segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Mateus Aleluia - um encontro




Semana passada fui assistir à peça de um amigo no Sesc Ginástico. Vendo os cartazes com a programação do mês de novembro, não acreditei: Mateus Aleluia, ex-Tincoãs, iria se apresentar naquele mesmo teatro, na semana seguinte.
Sou fã incondicional dos Tincoãs e fiquei animadíssima. Havia pensado, pouco antes de saber deste show, que se algum dia quisesse conhecer o único remanescente dos Tincoãs (ao menos o único que gravou discos com o grupo – Erivaldo Brito, da primeira formação, não chegou a gravar nenhuma faixa com os Tincoãs) teria que ir a Angola, onde ele morava. Depois descobri que ele estava atualmente na Bahia. Mais perto, que bom! Mas saber que ele estaria aqui, no Centro do Rio, em um show com entrada franca, ainda por cima, foi só alegria.
Mateus, um verdadeiro príncipe no palco, todo vestido de branco, mostrou uma apresentação muito diferente daquilo que costumo ver. Quando saí de casa, pensei que às 20h15 ou 20h30 estaria “liberada”, pois o show estava marcado para as 19h. Mas a apresentação foi até as 21h30, e eu, que a esta altura já havia entendido que aquilo que acontecera também era uma forma de esquecermos o tempo lá fora e nos entregarmos, não iria embora antes de poder dar um abraço neste homem que, com sua voz grave e sua percussão, abrilhantou canções dos Tincoãs como “Canto e danço pra curar” e “Promessa ao Gantois”, verdadeiras pérolas, e que havia me dado um grande presente naquela noite.
Foi impossível conter as lágrimas ao ouvir Mateus cantar “Cordeiro de Nanã” ou ao ouvi-lo falar sobre paz e a força do bem. Foi impossível não ficar impressionada com aquela palestra musical (este, aliás, é o termo utilizado para definir o projeto; a proposta é esta, e não um show convencional) onde a sutileza era marcante e onde a informalidade (termo utilizado pelo próprio) proporcionava um gostoso clima de conversa – mesmo que a presença de Mateus impusesse uma solenidade e um respeito inquebrantáveis.
Falo de sutileza porque aquela grande banda (em quantidade e qualidade) – uma voz feminina, uma percussão, um baixo acústico, uma guitarra e dois sopros – em muitos e longos momentos apenas aguardava o comando de Aleluia, que contava suas histórias sobre a África com toda a tranquilidade e as recortava com canções em dialetos africanos, ou o “Samba da benção” e até “Deixa a gira girar” (um carinho para os fãs dos Tincoãs). Todos eram grandes músicos, indubitavelmente, pois respeitavam o conceito do show e a força/delicadeza deste. Tudo aparecia na hora certa: não havia excessos, mesmo que algumas músicas tivessem uma forma cuja repetição era quase mântrica.
Na metade do show, Mateus chamou ao palco um amigo da Bahia, que nos contou sobre o Recôncavo Baiano e as tradições religiosas da região (em especial, o cortejo em homenagem à Nossa Senhora da Boa Morte), e logo depois um pequeno documentário foi projetado no palco. Sim, saí de casa para ver Mateus Aleluia e voltei com o seguinte saldo: conheci histórias, ouvi lindas músicas, assisti a uma palestra e vi um filme.
Tirei foto com Mateus, dei meu CD a ele – que, simpaticíssimo, pediu um “chamegão”, ou seja, um autógrafo (EU dei um autógrafo a Mateus Aleluia, acho que invertemos a ordem das coisas!) – e saí do Sesc Ginástico pensando que este grande artista, que desde a década de 70 está fazendo música da melhor qualidade, de fato merece todo o respeito e reconhecimento que tem. Merece, também, muito mais conhecimento por parte das pessoas: o teatro do Sesc Ginástico deveria estar lotado, apinhado de gente. Mas isso é assunto para outro texto.
O amigo de Aleluia que falou sobre o Recôncavo, pouco antes de terminar sua fala, disse que na opinião dele os músicos estavam mais perto de Deus. Não sei se concordo 100% com isso, pois não gosto muito de pensar que os artistas são especiais, melhores do que os que não produzem artisticamente, apenas por serem artistas. Mas acredito que Mateus Aleluia, sim, está tão conectado com sua espiritualidade (que é evidente em sua música e até em suas palavras) que nos leva com ele nesta viagem, neste encontro com o que temos de melhor dentro de nós. Criou-se ali um universo de magia e religiosidade, um ambiente onde sentia-se a música em sua forma mais conectada com nossas almas – e esta maneira de fazer arte é uma forma que me agrada muito. Conectar, nos tornar mais humanos ao nos levar para perto do que temos de mais sensível – ou seja, aquilo que temos de melhor.