terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Prazo de validade

No post anterior abordei a questão da beleza no mundo (comercial) da música.
Agora quero pensar-escrever sobre a questão da idade neste mesmo meio.
Falar sobre idade pode ser dolorido para algumas pessoas – afinal, nem para todo mundo pensar sobre o passar do tempo é algo tranquilo. Mas acho que bom mesmo é colocar este assunto na roda. Afinal, por que não encarar algo tão real? Ficar mais velho é algo democrático, pois acontece com todos os que permanecem aqui, na jogada – só quem sai antes não passa por isso. Mas se estiver em campo, vai ter que enfrentar. Vamos lá!
Algumas pessoas acreditam que existe uma idade-limite para ser artista. Mais especificamente, pois posso falar de cadeira, acreditam que existe uma idade-limite para que um cantor fique famoso (esta palava é meio brega, tenho sempre vontade de colocar aspas). É preciso “aparecer” ainda fresco, juvenil, novinho. Este pensamento tira do foco a qualidade do que está sendo feito e cria uma preocupação em “correr atrás do tempo perdido” (para quem ainda não “chegou lá”) e talvez também exerça uma pressão para quem é muito novo e ainda está pensando na possibilidade de seguir a carreira musical. (Lembro que certa vez li na revista Rock Press que o Peter Buck, guitarrista do R.E.M., tinha começado a tocar guitarra em uma idade “no mínimo avançada”, segundo o autor do texto: aos 21 anos. Fiquei chocada. Aquilo era considerado muita idade? Deve ter sido por isso que comecei, cheia de pressa, a tocar guitarra aos 12 anos, mesmo que até hoje não me dedique a isso – teria sido muito melhor ter começado a tocar mais tarde e ter feito a coisa direito, que nem o Peter Buck, né?)
Não acredito neste pensamento. Por que a idade seria uma trava? Não entendo. Não é sobre arte que estamos falando? Ou sobre a profissão de modelo? (Bem, os artistas que mais vendem atualmente, de fato, são quase modelos: muitas fotos para capas de revista, imagens gigantescas nas Lojas Americanas, outdoors, muita publicidade para alimentos, cursos e produtos estéticos – opa, tudo a ver!) A arte permite tanta coisa, é tão aberta e possível que acho absurdo que algumas pessoas queiram restringi-la a poucos, fazendo desta algo puramente visual, no pior dos sentidos (bem distante do sentido visual das artes plásticas!). Com certeza muitos dos artistas ainda desconhecidos que não são jovens o bastante para os critérios do mercado se sentem desestimulados e decepcionados com tamanha futilidade na área que tanto amam.
Falando sobre mim neste quesito idade, é interessante ver que até com artistas independentes e nada famosos como eu há uma pressão neste sentido: alguns conhecidos já se referiram à minha avançadíssima idade – 30 anos agora – como se isso fosse um sinal de fracasso (por eu não ser “famosa”). Esta inclusão involuntária no rol dos fracassados não me agrada nem um pouco, e é claro que declino (intimamente) do convite para entrar neste clube. Não me sinto mal por não ter 15 anos, não me sinto velha – apesar de às vezes brincar que sou velhinha por adorar ficar em casa – e nem acho que esteja errada por não ser famosa. Não me pressiono para fazer meu trabalho focando em ser “famosa” da forma como esperam. Acho que às vezes é até frustrante para algumas pessoas saberem que meu foco é ter credibilidade e uma carreira sólida. Isso deve parecer sem graça, talvez, e pouco ambicioso – como se exatamente ter credibilidade e solidez não fosse uma enorme conquista! Contei isso para mostrar que existem vários níveis desta pressão que menciono e esta é sentida até por quem está fora da roda viva da fama.
Engraçado como lembro que esta questão de idade sempre me incomodou. Sempre pensei: isso é algo tão efêmero; as pessoas que se fiam muito nisso estão se arriscando demais. E a decepção, quando a juventude passar? O que irá restar quando isso acontecer? .
Não acredito muito em idade como impedimento para quase nada. A cada dia que passa vejo mais e mais pessoas provando que é possível realizar coisas incríveis em qualquer idade. E principalmente na arte.
Já mencionei aqui em um post (onde falava sobre algumas pérolas que já ouvi) que certa vez uma pessoa sugeriu que eu investisse no filão da Wanessa Camargo, por eu ter “cara de menina”. Quanto tempo aquilo duraria? Um ano? Dois anos? É a tal da questão do efêmero. E acho que a arte nada tem de efêmera. É tão incrível que dura muito mais do que nós. Isso é que nos motiva a deixarmos nossa marca, a fazermos bonito (referência ao título do post anterior) para que nosso trabalho fique muito tempo por aí, encantando e emocionando outras pessoas.
(Impossível não pensar que talvez este assunto - idade dos artistas -, de tão raso, talvez nem devesse ser mencionado. Mas estou me contradizendo. Como escrevi no início, vamos dialogar!)

sábado, 11 de janeiro de 2014

Fazendo bonito

O que é um ídolo?
Uma pessoa jovem e linda? Alguém com cara de artista?
Mas o que é isso, “cara de artista”?
Pensemos nos grandes artistas do Brasil. Alguns dos que admiro muito, por exemplo: Zé Ramalho, Caetano Veloso, Erasmo Carlos, Ednardo... Será que eles têm “cara de artista”? Acho que têm mais cara de pessoas “comuns”, mesmo. Cara de nossos vizinhos. E o que são? Grandes compositores, ilustres participantes da música brasileira. Já deixaram seu legado, já escreveram suas histórias na MPB. E, apesar de tudo o que são, será que estão errados? Será que deveriam ter mudado de visual? Ou será que deveriam ter desistido antes mesmo de começar, por não parecerem artistas?
Qual é a aparência de alguém que tem “cara de artista”? E por que diabos isso deveria ser importante? Isso influencia a música que está sendo feita? O momento quando produzimos arte sofre influência de nosso aspecto físico? Bem, talvez sim – se a arte que fazemos reflete o que somos, talvez até a aparência entre na jogada nesta hora –, mas será que ela é melhor ou pior dependendo de nossas carinhas?
Alguns amigos já me deram toques muito bacanas sobre eu usar uma maquiagem para que meu rosto não ficasse apagado no palco, ou sobre eu usar roupas que tivessem mais a ver com minha identidade, que dissessem mais sobre mim. Gostei dos toques: vez ou outra me maquio; vez ou outra tento usar uma roupa mais adequada ao meu estilo. Digo isso para deixar claro que, para mim, a questão da aparência não é um tabu. Me considero até vaidosa demais (uma vaidade bem ímpar e pouco aparente, é verdade). Mas o que me desagrada é a aparência exigida por produtores, empresários, gravadoras; aquela ligada a um produto, mercadológica – portanto, vazia. Nunca sofri este tipo de pressão, e não sei sofrerei algum dia. Mas fico bastante contrariada ao pensar que esta questão pode ser tão importante quanto – ou muito mais do que – aquela do talento, da musicalidade.
Parece que só a beleza unânime é aceita. Ok, o exótico/extravagante ainda é permitido, mas mais no meio do rock ou em outros ambientes um pouco mais livres. A grande mídia exige (e nós nos acostumamos a exigir também) artistas lindos, bem arrumados, com aparência limpa e bem cuidada. Assepsia artística. Afinal, um cantor extremamente “feio” e desarrumado nos tiraria da zona de conforto. Nos obrigaria a procurarmos suas qualidades verdadeiras. Teríamos que pensar sobre isso, e teríamos que chegar à conclusão de que aparência não é nada. Perigoso. E, ainda por cima, teríamos que lidar com a realidade, com a qual já lidamos todos os dias, no espelho, nas ruas. Na hora de sentarmos em frente à TV, queremos esquecer da vida lá fora: estranha, tão cheia de pessoas diferentes, cada uma com um jeito, com manias esquisitas... Lembro que um amigo, que trabalha com atores de TV, me disse que infelizmente neste ramo a beleza e a magreza são importantíssimas, porque até mesmo os espectadores acima do peso, por exemplo, não querem se ver na tela (grandes atores com sobrepeso, por favor, encaminhem-se para o teatro, local onde se aceita gente “diferente”, estranha, maluca, libertina etc. Ah, e talentosa também, mas isto é só um detalhe). Não querem olhar para um ator obeso: querem ver na novela o ideal de beleza, para que se sintam bem longe da realidade. Ou seja, acabamos jogando contra nós mesmos. O normal agora é ser perfeito. Fora disso, é a anormalidade. E esta nossa anormalidade, tratemos de varrê-la para debaixo do tapete. Nossos quilinhos a mais, nosso rosto que não é de beleza clássica. O nariz grande, os fios brancos... Tudo isso são deficiências. E me parece que na grande mídia não há espaço para detalhes tão sórdidos como nossas características marcantes.
(Existem ainda muitos artistas que saem do padrão. Mas me parece que a exigência de uma aparência perfeita está crescendo desmesuradamente nos últimos anos. Acredito, é claro, que nesta época de tantas mudanças e pequenas grandes revoluções que vivemos, esta questão seja cada dia mais abordada, mudando muitas cabeças e levando à liberdade e ao fim da imposição de apenas uma estética. Mas a mídia informal, que tem disseminado tantos textos e artigos sobre a beleza livre de padrões, ainda é pequena quando comparada às TVs e aos jornais físicos.)
Aparência é algo rápido (e não só no sentido de mudar com o passar dos anos): é aquilo que vemos logo de cara, o raso, o externo. Acredito que esta importância de se cultivar a aparência seja uma forma de não nos aprofundarmos no conteúdo. Se a embalagem estiver muito boa, fiquemos nela. Para que abrir? Talvez o que haja do lado de dentro não seja nada interessante. Permaneçamos, então, no rosto, no corpo.
Tão diferente da verdadeira beleza. Aquela que podemos olhar, olhar e olhar, investigar, sem nunca enjoarmos. Ela é resistente e perene, podemos abrir sua embalagem e encontraremos um conteúdo que não irá nos decepcionar. Uma de minhas frases favoritas, do matemático e grande pensador Newton da Costa, a define bem: “a verdadeira beleza resiste à familiaridade”. O realmente belo não tem medo de acabar e deixar de sê-lo, pois é imortal. Como a obra de Chiquinha Gonzaga, Dominguinhos, Jackson do Pandeiro, John Lennon... Lindos, todos.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Mais agitado, mais animado

Pedi para o DJ uma “música mais animada”, pois “tava muito parado”. O coitado ouviu e nem foi grosseiro - talvez já estivesse acostumado com gente inconveniente. Isso foi na festa Loud!, e eu tinha 17 ou 18 anos. Hoje em dia sei o quanto isso é chato, pois sinto na pele esta pressão, vinda do público ou de contratantes. Jamais faria algo parecido de novo.
Lembrei de falar neste assunto pois cantei anteontem em uma festa fechada e em certo momento o produtor disse que os convidados queriam músicas mais animadas. Pensei: opa, este assunto precisa ser abordado. Afinal, este tipo de pedido é uma constante na vida de quem canta na noite ou em eventos.
Em 2009 cantei em uma choperia na Lapa. No repertório, muitas bossas (majoritariamente), depois sambas, no fim alguns forrós. Poucos dias depois (ou no dia seguinte) o grupo com quem me apresentei recebeu um e-mail da produtora da casa. Tínhamos mais dois shows marcados além daquele, mas só o faríamos caso “animássemos” mais nosso repertório. Resultado: tive que aprender várias músicas em uma semana, no maior desespero, e o show (sem meias palavras) ficou uma farofada só; sem sutilezas, só pancada, apelando para sambões e sambas enredo – nada mais ameno, nada mais suave e suingado. Fizemos estritamente a vontade do público e dos produtores da casa. Perdemos a identidade naquela noite, viramos outro grupo. Tudo isso para ganhar um cachê nada bom - mas isso é o de menos. Pior mesmo foi ter que fazer diferente do que queríamos por pura pressão, descaracterizando nosso trabalho. É claro que por um lado foi interessante, por ser um desafio (memorizar letras, melodias, fazer algo que eu nunca tinha feito), mas talvez devêssemos ter dado uma negativa, e ponto final. Não iríamos perder grande coisa, mesmo – como disse, o cachê era uma “beleza” –, e não fugiríamos de nossa proposta.
Certa vez, enquanto cantava a belíssima “Sampa”, percebi o olhar desconcertado da contratante, que veio me pedir ao ouvido que eu cantasse músicas mais animadas. Pensei: ela não havia me chamado para que eu cantasse o meu repertório? Para aquela apresentação não havia acontecido nenhuma comunicação neste sentido; nenhuma recomendação sobre o tipo de música que eu deveria cantar. (Aceito encomendas – na verdade, adoro. Há duas semanas cantei em um evento para o qual pediram – com antecedência, como é o correto – que eu cantasse “Gracias a la vida”, de Violeta Parra. Ouvi bastante a canção, pude estudá-la. Acabou sendo uma das músicas mais lindas que já cantei.) Mas por que chamar um artista e pedir que ele faça de outro jeito? Ora, é mais fácil chamar outro artista, pois certamente ele fará diferente. Me chamar para um evento para que eu seja outra pessoa, outra cantora? Não vejo sentido nisso. Melhor chamar – no caso desta ânsia em animar o ambiente – uma banda de baile, ou um cantor focado em músicas animadas. Não é o meu caso. Adoro cantar um forró, um samba do bom. Mas também gosto de cantar “Romaria”, “A história de Lily Braun”, “João e Maria”...
Vejo um desespero neste sentido entre os donos de bares e os produtores. A Lapa, local onde estão as casas mais preocupadas em angariar clientes - a qualquer custo -, está se tornando um reduto perfeito para esta ditadura das músicas animadas. A lei parece ser aquela de agitar o ambiente a qualquer preço, mesmo que este preço seja a qualidade das músicas.
Sou festeira e também adoro uma bagunça; adoro dançar e curtir músicas animadas. Mas às vezes penso se não é mais adequado ouvir uma música mecânica; colocar no computador uma seleção bem variada de músicas agitadas e curtir sem problemas. Não haverá decepção, neste caso. Pois quando você se propõe a contratar um grupo para a sua festa, precisa lembrar que está lidando com seres humanos, que por sua vez terão um jeito específico, uma proposta específica, uma identidade. Há o risco de decepção com o repertório; há o risco de intervalos entre as músicas; há o risco dos músicos não saberem exatamente aquela música que você tanto queria ouvir...
Os melhores shows que já vi não tiveram esta preocupação de “agitar” ninguém. Os artistas fizeram o que queriam, tocaram as músicas que sentiram vontade de tocar. Fui a um show do Caetano, em Niterói, no final do ano passado, e fiquei impressionada com a quantidade de baladas que ele tocou, aparentemente sem se preocupar com o que nós, o público, iríamos achar daquilo. Fez o que queria. E foi maravilhoso (“Ei, Caetano, agita isso aí! Tá parado demais” Imagina?). O irônico é que o Caetano é um dos artistas mais criticados por aí – e (exatamente por isso?) é um dos que menos parece se importar com a opinião do público. A pressão que ele deve sofrer, aliás, é mil vezes maior do que a pequena pressão que vez ou outra fazem em mim. Mas é interessante pensar em como ele adquiriu esta liberdade. Será que conquistou com o tempo, com a experiência? Ou é algo inato? Só sei que é inspirador vê-lo cantando o que quer, resgatando músicas totalmente “lado B” ou cantando as novas composições, ainda um pouco desconhecidas.
É preciso coragem para se afirmar como artista, pois existirão milhares de pessoas querendo que você faça outra coisa, de outro jeito. Que você seja mais vendável, menos tímido, mais popular, mais comunicativo. Que você cante o que a rádio toca. Que você “agite a festa”.
Cantar o que você gosta, ser fiel à sua identidade (que pode mudar todos os dias) exige rigor consigo, firmeza para negar propostas desconcertantes.

Acredito, sim, na flexibilidade e nas concessões, mas acredito também no respeito ao trabalho do artista e no nosso valor, que existe exatamente quando sabemos o que queremos e firmamos um compromisso com isso.