Há alguns dias fiquei sabendo que o rapper Criolo
teve um problema: foi acusado de plágio. Sua canção "Linha de frente",
segundo o compositor Armando Fernandes, seria plágio da composição
"Tristeza pé no chão", de autoria de Mamão (nome artístico de
Armando), gravada por Clara Nunes em 1973.
Situação muito chata, essa. E, comparando as duas
canções, de fato ambas são bastante semelhantes - o início, por exemplo, é crucial.
Bom, mas parece que os dois compositores
conversaram sobre o assunto e tudo se resolveu numa boa. Tomara que tenha sido
assim - melhor para todo mundo, né?
Por que abordo este assunto? Porque é delicado.
Porque a palavra plágio nos remete a uma coisa péssima. A algo antiético. Coisa
de pessoas com desvio de caráter. Pô, roubar a música de outra pessoa, que cara
de pau!
Mas não penso que seja sempre necessariamente
este o caso: uma sacanagem descarada. Pelo contrário.
Acho que estamos, todos nós que fazemos música,
suscetíveis a isso. Sim! Acho que qualquer um de nós pode, algum dia, compor
uma música, crente que está arrasando, e depois perceber, da pior forma
possível, que simplesmente imitou a música de alguém, sem perceber. Sem más
intenções.
Muitas vezes, graças a Deus, percebemos isso
quase que imediatamente. Fazemos uma melodia e vemos: “opa, já existe”. Perfeito.
Mas pode acontecer depois, já com disco gravado – você lá, totalmente feliz com
seu trabalho, achando que está tudo bem, e vem uma bomba dessas. Imagina? Pois
é. E, ainda por cima, contar com o julgamento de todos, que presumem que você
fez aquilo de propósito, no maior mau-caratismo.
Estes dias estive na casa do compositor Arildo de
Souza e ele me disse que, quando compõe, sempre grava a canção e a deixa “de
molho” por uns meses até ter certeza de que aquela canção é dele, mesmo, e não
a repetição de algo que já tenha ouvido, mesmo que apenas em um trecho. Esta é a
forma como Arildo lida com esta questão. Mas vários compositores não fazem
desta forma. Compõem e seguem em frente, sem pensar muito naquilo que já ficou
pronto. E pode acontecer esta situação de acusação de plágio – com os
compositores cuidadosos e com os que não são. Pode acontecer. Por isso acho importante que sejamos minimamente compreensivos.
Não sei nada sobre o Criolo (para escrever este
texto fui reler as matérias de jornal sobre o caso do plágio e deu vontade de
ouvir mais do seu som. Tô ouvindo o show dele no Circo Voador pelo YouTube enquanto
escrevo – bem legal); não faço ideia de como seja a pessoa dele, noção alguma,
zero. Mas, de verdade, acredito que esta semelhança de “Linha de frente” com “Tristeza
pé no chão” tenha sido um infeliz caso de assimilação inconsciente da melodia
do compositor Mamão. Não creio que Criolo seja tão maluco a ponto de plagiar
uma canção tão conhecida, de uma cantora tão conhecida, como se isso não fosse
dar dor de cabeça nenhuma. Teria que ser muito inconsequente, mesmo.
Na minha humilde opinião seria bacana se evitássemos (público e
músicos – principalmente músicos, e, mais principalmente ainda, compositores) o ataque a nossos colegas de profissão, aos artistas que admiramos,
àqueles que não admiramos também. Partamos do princípio de que nossa própria
cabecinha também pode nos pregar esta peça, nos fazendo acreditar que somos os
autores de algo que ouvimos certo dia, andando na rua, em um aparelhinho de
rádio ao longe, sem percebermos.
(Até hoje prefiro acreditar que Rod Stewart não
fez de propósito ao colocar no refrão de “Da Ya Think I’m Sexy” a mesma
sequência de notas do refrão de “Taj Mahal”, de Jorge Ben. Como o próprio Stewart
disse: “Unconscious plagiarism, plain and simple”. Prefiro dar o benefício da dúvida.)