domingo, 26 de outubro de 2014

Descontrole não é caos

                 Nos dias 22, 23 e 24, aconteceu no Espaço Sesc, em Copacabana, a oficina “Descontrole não é caos”, coordenada por Suely Mesquita. Nós, 20 cantores populares selecionados para esta incrível oportunidade, tivemos 30 horas para pirar e ao mesmo tempo focar. Conscientizar e deixar rolar. Se jogar! “Mico é vida”, disse Suely. Era aquele o momento onde nós todos não podíamos apenas ter boas vozes. Era preciso mais. Era preciso tentar entrar em contato com a própria essência, sem medo.
Cada solista deveria escolher uma canção para ser trabalhada. Escolhi propositalmente uma canção que nunca havia cantado, e, é claro, começou a bater um pânico de dar branco na hora. Ao final do 1º dia de oficina (eu só cantaria no 2º e 3º dias), expus minha preocupação a Suely, que me deixou totalmente livre para escolher outra, mas ao mesmo tempo disse algo fundamental para que eu permanecesse com a mesma canção: “Se o branco for uma questão importante para você, faça, pois aqui é o espaço para trabalhar exatamente este tipo de coisa”. Taí: esta forma de abordar o branco (e nervosismos em geral) era inédita. E libertadora.
Fiz o “Choro sem parcimônia” duas vezes e pude saber de algumas coisas que demoraria bastante para descobrir sozinha. Que posso colocar mais comicidade e alegria nesta canção sarcástica que lamenta e que ri de si. Que posso explorar mais o palco. Que posso compartilhar mais com o público e que é interessante que as pessoas entendam esta história desde o início, pois o texto é muito importante nesta canção quase falada. Que às vezes menos pode ser mais, é que uma expressão corporal menos expansiva pode, ironicamente, fazer a cena e a intenção crescerem (e foi o que senti).
Suely nos dizia sempre que necessário: “A perna treme? Deixe tremer.” “Use suas mãos trêmulas na canção, coloque esta tensão no que você está fazendo.” “Não tente ignorar o nervosismo, nem fingir que não está acontecendo.” Mas quando nossa vizinha maluca – aquela vozinha chata que nos atormenta quando estamos inseguros: "vai errar! vai errar!" – começar a querer aparecer, aí sim, ignore. Deixe falar, sem dar atenção.
A cada apresentação dos solistas, os outros solistas e os ouvintes escreviam bilhetinhos para dizer o que achavam de bom na apresentação e também o que podia melhorar. Não jogo estes bilhetinhos fora nem que me paguem: são como o mapa da mina.
Tantas coisas ficaram e ainda vão reverberar muito, tenho certeza.
Zélia Duncan cantando “Nega música”, me dando saudades do Itamar (momento de escrever “choro preso” no grande mural de papel onde registrávamos nossas sensações e percepções).
Bethi me dando a mensagem: brinque mais! Música é para brincar!
Adriana me dizendo: procure o chão, plante os pés, conecte-se!
E um ponto muito importante que enxerguei neste curso: vi ao final destes três dias de curso em intenso contato com outros 19 solistas que muitos de nós temos (ou tínhamos) medo de mostrar aquilo que criamos. Muitos compõem, mas têm vergonha de mostrar as próprias canções. Me incluo nisso: tenho escrito pouco, e este pouco não mostro a ninguém. Ao final do curso, nos reunimos na casa de um dos solistas e ficamos cantando, curtindo e conversando, e foi o momento onde alguns cantores conseguiram mostrar um pouco do que faziam. Em um ambiente de festa, ficaram mais à vontade para “confessar”: eu componho. E olhe só esta minha canção. 
Descontrole não é caos. E “controle não é cais”, como um dos participantes muito bem escreveu no mural de papel. Deixe sair do tom, esqueça a letra, chore sem culpa, ria à vontade. Mostre sua música.
Se deixar descontrolar é se encontrar.





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