena praça dos Arcos, vendo performances acontecendo e bandas tocando desde a tardinha até a noite, uma semente foi plantada em minha mente.
De lá para cá, todos os dias vejo ou sei de mais alguma coisa (intervenções urbanas, Beach Combers no largo do Machado, Tropa do Afeto) que ratifica meu pensamento de que isso, sim, é muito adequado: precisamos usar a rua, ela é nossa galeria, nosso palco. E os transeuntes, diria que precisam também. Arte no dia a dia. Arte como algo usual, não um luxo, pertencente apenas aos espaços fechados, pagos, às vezes tão frios, apesar de maravilhosos e necessários. Mas ocupar a rua com arte também é necessário, e urgente. Pois é vital transformar nossa cidade, nosso mundo, e não apenas viver nele como se não tivéssemos esta capacidade, nem este direito.
Hoje mesmo (filosofias da hora do lanche), conversando com Alex sobre minha resistência em ser romântica em relação à arte, confessei que, de fato, percebia o quanto a arte fazia com que nós nos tornássemos mais sensíveis e humanos, mais unidos, com menos medo de sermos piegas. Podemos chorar, rir, e isso irá nos libertar. E não há dúvidas de que o mundo precisa de mais sensibilidade. Precisamos nos aproximar, precisamos nos entender melhor, e agora vejo que a arte pode nos ajudar muito.
Há anos vi um vídeo do Badly Drawn Boy tocando na rua, em frente à estação de trem Waterloo. Fui catar o vídeo na internet há uns dois meses, já pensando bastante nestas questões do artista na rua e, ao rever, concluí: “Vou imitar esta ideia assim que der.” Cantar em algum canto do RJ e depois fazer um vídeo disso. Mostrar o desprezo, a receptividade, a indiferença, o encanto. O que importa é comunicar, levar para a rua! Ela é nossa, mesmo que, infelizmente, carreguemos intimamente uma leve impressão de que “não pode”. (Estou lutando contra esta sensação e entendendo aos poucos que "é tudo nosso". E escrever este texto é uma forma de fazer com que isso fiquei ainda mais claro para mim.)
Um último caso, para fechar: pouco antes do carnaval Alex decidiu fazer o lançamento do livro dele aqui no Rio - já tinha acontecido um, em Niterói -, escolhendo para isso um local muito bacana: a supracitada praça São Salvador. Quebrando a cabeça para ver um local que não fosse caro, nem pouco acessível, nem desconfortável, resolveu botar o bloco (ou livro) na rua de uma vez. Decisão acertada! Foi uma noite muito gostosa: no mesmo horário do lançamento estava acontecendo um show do amigo Fabão, que cantava marchinhas no coreto, e neste mesmo dia Alex expôs seus desenhos nos pilares de madeira do coreto, assim que o show terminou. Ou seja, a praça foi utilizada de todas as formas possíveis: como museu, como palco, como livraria. Voltamos para casa felizes, na verdade deslumbrados, percebendo que tudo parecia cada vez mais fácil, acessível, mais a nosso alcance. Sensação de liberdade e desprendimento, que a rua tão generosamente nos dá.


sábado, 8 de março de 2014

Presentes musicais




Hoje estava ouvindo Tincoãs e pensei: que presente ganhei ao ser apresentada ao som deles! Tive uma real sensação de sorte por estar ouvindo aquelas vozes. Este grupo vocal, sobre o qual eu nunca tinha ouvido falar antes de 2009, só chegou a mim porque um amigo achou que aquela mistura Brasil-África iria me agradar. Na mosca: amei.
Lembrei, então, que este foi um dos muitos presentes musicais que já ganhei. E pensei mais uma vez que, de todos os regalos que já recebi na vida, creio que aqueles ligados à música tenham sido os maiores.
No Natal de 2006 ganhei um grande presente do meu irmão mais novo, que me colocou para ver em seu aparelho de MP4 um rapaz tocando uma música linda no violão de aço: era Richard Taylor, tocando “Gorthon”. Fiquei emocionadíssima ao vê-lo interpretando com perfeição aquela música ao mesmo tempo delicada e forte. Eu tinha tido um dia difícil, e à noite ganhei este presentão para lavar a alma.
Quando eu tinha 16 anos, meu irmão mais velho, sabendo que eu andava cabisbaixa (adolescência, vocês sabem como é!), me deu um presente-surpresa: ele e a então namorada iam ao show do Djavan no atual Citibank Hall (à época, ATL Hall) e eu, morrendo de vontade e sem grana para ir, soube na véspera que iria no lugar dele. Esta atitude incrível, onde ambos deixaram de estar juntos apenas para me ajudar – ele inclusive se privando de ver um showzaço –, me deixou radiante: fui ao show do artista pelo qual eu estava mais fascinada na época, cantei junto, me enchi de energia boa. Para completar, bati muito papo, me distraí, me senti feliz e amada. E Djavan ainda tocou “Se” duas vezes, só para que a noite ficasse ainda mais perfeita.
Badly Drawn Boy é outro presente que ganhei. Obrigada, Ricardo, por ter me apresentado a este e a tantos outros grupos/cantores maravilhosos. Este meu ex-chefe tem um gosto musical tão incrível que nem sei como ele não trabalha com isso, como crítico ou algo do tipo. Com ele, conheci Rosalia de Souza, “Transa” e “Livro”, do Caetano, Sergio Mendes, as maiores pérolas do Gil, João Donato e seu “Quem é quem?”, Tommy Guerrero (OBRIGADA!) e o maior presente de todos: Itamar Assumpção. Valeu! (Não bastasse isso tudo, foi Ricardo quem um dia me avisou sobre um show gratuito da Rita Beneditto na Modern Sound – e lá fui eu, toda serelepe, depois do trabalho, ver pela primeira vez minha cantora preferida ao vivo.)
O Maurício, da Baratos da Ribeiro, também devia estar trabalhando como crítico – se é que não está fazendo isso e eu não sei! –, pois, apesar de várias trilhas da loja não serem exatamente a minha praia, posso dizer que ouvi Ednardo e “A manga rosa” pela primeira vez na Baratos, bem como Sergio Godinho (“Com um brilhozinho nos olhos”), Kings of Convenience e Doris Monteiro. Foi ele, também, quem disse que o primeiro disco do Ivan Lins era incrível. Fui ouvir depois, na internet, e confirmei: realmente era absurdamente bom. Agradecida!
O Vitor, ex-baterista do Pic-Nic (banda na qual cantei por cinco anos), me apresentou aos Secos & Molhados, gravando os dois primeiros discos deles em um CD virgem. Ouvi muito, muito mesmo, ficando totalmente viciada naquelas melodias lindas. Ia ao trabalho e a qualquer lugar, todos os dias, com aquele disquinho no meu CD player.
A verdade é que são incontáveis os presentes: Bethi, ao tocar “Clarice” para mim, no violão (“você não conhece?”); Alex, ao colocar no aparelho de som o CD “Le fil”, da Camille; Fabão, ao cantar “Mas quem disse que eu te esqueço”; Ná Ozzetti, ao cantar no festival de Tatuí de 2011 e me pegar de surpresa com aqueles arranjos e aquela voz (pensei que eu só iria cantar, e não sair de lá com um novo ídolo); Sansão, ao nos mostrar o Ponto de Partida cantando “Circo marimbondo”; Daíra, ao cantar “Cicatrizes” naquele estúdio caseiro; Paulinho, ao chamar minha atenção para a letra de “Meu guri”; Tiago e Rodrigo, ao me mostrarem o vídeo de Roberta Sá cantando “Pelas tabelas”; Marcelo, ao me levar para ver a mesma Roberta com o Trio Madeira Brasil no Circo Voador.
E o melhor de tudo em relação a estes presentes é que, por serem imateriais, nenhum ladrão pode levar. E, como não ocupam espaço na gaveta... que venham mais!







quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O que fazer quando...

- Você está cantando e vê na plateia alguém dando um bocejo daqueles?
- O músico que toca contigo te dá uma bronca no palco, no meio do show?
- Você vai colocar um cartaz em um restaurante para divulgar um show seu e o dono do estabelecimento e o garçom começam a discutir na sua frente (“quem deixou?”, “ora, mas eu pensei que pudesse...”)?
- Te chamam para tocar em um local, de graça, e não fornecem nem ÁGUA (“Infelizmente não tenho como...”)? [Tempos do rock and roll... Novamente, a culpa não é de quem chama, mas de quem aceita!]
- Alguém pede, assim que o show acaba, uma palinha particular no ouvido – “canta por favor essa que eu tanto gosto, só para mim!”? Um pedido de um show a capella, e particular, ainda por cima... [Isso não aconteceu só uma vez!]
- Você vai cantar em um bar e simplesmente tem que fazer QUATRO sets? (!!!)
- O dono do estabelecimento onde você está tocando cai em cima de você e de todos os músicos, ocupado que está em sair aos socos com um cliente?
- Um músico pede que você o substitua em uma apresentação em um barzinho – mas, de quebra, pede: “Ah, aproveita e pega com o Fulano [dono do local] a grana que ele ficou me devendo da semana passada!”? [Que programão! Tocar em um lugar onde o dono fica devendo aos músicos! Bom sinal!]
- Te ligam (ligação a cobrar) para tocar ganhando couvert, e ainda pedem que você faça a produção (chamando outros músicos, organizando o transporte)?
- Alguém vai dar uma canja e canta oito músicas?
- Os cartazes que você colou em Santa Teresa começam a sumir? [Melhor acreditar que é algum fã, ao invés de pensar que é alguém que não pode te ver nem em foto!]


terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Lírica

Lembro que quando era pré-adolescente (já fanática por música) estranhava quando alguém dizia que gostava de alguma banda por causa das letras. Se algum amigo falasse que amava Legião Urbana e só mencionasse as letras do Renato Russo, sem comentar sobre a parte musical, eu achava (e verbalizava) o seguinte: “Ué, mas não é música? Texto é coisa para livro. Música é som, pô!”. Chegava a ficar ligeiramente indignada – garota enxaqueca! –, afinal o que me importava não era nada disso, eu só queria saber do som. Ficava muito impressionada quando um amigo, fã do Bad Religion, dizia “ah, nem gosto tanto assim do som, mas as letras são tão boas, políticas”. Eu achava que “certo” era pensar como eu, que me interessava pela melodia, antes de qualquer coisa. Letra era consequência. E por eu ter esta relação com a música, acreditava ser um pouco equivocada a preferência pela letra, ou a hipervalorização desta. Uma visão de música bastante radical, especialmente para quem nem mesmo ouvia música instrumental e amava música pop. E mais radical ainda para quem já havia escrito muitas poesias e havia desejado ser escritora quando crescesse.
Mantive este pensamento durante alguns anos, e foi engraçado me recordar desta antiga filosofia e constatar que, hoje, discordo bastante dela.
Continuo me deixando cativar mais pela melodia em uma música (não me incomoda se o arranjo for simples, por exemplo, nem se os músicos não forem virtuoses, ou se a técnica vocal não for muito boa). Mas, mesmo continuando a valorizar a melodia antes de qualquer coisa, penso no quanto digo que amo essa ou tal música pela letra, ou no quanto sempre, sem exceções, fico emocionada ouvindo aquela música do Milton – muito por culpa da belíssima letra. Sei que gosto muito, muito mesmo de Caetano e de Gil pela maestria com que unem letra e música. Sei que o que me encanta em “Carinhoso” não é só o que Pixinguinha fez, mas o que João de Barro escreveu também. Fico deliciada ao ver o quanto escrita e música podem se unir em um casamento perfeito.
Há poucos dias tive o prazer de conhecer uma das casas onde morou Fernando Pessoa, e a visita mexeu bastante comigo. Vi seu quarto, sua estante, sua escrivaninha. Vi os desenhos de Aldous Eveleigh, ali expostos, todos eles retratando Pessoa. Mas, principalmente, li suas poesias, escritas nas paredes do centro cultural. E ouvi algumas delas pela boca de atores, músicos e escritores, declamando em vídeo as belíssimas poesias deste cara incrível (um projeto muito bacana, aliás). Saí da Casa Fernando Pessoa com uma constatação pessoal, uma certeza: não há nada mais belo que a poesia – e isso está sendo escrito e pensado por alguém que, depois de não querer mais escrever poesia, começou a ficar com “birra” de poetas. Mas na casa onde morou Pessoa entendi (quase) tudo. Percebi que quando estou lendo um livro e algo de repente me emociona, é porque naquele trecho o escritor fez poesia. E percebi que, realmente, a escrita não tem um papel pequeno em minha vida. Posso ter fugido um pouco do assunto, mas o que quero dizer é que a letra de uma música, para a pessoa que sou hoje, é muito mais do que uma forma de cantar a melodia sem ser por solfejo.