terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Pensar 2015 para se reinventar em 2016

Recordar é reviver. O que fiz em 2015?

Janeiro:

- No dia 2 foi ao ar minha entrevista para Tiago Alves, do Armazém Cultural, programa da MEC AM.
- Gravei um vídeo cantando “Jogo da vida”, canção de Dudu Godoi, com o próprio, no quintal aqui de casa. Comecei bem o ano.
- Participei do show de Silvan Galvão no IFCS, belíssimo show.
- Participei do show de Silvan Galvão na Rua do Mercado.

Fevereiro:

- Me apresentei com o Coletivo Cavalo Preto no Eco Som. Cantei “Cabotino coco” e contei com Claudia Montelage, Juliana Peres e Monalise Monteiro na percussão.

Março:

- Participei do show de Silvan Galvão no Leviano, na Lapa.
- Saiu uma bela entrevista minha no jornal A Nova Democracia. Grata, Rosa Minine!
- Último show do CD Temperos no Centro de Referência da Música Carioca Artur da Távola. Lindo lugar! Cantei “Manera fru fru”, do Fagner. Amei! E este show teve direção cênica do incrível Victor Seixas.

Abril:

- Cantei no Espaço Aqua no show do Cavalo Preto. Contei com o querido Xandão Fernandes no violão.
- Participei do show de Silvan Galvão no Bola Preta.
- Eu e Claudia Holanda montamos o show Tudo quer viver, e o estreamos no Godofredo. Cantamos várias músicas da Claudia e outras várias de Cátia de França. Contamos com André Barros no violão e Ana Sucha na percussão. 

Maio:

- Cantei com Claudia Holanda na apresentação do Cavalo Preto no Espaço Aqua.
- Participei do programa Show de bola, na Rádio Tupi, ao lado de Xandão Fernandes, Carol Faria e Silvia Tardin.
- Participei do show de Silvan Galvão no La Carmelita, na Lapa.

Junho:

- Participei do show de Dandara Ruffier e Evan Megaro no Beco das Garrafas.
- Eu e Silvan Galvão montamos o show Paneiro paraense, que estreou dia 28 deste mês no terraço do Parque das Ruínas. Foi um lindo fim de tarde, com convidados especiais (Laura Canabrava e Marcelo Ceará) e uma lua estonteante para encerrar.

Julho:

- Me apresentei com Claudia Holanda no show Tudo quer viver, desta vez no projeto Quartanauta, de Leo Rivera. Teatro Popular Oscar Niemeyer, Niterói. Teve participação do Rio Pandeiro para fechar o show, foi demais. E saíram duas matérias sobre o show, no O Fluminense e no A Tribuna.
- Participei do show de Dudu Godoi no Costa Brava (evento Sexta Cultural).
- Matéria no jornal O Dia sobre artistas paraenses no Rio (Silvan Galvão) e artistas cariocas (eu, Cissa de Luna) disseminando a música do Norte por estas bandas.

Agosto:

- Gravei um vídeo da canção “Pendure as armas”, com Dudu Godoi e Cacá Guifer.
- Participei do show do Forró de Rabeca, na Rua do Ouvidor.
- Participei do Sarau do Cahon, em Itacoatiara.
- Participei do show de André Gardel, no Semente.
- Matéria no jornal Diário do Pará, onde artistas do Rio de Janeiro (eu, Cissa de Luna, Noites do Norte) falaram sobre a influência da música amazônica em seus trabalhos.

Setembro:

- Gravei o vídeo de “Beije” com o amigo Thiago K, no Parque Trianon.
- Cantei com o Terno de Grupo, em Jundiaí, em dois shows no mesmo dia. Recomecei minha parceria com Sandro aí.

Outubro:

- Eu e Silvan novamente fizemos acontecer o Paneiro paraense no Parque das Ruínas.
- Gravei em vídeo três canções em voz e violão com Sandro Dornelles, “Volta e meia”, “Lumiáfora” e “Do encontro à despedida”.
- Cantei com o Terno de Grupo em Várzea Paulista.
- Gravei vocais no CD de Alvinho Lancellotti, ao lado de Laura Lagub e Maíra Garrido.
- O projeto que eu fiz (orgulho!) passou no edital do Centro Cultural Justiça Federal. Ou seja: em 2016 haverá duas edições do show Paneiro amazônico no CCJF. Sim, o nome mudou, mas ainda é o meu projeto com Silvan Galvão, de carimbó, guitarrada, lundu e toada.
- Cantei no Festival da Canção Francesa, promovido pela Aliança Francesa. Cantei “Battez-vous”, do grupo Brigitte, e fiquei em segundo lugar na semifinal.
- Resenha positiva do CD no site Ziriguidum.
- Cantei no Festival de MPB de Ilha Solteira ao lado de Sandro Dornelles. Não ganhamos prêmios. Descobri um festival incrível, cheio de talentos. Eu e Sandro gravamos um vídeo da canção “Samba do pé”, em uma das ruas de Ilha.

Novembro:

- Participei do Fejacan (Festival Jacarezinhense da Canção) novamente, desta vez ao lado de Sandro Dornelles, e em duas canções.
- Cantei novamente com o Terno de Grupo no Sakura (Várzea Paulista).

Dezembro:

- Cantei com o Terno de Grupo de novo, em Jundiaí, para fechar o ano.  
- Fiz um show aqui em casa com o violonista André Barros. Foi show + lançamento de dois livros do Alex Frechette. Eu já queria fazer isso há tempos, e a experiência foi muito boa. Três amigos ajudaram a filmar a primeira canção do show e fizemos um vídeo bacana, que foi editado prontamente e disponibilizado no dia seguinte. Fechou o ano!

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O que não fiz? Bem, não consegui lançar o livro deste blog, que era um plano para o final de 2015. O livro sairá apenas depois do carnaval do ano que vem. Mas fiquei feliz por revisar, fazer a seleção dos textos e entender que, de fato, este vai sair! E será o primeiro de muitos.

O que entendi? Que com parcerias a vida fica quinhentas vezes mais fácil. No que diz respeito ao meu trabalho musical, creio que esta tenha sido a lição mais valiosa: as parcerias fazem com que as coisas não sejam sacrificantes, penosas. Podemos fazer esforço, trabalhar, suar, sem sofrer. Podemos realizar muitas coisas sem ir à falência, sem ficarmos com vontade de desistir de tudo depois de tanto se esfalfar. É claro que ainda tenho algumas resistências e muitos vícios, ainda sigo muitos padrões que dificultam minha vida, mas não posso negar que já consegui realizar várias ações de forma muito mais leve.

Para 2016 espero poder me dedicar ainda mais ao que faço, e sem me preocupar muito em me divulgar, em fazer a produção executiva. É claro que precisamos ser multifuncionais por uma questão de sobrevivência, mas que isso nunca sufoque a parte artística. É preciso cuidado e equilíbrio.

E que em 2016 eu consiga ser ainda mais proativa, cara de pau e corajosa. Como disse Elizabeth Gilbert, que eu consiga amar muito mais a prática de meu ofício do que temer o fracasso, a rejeição ou qualquer outra besteira relacionada a ego. Que eu coloque em primeiro lugar minha realização pessoal.

Bom ano novo para todos nós.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Sobre a colaboração espontânea


Outro dia fui fazer uma participação no show do Forró de Rabeca, lá na rua do Ouvidor, e algo interessante aconteceu. Antes do show começar, fiquei bastante tempo conversando com a Ciça, que faz o trabalho essencial de passar o chapéu pelo público – o show é aberto, então a grana do público tem que ser arrecadada assim – e ela me explicou que, com toda a paciência, tinha que ficar explicando vez ou outra para os frequentadores: “pessoal, é melhor colaborar com R$ 3,00 do que ter que ir para um espaço fechado e ter que pagar R$ 10,00 ou 15,00 para entrar, vamos colaborar para que o show possa continuar acontecendo na rua?” A coisa tinha que ser quase que didática para que funcionasse minimamente bem.
Pouco antes de eu entrar no palco Ciça já estava na função, e eu quis colaborar humildemente. Só tinha uma nota de R$ 10,00 e voltaria de ônibus, então queria doar R$ 6,00 e pegar R$ 4,00 do chapéu, de troco. Alcancei Ciça, que neste momento tentava convencer um rapaz com uma lata de cerveja na mão a colaborar com o forró. Vi rapidamente que o guri risonho se esquivava, fazendo gracejos, e quando expliquei a ela (e não a ele) que eu pegaria o troco - Ciça até disse, gentilmente: “não precisa, você vai cantar!” –, o mesmo rapaz que não estava colaborando ocupou-se rapidamente de mim e disse: “Olha, hein, Deus está vendo! Pegando o troco...”. Apertei uma de suas mãos e, olhando em seus olhos, perguntei: “Você já colaborou?” A resposta: “Se eu colaborei? Não...”
Descrevo este acontecido porque me chamou muito a atenção o fato do rapaz achar ser um tabu o ato de colaborar pegando o troco. Acho que talvez para ele, na verdade, colaborar espontaneamente, em si, já seja algo bem novo e estranho.
Isso me fez pensar muito. Talvez estejamos lidando com a colaboração espontânea de uma forma ainda um pouco envergonhada-desengonçada. A amiga Maga Schüle já havia comentado isso comigo. Perguntei a ela certa vez sobre alguns aspectos de se trabalhar nos metrôs cariocas: qual era o valor mais doado, que tipo de coisas bonitas/grosserias ela e seu parceiro já tinham ouvido, e se os doadores tinham o hábito de colaborar pegando troco. Maga respondeu a esta última dizendo que apenas uma vez isso havia acontecido por aqui. Com esta informação ficou mais uma vez confirmada, para mim, a timidez/falta de hábito/falta de jeito do brasileiro ao colaborar com a arte que se faz na rua/no metrô; a falta de jeito com a colaboração espontânea.
Fiz uma campanha de crowdfunding em 2012 e foi muito bacana. Ainda não havia tantas pessoas se utilizando desta ferramenta quanto hoje, mas consegui arrecadar o valor que havia estipulado. E neste processo notei que vários amigos souberam, deram a maior força, compartilharam, mas, por ainda não entenderem muito bem aquela filosofia, aquela ideia de colaborar com o valor que pudessem, acabaram não colaborando.
Para muitas pessoas, ainda hoje, em 2015, a ideia do financiamento coletivo ainda é um pouco estranha. Colocar R$ 2,00 no chapéu ainda incomoda. A ideia de colaborar na Vakinha ainda não desce muito bem.
É doido, mas parece que preferimos um preço institucionalizado. Preferimos o preço protocolar, preferimos a obrigatoriedade. Por quê? É muito mais interessante, para mim, poder escolher um preço que caiba no meu orçamento e na minha realidade. Gosto muito de colaborar com projetos que ainda vão acontecer; gosto muito de poder ajudar para que um show que acontece em um espaço aberto continue acontecendo.
Seria interessante considerarmos o fato de que é muito mais jogo nos ajudarmos, colaborarmos, do que ficarmos todos insatisfeitos com as poucas opções, ou com as opções caras. Estamos em uma época de grande efervescência cultural, e talvez isso se deva a esta atitude de “colocar o bloco na rua”, em vários sentidos, seja na praça, seja colocando um projeto na roda; e talvez a culpa disso seja essa busca pela ajuda dos amigos e admiradores. Se já está dando certo, mesmo que ainda com bem menos adesão do que poderia ter, imagine o que acontecerá quando a colaboração espontânea se tornar ainda mais... espontânea? 

domingo, 8 de novembro de 2015

O fio

Em 2008 estagiava em uma editora. Eu já cantava na noite, mas não falava muito sobre isso. Em um barzinho, pós-trabalho, estávamos conversando sobre o lançamento de um dos livros da editora, que aconteceria na livraria Argumento, no dia 16 de abril. Meu produtor/parceiro/sócio, Marcelo, estava divulgando bastante o show que eu faria em breve, no Severyna, e de tanto falar sobre o assunto o pessoal do trabalho teve a ideia de me chamar para cantar no dia do lançamento. Cantei três ou quatro canções no tal lançamento. Daí;
Meu primo Pierre Aderne estava lá no dia, me viu cantando e me chamou pouco depois para cantar em uma das faixas de seu projeto, Doces Cariocas. Fiquei felicíssima, e também cantei no lançamento do CD dos Doces, na Modern Sound. Mas um pouco antes disso Pierre me convidou para participar de um sarau na casa de um amigo dele, Gustavo. Fui à reuniãozinha com Marcelo e lá conheci Adriano Siri e Daniel Medeiros (primo do Gustavo), do Fino Coletivo. Batemos papo, voltamos todos de van juntos. Daí;
Chamei Siri para participar de um show meu no Bar do Bonde, em Santa Teresa. Cantei duas músicas do Fino Coletivo com ele ao violão. Daí;
Tempos depois Siri me chamou para participar de um projeto de canções infantis, o Ginjom, ao lado de Daniel Medeiros, Amin Nunes, Luis Militão e Rita Albano. Ensaiamos bastante na casa de Amin. Daí;
Amin me chamou para cantar a faixa “Poeira de estrela” em seu CD de estreia. A gravação aconteceu no estúdio do Daniel. Daí;
Gravei uma faixa avulsa no estúdio de Daniel. Daí;
Daniel me chamou para gravar uns dois jingles que pintaram para ele. Daí;
Alvinho Lancellotti precisou de vozes femininas para seu primeiro CD, O tempo faz a gente ter esses encantos, e Daniel falou sobre mim. Alvinho foi me procurar em um show na praça São Salvador. Laura Lagub, minha amiga, por acaso estava lá, e então a indiquei também, visto que Alvinho queria duas vozes. Daí;
Em novembro de 2011 fui gravar com Laura no estúdio do Daniel as tais vozes para o CD do Alvinho. O trabalho estava sendo feito em grande parte do estúdio do Daniel, e ele era um dos produtores do trabalho. Neste mesmo dia tive a certeza de que queria fazer meu CD com o Daniel, no estúdio dele. Disse isso a ele e marcamos uma conversa. Conversamos e iniciamos nossa pré-produção. Daí;
Dois anos e meio depois nasceu o meu feito mais importante até hoje, meu primeiro CD.
Uma coisa foi levando à outra. Graças àquela proatividade e desinibição de Marcelo (de falar sobre o meu trabalho sempre que possível), tanta coisa bonita rolou. E graças a tantas outras pessoas que toparam parcerias comigo, graças a estas amizades, tanta coisa importante para meu crescimento profissional foi acontecendo. Muitas outras coisas se sucederam neste meio tempo, coisas estas que, sem dúvidas, fazem parte deste fio de coisas boas: cantei no show de André Gardel (para o qual Laura me indicou); cantei no primeiro CD de Adriano Siri, Olha que lindo; cantei há poucos dias no segundo CD de Alvinho, ao lado de Laura e Maíra Garrido; cantei em dois lindos shows de Alvinho como backing vocal; toquei durante dois anos com Luis Militão na Lapa, em um projeto que acontecia uma vez por mês – e por causa disso vez ou outra a banda deste projeto (Militão, Igor Visconti, Rodrigo Sebastian, Paulo Renato e Wilson Meirelles) se reúne para fazer apresentações fechadas super bacanas; comecei uma amizade com um dos compositores presentes no CD, Arildo de Souza, bem como com suas filhas; Laura foi minha preparadora vocal nas gravações de meu CD; retomei o contato frequente com o amigo e compositor Sandro Dornelles após o próprio comparecer ao meu show de lançamento, e em decorrência disso iniciamos um projeto este ano.
Isso tudo só prova que nada acontece do nada, out of the blue. Pelo menos para mim tudo sempre fez bastante sentido: tudo o que plantei, colhi. Todas as minhas ações levaram a reações. É claro que acredito em mágicas, mas penso que estas acontecem justamente quando estou me dedicando e fazendo a minha parte. Não creio que coisas lindas e surpreendentes acontecerão enquanto eu estiver em casa, desanimada e cheia de autopiedade; acho que tudo de melhor acontecerá nos momentos em que eu for mais ativa. E se em um momento foi preciso que o Marcelo desse um empurrãozinho (que de “inho” não teve nada), também foi preciso que eu levasse esta ideia adiante, que acreditasse nela. Foi preciso que eu me deixasse empolgar pela vida de cantora.
Que bom que fiz isso, mesmo com todas as dúvidas, incertezas e inseguranças. Porque o fato é que comprei esta briga, e esta briga tão doce e generosa, que é o cantar, traz cor à minha vida e faz com que eu entenda que há muita razão para comemorar e agradecer.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

O "não" convicto (e o preço idem)

Adoro cantar em festas juninas. É divertidíssimo e, para mim, razoavelmente fácil: forró é um dos estilos que mais gosto de cantar, então me sinto em casa. Desde 2009 venho fazendo isso, e desde então o meio do ano se tornou uma época cheia para mim.
Porém, este ano de 2015 foi diferente. Só cantei dois dias, em uma festa em um grande clube, com os amigos do Severino & Sua Gente. Se eu for comparar com os anos de 2011 e 2012, por exemplo, em que cheguei a cantar algumas vezes em duas festas no mesmo dia, ficando ocupada em junho, julho e agosto, realmente é bem pouco.  Mas o curioso é: este ano fui muito melhor remunerada por estes dois dias. O total não ficou muito abaixo do que eu ganhava no período todo. Ficou abaixo, é claro, mas não foi uma diferença gigantesca.
Isso me levou a lembrar de uma decisão que tomei em 2013: comecei a dizer “não” para alguns trabalhos que não mais me agradavam. Uma grande casa na Lapa foi um destes lugares. Fiz três vezes lá: na primeira, eles erraram a data (os músicos tiveram que voltar para casa, era só no dia seguinte); na segunda vez eles marcaram duas bandas no mesmo dia (de novo voltamos para casa sem tocar); na terceira vez eles pagaram menos do que o combinado (sem comentários). Em todos os dias, algo desagradabilíssimo aconteceu. Então é claro que da terceira vez a gente aprende e nunca mais volta. Lembro, perfeitamente bem, da sensação de “seca” subsequente a esta minha decisão de não tocar neste e em outros eventos onde houvesse forte risco de roubada. Ganhei menos, cantei bem menos. Mas, curiosamente, cantei em alguns poucos eventos que me pagaram bem melhor. E tive bem mais tempo para escrever (iniciei estes textos, que foram e são importantíssimos para mim) e me dedicar ao longo processo de gravação do meu CD. Fiquei quieta, me observando, podendo me analisar e podendo ver, agora de longe, o quão absurdas certas situações eram, e o quanto eu me posicionava fortemente contra estas. Boicotei o que não me agradava, não fui conivente com desrespeitos.
Acho que este momento difícil que foi o de me acostumar a uma nova realidade – onde não mais “pingavam” aqueles valores risíveis dos locais onde eu antes cantava, mas que certamente ajudavam no orçamento, pagando uma conta de luz aqui, fazendo uma comprinha acolá – deu frutos. Ficando mais seletiva e exigente com o que aceitava, fiquei também mais seletiva e exigente comigo. Desta forma, sentia que era certo receber mais pelo que fazia, visto que agora topava situações mais desafiadoras (por exemplo: cantar Jacques Brel, Georges Brassens, Violeta Parra, Aznavour, compositores nunca dantes navegados por mim). Agora que eu estava mais “chata” em relação a mim, sair de casa tinha que ser por um bom motivo, e tinha que ser para estar em um local onde eu seria respeitada.
Esta mudança de pensamento e atitude me levou a coisas muito boas. Gostaria de trabalhar ainda mais do que já trabalho, é claro, mas não posso reclamar do que tenho e do que conquistei com esta firmeza. Dizer não é importante demais na vida de qualquer um. Ainda tenho muita dificuldade em dar uma negativa em várias situações do meu dia a dia, porém já evoluí bastante nisso dentro do meu trabalho. E espero evoluir ainda mais, pois o que ganhei com isso é visível, escancarado.
Obviamente, esta atitude de saber o valor do que faço (saber o trabalho que dá tirar uma canção desconhecida ou cantar um repertório inteiro por encomenda; saber que é caro o tempo dos ensaios e da produção para um evento) pode gerar um “fechar de portas”. Cobro um valor que sei que é justo para fazer eventos fechados, mas nem todos que pedem meu orçamento concordam com este. Creio que não entendam que não trabalharei apenas por três horinhas, no dia do evento, mas por vários dias antes do dia do evento em si: organizando, fechando detalhes, treinando as canções, fazendo telefonemas, trocando e-mails. Poderei ser vista como gananciosa/careira – pois, além de tudo, a música parece ser algo inato, algo que não requer ensaios, nem estudo –, coisa que tenho certeza que não sou, mas estou disposta a pagar o preço (há!) de ser vista assim, pois minha consciência está bem tranquila em relação a isso. Algumas pessoas nunca mais me procurarão, por me acharem cara demais, e não há o que fazer sobre isso. Mas este “fechar de portas” fecha apenas as portinhas, aquelas que não dão bom resultado, aquelas que não nos levariam a um lugar interessante. Em troca, outras portas maiores se abrem.
Mesmo que eu trabalhe muito menos do que o faria caso dissesse sim a várias propostas, sinto que estou no caminho certo e que mesmo que ainda pintem momentos de escassez de grana, é fundamental não desanimar e entender que os processos importantes geralmente são assim, difíceis, mas cheios de boas contrapartidas.
Para finalizar, friso: não me negarei nunca a cantar por prazer, com amigos, despretensiosamente, pois estas situações são aquelas que ficam marcadas na memória e no coração. Música é trabalho para mim, mas é prazer e felicidade antes de qualquer coisa. Se andei vivendo isso de forma distorcida (passando por situações bem tristes e difíceis, algumas em pleno palco, contrariando todo o sentido da coisa), hoje vejo que isso foi um erro grave e que poderia ter me levado a parar de cantar, como quase aconteceu, exatamente por eu não ter zelado por uma boa atmosfera dentro do que fazia. E por ver a música primordialmente como prazer, hoje, também vejo que uma mudança aconteceu em 2015: aceito (e me ofereço para) fazer participações em shows de vários amigos. Canto de graça várias por mês porque me sinto feliz em ser cantora, porque amo cantar e esta é uma necessidade. 
              Ao mesmo tempo em que cobro mais para fazer o que faço, me sinto muito mais disposta a cantar pelo puro amor à coisa. Ao mesmo tempo que vejo o meu ofício com muito mais firmeza, o vejo com muito mais leveza.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Vamos falar de fracasso

Este texto é uma ode ao fracasso. E não porque eu o ame, mas porque o temo. Assim sendo, desejo estabelecer uma relação mais íntima com ele, uma vez que acredito que somente assim conseguirei ficar tranquila em sua presença, ou com a possibilidade de seu aparecimento.
Temer o fracasso é um grande empecilho artístico. Vejo que em mim isso tem graves consequências, pois, se não temo fracassar da mesma forma que um artista consagrado talvez tema, certamente tenho medo de fracassinhos. E este temor acaba tendo grande influência sobre o meu trabalho.
Há tempos queria escrever sobre isso, mas foi apenas depois de ler o “Ensaio sobre o fracasso”, de Fause Haten, que senti ser aquela a gota d’água. Eu tinha que falar sobre o tema. Diz ele: “Só considerando o fracasso como um fato é que fico livre como artista para experimentar, correr riscos e seguir meus instintos”. Com esta frase me senti atingida e, ao mesmo tempo, feliz pela percepção que me veio.
Quem vive com medo de fracassar, de decepcionar os outros, de ser uma vergonha para a família, acaba vivendo uma sensação de fracasso perene. É como se houvesse sempre uma pessoa (você) te falando “não faça isso, não vai dar certo”, sempre te incentivando a não ousar, a não arriscar, a permanecer na mesma, ou até mesmo a desistir. Mas que bom é saber que esta condição não é definitiva, e nem este pensamento. É bom saber que eu posso, de agora em diante, me levantar e fracassar com propriedade, a propriedade de quem acredita em si, e, exatamente por isso, talvez nem mesmo veja como fracasso aquilo que é julgado como tal. E, assim como a atitude derrotista de nem mesmo tentar para não fracassar não é definitiva, os fracassos também não são definitivos. Depois deles, o que esperar? Mais fracassos? Pode até ser, mas a persistência nos ensina que vitórias e derrotas costumam se intercalar. Bem difícil que seja só fracasso, do início ao fim.
Elizabeth Gilbert, a escritora de Comer, rezar, amar, deu uma ótima palestra (TED Talks) sobre fracasso, sucesso e devoção à sua paixão, que é escrever. Entre muitas coisas interessantes, Elizabeth fala sobre o quanto se sentiu preocupada ao escrever o livro sucessor de Comer, rezar, amar, sabendo que dificilmente este teria o mesmo sucesso que o anterior. Mas com o tempo foi entendendo algo muito importante: “Eu amava mais escrever do que odiava ter fracassos ao escrever, e isso queria dizer que eu amava mais escrever do que amava meu próprio ego, e isso por sua vez queria dizer que eu amava mais escrever do que amava a mim mesma.” A escritora, que usa o conceito de “lar” para definir esta paixão que toda pessoa tem, diz que “seu lar é: aquela coisa para a qual você dedica suas energias com tanta devoção que os resultados se tornam indiferentes”. Meu lar é cantar, e os resultados deste canto, ótimos ou péssimos, nunca me impedirão de continuar cantando. Elizabeth nunca irá parar de escrever. Nós duas nunca iremos deixar de voltar para nossos lares.
Vejo que abordo muitos assuntos pouco confortáveis, como idade e beleza do artista, decepções, críticas maldosas e agora o fracasso, mas isso é proposital. Quero abordar os assuntos que nós, como profissionais da arte, tentamos ao máximo evitar. Observo que temos o hábito de colocar nas redes sociais apenas nossas vitórias, nossos sorrisos, nossos selfies lindos com pessoas que amamos. Isso é valorizar os bons momentos, e é bacana. Mas o fracasso também tem grande valor, e não deve ser deixado de lado, ou melhor, não deve se varrido para debaixo do tapete. Não precisa ser divulgado aos quatro ventos, mas precisa ser admitido internamente (eu, pessoalmente, me sinto mais forte ao transformá-lo em texto). Se o fracasso nos leva a tantas crises interessantes, a tantas descobertas, não é muito saudável fingir que este nunca o visita. Primeiro que ninguém vai acreditar, e segundo que nem mesmo você irá se convencer. Por isso, acho importante abordarmos os momentos difíceis e as questões idem. Acredito que a vida deva ser celebrada com todas as suas nuances, todas as suas dores e delícias, todas as verdades que, no fundo, fazem muito mais bem do que imaginamos. Falar sobre fracasso é falar sobre algo comum a todos. 
Recomendo fortemente a leitura do texto de Fause Haten, mencionado no início desta postagem, para que o mesmo seja desfrutado do início ao fim. Eu, por tê-lo saboreado com tanto gosto, coloco mais um pouco do mesmo aqui, para fechar com chave de ouro: “Considerar o fracasso, a derrota e a não conexão como algo certo. Dar o caso como perdido e me sentir livre para fazer o que ‘preciso’ fazer, sem saber onde vai dar. Me sentir livre por não precisar agradar, não precisar ser aceito." 

domingo, 20 de setembro de 2015

No comments

É comum alguém que gosta da minha música vir comentar, depois de ver um show meu ou ouvir o CD: “Você com este som maravilhoso, e tanta coisa ruim fazendo sucesso...” A pessoa que divide isso comigo, acredito, quer me mostrar que valoriza meu trabalho e que acha que mereço mais. Isso é demonstração de carinho, mas há uma crítica a outros artistas que não me toca, e sobre a qual eu nunca tenho nada a acrescentar. No máximo um “pois é”, mais para mostrar que estou ouvindo a pessoa, não necessariamente concordando com o que ela diz.
 Eu, que tenho a felicidade de trabalhar com música, de ter que viver neste ambiente, sou testemunha de que há, sim, trocentos artistas inacreditavelmente bons por aí. Muitos estão numa batalha pesada, mas estão aí, fazendo. Não estão deixando de fazer porque está difícil – estão fazendo menos do que gostariam, mas resistem – ou porque músicas mucho locas (não em um sentido exatamente bom) estejam fazendo sucesso. Em suma: vejo crescer, sempre e cada vez mais, uma cena ótima musical por estas bandas brasileiras.
 Acho que deve ser por isso. Eu sei que há muita música boa sendo produzida por aí. Eu sei que a fertilidade do Brasil no quesito musicalidade é grande. Tem para tudo quanto é gosto, tem letra assim, letra assado, tem alegria, tem melancolia, tem tantas vozes, beleza para dar e vender. E os responsáveis por isso estão aí, prontos para serem ouvidos.  Deve ser por isso que este papo de “coisa ruim fazendo sucesso” não me toca. Porque, na verdade, estas “coisas ruins” são, para mim, muitas vezes, algo como... uma imagem fantasiosa das coisas. Estes artistas têm muito mais a ver com mercado, publicidade e imagem do que com música, mesmo. Quando falamos de música (e música que acontece e resiste mesmo sem grana), há bandas boas saindo pelo ladrão, artistas incríveis que não têm o espaço devido. Às vezes vão cavando espaço e aos poucos vão chegando. Os shows lotados daqueles que são considerados péssimos não são uma preocupação em minha vida. Acho que é exatamente porque estes artistas, para mim, vivem em outro mundo, bem distante do mundo em que vivo. Nem nos cruzamos. Não vou a seus shows, não os vejo na TV (e por que eu veria TV se nela, infelizmente, o maior espaço é do entretenimento – e da informação – que não me interessa?). Estamos em universos muito distantes. Somando-se a isso, ainda tem o fato de que muitos artistas incríveis são, sim, reconhecidos, fazem grandes shows e conseguem viver muito bem de suas artes. Ou seja, as coisas poderiam estar melhores, mas pode-se dizer que também não estão de todo mal.
 Vários assuntos me movem e me interessam dentro da música: a crítica, a relação entre músicos e cantores, a autoconfiança dos cantores... Tópicos que, inclusive, parece que nunca se esgotam em mim. Volta e meia preciso falar deles de novo. Mas em relação a este tema, não, não tenho muito o que dizer.
 Deve ser também porque a cada dia que passa percebo que certos comentários me tocam cada vez menos. Outro dia alguém disse que certo artista, ainda desconhecido do grande público, pretendia fazer um disco só de blues. Mas, por este artista ter uma história dentro de outro estilo musical, a pessoa que me deu esta notícia estava achando aquilo um absurdo. “Ele não pode fazer isso, pois não se firmou ainda, enquanto não tiver firmado não pode mudar assim...”. O que entendi foi o seguinte: este artista já não tem reconhecimento do grande público, nem da crítica, muito menos tem grana. A única coisa que ele tem é a liberdade. Ele deve abdicar disso, seu bem mais precioso, para que finalmente, então, fique sem absolutamente nada? Não posso concordar. Mas mesmo ouvindo isso não me choquei, nem fiquei exaltada. Porque não havia maledicência na fala daquela pessoa, era apenas a opinião dela. Estava indignada de verdade, achando que aquilo não seria bom para o artista. Ponto. Entrou por um ouvido, saiu pelo outro, e se fosse em relação a mim, também. Pode falar que não devo misturar, que não posso fazer assim ou assado. Vou escrever um texto sobre, mas não vou ficar chateada. Porque sei que no meu trabalho mando eu, e nele faço o que bem entender, então não há a menor possibilidade de alguém me convencer a colocar em prática uma ideia que tem muito mais a ver com marketing do que com música. 

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Com pé e com cabeça

Há tempos estava vendo uns vídeos das canções do primeiro CD de Alice Caymmi no YouTube. Quando fui ver-ouvir "Arco da Aliança", parceria de Alice com Paulo César Pinheiro, li um dos comentários sobre a música: "Letra sem pé nem cabeça. Se não tivesse o sobrenome Caymmi, tava lascada". 
Curioso é que enquanto eu via beleza na voz, na letra e na atmosfera criada, para a pessoa que escreveu aquilo só havia ali (que fosse digno de nota) uma letra "sem pé nem cabeça". Será que de fato aquela canção, para ele, não disse absolutamente nada?
O que acho, mesmo, é que faltou vontade de prestar atenção, e principalmente boa vontade. Faltou interesse em se envolver, sobrou implicância.
Vejo isso acontecendo bastante. Há certa birra com o que não é direto, com qualquer resquício de subjetividade. Já me vi muitas vezes assim, implicando, sem mais nem menos, com algo que eu não entendi, ou que tive preguiça de entender. Não sou obrigada, assim como ninguém é, a gostar de algo que (a princípio) não está se comunicando comigo, mas será que eu ao menos tentei compreender aquilo? Será que fiz algum esforço, parei por mais de dois minutinhos para ver se aquilo ali chegava até a minha pessoa?
O exemplo da canção “Arco da aliança” nem chega a ser um bom exemplo de uma arte de difícil apreensão – trata-se na verdade, em minha opinião, de uma canção tão linda quanto compreensível em sua poética, abordando cirandas e danças que alumiam, cenários tão fáceis de visualizarmos (e sentirmos). Mas, quando há má vontade, o resultado é esse: fala-se qualquer coisa, só para detonar.
Voltando à sessão mea culpa, cheguei a fazer parte de uma comunidade, no extinto Orkut, chamada “Odeio intelectualoides”. Não lembro o que me motivou a clicar ali – provavelmente algum filme “sem pé nem cabeça” que, impaciente, eu não quis entender? Talvez –, mas hoje vejo que esta atitude de fazer questão de mostrar minha aversão a assuntos intelectuais nada mais era do que uma invejinha básica. Inveja de quem conseguia sair do raso e partir para campos mais complexos. Talvez tenha sido a mesma inveja que sentiu o comentador de Alice (mera suposição) por, infelizmente, não se permitir ser menos direto e mais poético, às vezes.
Acho que temos ainda muita vergonha de deixar nosso lado mais sensível aflorar. Só vale “papo reto”, o resto é frescura? Enrolação? Arte é o que, então? “Coisa de fresco”? Deve ser, porque, aliás, até pronunciar a palavra “arte” – ou o derivado, “artista” – é um tabu, também. Já vi músicos rindo destas palavras. Eita! Precisamos de piadas melhores.
Em março aconteceu, na Praça Tiradentes, a Feira do Bonde, um ato político-artístico cheio de atrações. Entre estas, duas performers apresentaram um trabalho onde uma delas derramava um líquido vermelho na parceira, a enrolava em plástico filme, deslizava uma machadinha pelo corpo desta. Tempos depois a revista Piauí resolveu falar sobre aquilo (o ato como um todo) de forma bastante jocosa, fechando com chave de latão ao citar um comentário feito no YouTube, em relação ao vídeo da citada performance: “Eu devo ser muito ignorante mesmo, não entendi absolutamente nada.” Penso que o rapaz que escreveu talvez de fato não tenha entendido, mas poderia entender caso estivesse no local, no meio do contexto, sabendo que o evento tratava de política e questionamento da vida na cidade do Rio de Janeiro (que comemorava 450 anos naquele dia). Mas e a jornalista da Piauí, será que não entendeu mesmo? Ou fez questão de não entender para mostrar sua resistência àquilo que estava acontecendo?
Acho bacana sempre tentarmos separar aquilo que não entendemos por convicção (ou seja: quando temos ressalvas em relação a algo) daquilo que de fato não entendemos racionalmente, por falta de vivência ou envolvimento com o tema.

sábado, 12 de setembro de 2015

Não há outra saída

Certa vez, conversando com um colega, eu disse que estava feliz com a perspectiva de lançamento do meu CD (que só aconteceria um ano depois desta conversa), e disse, também, que sabia que hoje em dia a música se espalha mais facilmente, chegando a muito mais pessoas pela internet, através de downloads etc. Usei o exemplo de um amigo – grande músico, que, além de sê-lo, é filho de outro grande músico – cujo CD, disponível na internet, teve mais de 10.000 downloads. Daí ouvi o seguinte comentário, como réplica: “É, mas você não é o fulano, nem é filho do sicrano.” Ou seja: eu deveria tirar o cavalinho da chuva e entender que provavelmente eu não teria o alcance que o amigo músico teve. Melhor morrer de véspera, logo.
O que aconteceu? Meu CD saiu, lindo, em um show lotado no Sergio Porto (detalhe: foi o dia mais feliz de minha vida até então). Desde este dia (o dia do show foi o dia que o CD chegou de fábrica), o filhote me trouxe muitos momentos bonitos, de depoimentos de amigos e pessoas que compraram o CD pela internet. E, antes do show, o próprio processo de pensar e fazer o Temperos foi minha empreitada mais importante, até hoje. Amadureci muito no estúdio, amadureci muito com as consequências de tudo o que aconteceu depois. Artistas que admiro admiraram meu trabalho, coisas que valem ouro aconteceram graças a esta decisão de gravar meu primeiro disco solo. E será que algum número de downloads consegue expressar tudo isso que vivi? Acho difícil, visto que nem eu consigo mensurar o tamanho de tudo o que aconteceu.  
Estas contabilidades - downloads, curtidas, números de plays no SoundCloud etc. - me interessam, sim, porém menos do que outras análises. Prefiro observar, por exemplo, o que fiz hoje pela minha carreira (conselho da querida Elisa Fernandes). Prefiro analisar se estou melhor, profissional e tecnicamente, do que estava há tempos. Se estou com medo de dar algum passo. Se estou querendo fazer algo por ego ou por real vontade. Se não quero fazer algo porque não vale a pena ou por pura preguiça, mesmo.  
O que quero dizer é: acho que tenho muito. E é claro que quero ainda mais. Quero gravar mais, chegar a muito mais pessoas, quero experimentar muito mais. Meu alcance ainda é bem menor do que o alcance que espero ter, com o tempo. Porém, tudo o que tenho alcançado, cada pequena vitória, eu sei que é, na verdade, mais uma peça que vai se encaixando em meu trabalho, coisas que vão fazendo com que a cada dia eu me fortaleça mais. Nem tudo são flores, e, infelizmente, ainda me pego desanimada vez ou outra, mas sempre que percebo tudo o que tenho e tudo o que consegui, me animo e vejo que não há outra possibilidade senão seguir em frente, para conquistar ainda mais coisas, colecionar mais momentos felizes, histórias gostosas de se viver.
Vez ou outra me lembro – e se me lembrasse sempre seria ótimo – de algo que disse Dalai Lama no livro Uma ética para o novo milênio: “Como o banqueiro que recolhe os juros até do menor empréstimo que faz, temos de levar em conta até o mais insignificante aspecto positivo de nossas vidas.” É preciso pensar que o que tenho é muito para uma pessoa que tantas vezes duvidou de si. Pois conto, hoje, com parceiros tão bons, pessoas que me ajudam tanto, que querem estar do meu lado, que sentem felicidade em fazer música comigo, e eu com elas... E pessoas que querem fazer outros tipos de parceria comigo, para que possamos nos ajudar mutuamente, trocando serviços, unindo as forças. Isso é um grande motivo para ser grata: vejo claramente a credibilidade que tem meu trabalho. Taí uma conquista tamanho GG.
 E tem aí muito mais por vir. Não estou falando de ganhar prêmios, de assinar contratos, nem de grana. Falo de ação, de vivências. Canções que farei, sozinha ou com parceiros, shows que realizarei com outros cantores, ou shows de meu trabalho solo, momentos marcantes que viverei nessa eterna descoberta que é falar através da arte. Acontecerão sempre que eu me entregar e acreditar, sabendo que não há outra opção (ou, ao menos, não outra que me faça sentir tão feliz). Pode ser que hoje mesmo, quando eu pegar meu violão, algo bonito aconteça. Pode ser que, ao sair para a ver a peça de meus amigos, eu veja algo que me inspire e daí surja mais uma canção. Agora, amanhã, sempre, a todo momento, podem vir mais pecinhas que se juntarão em minha música e farão de mim alguém ainda mais conectado consigo e com o mundo. Pensar nisso tudo evidencia o privilégio que é viver neste universo de melodias, letras, ritmos e harmonias. 
Embora eu ame muitas coisas, muitas artes e muitos ofícios, eu sei de uma coisa: não há outra saída para mim que não seja extravasando minha musicalidade. Se as coisas estiverem indo bem, se estiverem indo mais ou menos, se estiverem bem abaixo do que eu esperava, não importa. É isso o que tem que ser feito, e ponto. 

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Sensualidade musical

Escrevi há um tempinho um texto sobre a beleza constrangedora, onde discorri sobre um fenômeno doido: a beleza, gigante, pode assustar o autor desta (pintei o caso específico do cantor). Este, por sua vez, boicota aquela beleza, instintivamente, achando que “não pode” – resumo resumidíssimo do texto. Usei a primeira pessoa majoritariamente, é claro, pois me baseei em minha própria experiência. Outras pessoas se identificaram e vieram falar comigo sobre, o que me deixou muito feliz: falar sobre minha própria beleza não foi muito fácil, tanto pela questão de uma aparente prepotência quanto por expor uma grande fragilidade, algo bem íntimo, deste jeito.
Mas a intenção é mesmo esta, aqui neste blog: falar sobre tudo o que ainda não entendo direito (e que ao escrever entendo um pouco melhor), falar sobre o que acredito entender minimamente (e que ao escrever percebo que entendo bem pouco, mesmo), falar sobre aquilo que, a princípio, talvez eu não devesse falar, por evidenciar meus pontos a serem melhorados, pontos que talvez eu devesse esconder, ou abordar apenas quando já fossem coisa do passado, temas resolvidos. Mas o fato é que escrever sempre me deixa muito melhor, e não há vaidade que vá me privar desta sensação.
Quero falar hoje sobre algo muito próximo ao que abordei no texto “A beleza constrangedora”, mas ligeiramente diferente. Quando falei que existem belezas tão gigantescas dentro de nós que chegavam a assustar, não sabia (ou sabia e ainda não havia assumido, talvez) que aquilo era uma questão de entrega. Entregar-se, deixar-se levar. Perder o controle.
Existe um momento muito bonito na música, que é quando a conexão acontece de forma muito forte entre os que estão executando uma música. Posso sentir isso, por exemplo, quando estou com algum/alguma violonista ou pianista, por serem estes os instrumentos que geralmente me acompanham. Em um ensaio, se tudo estiver correndo bem, pode acontecer um momento de forte conexão, um momento onde há um “clique”, algo acontece de especial. A música vem com toda a sua potência, e esta potência é uma espécie de sensualidade. Não tem a ver com algo físico, é algo que está no ar e de repente é fisgado. Tem muito a ver com a beleza que constrange, mas vai um pouco além, pois envolve outra pessoa: esta grande conexão é um encontro que pode ser estranhamente íntimo, e isso pode, mais do que assustar, parecer inadequado.
Em junho fui ensaiar para uma apresentação. Na hora de passar minha música preferida do repertório deste show, eu, ensaiando com o guitarrista que acabara de conhecer (apenas eu e ele, pois precisávamos conferir a tonalidade), senti isso com força: houve naquele momento, no meu deixar-me levar, uma sensualidade forte, uma intimidade e um encontro muito bonitos. Estranhei, me segurei, e sei que deveria seguido com aquela mágica. A canção é linda, a voz estava linda, a guitarra idem. O encontro é isso, é esta beleza constrangedora, só que mais bela ainda, por acontecer em contato com outro.
Fui comentar com minha querida amiga Claudia Holanda sobre isso, dizendo que eu havia notado que havia uma sensualidade no ar e que às vezes descia, que chegava, e que parecia íntima demais para existir entre pessoas que eram apenas amigos, colegas de profissão, ou o que quer que seja. Claudia, após ouvir minhas impressões, confirmou minhas suspeitas: “Ah, é por isso que às vezes tenho a impressão de que você se economiza”. Aos invés de deixar transbordar, seguro minha represa.
Música é sensualidade, e como nunca havia percebido isso? E digo sensualidade no sentido mais amplo de todos: sensibilidade, entrega, espiritualidade, tudo o que nos arrepia a pele. Tudo o que nos faz deixar cair as máscaras, e ao mesmo tempo nos faz usar a melhor máscara, a mais bonita, a mais sincera, a mais nua. Tudo o que nos deixa em contato com o nosso íntimo.

Não tenho, a pretensão, aqui, de criar uma tese sobre algo que nem eu entendo direito, sobre algo que me pegou de surpresa, sobre algo que muito mais sinto do que compreendo. Escrevo sobre porque constatei, percebi: isso acontece. E que lindo isso acontecer.  

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

O som da moda

Lembro que certa vez comentei com alguém que queria fazer um show só de canções do Itamar Assumpção. Me alertaram que não o fizesse, e uma das razões foi esta: “Zélia Duncan já fez e tem a maior galera cantando as músicas dele. Antes ninguém queria saber do cara, agora está na moda...”
À época eu não sabia que a Zélia tinha este projeto cantando as canções do Nego Dito, mas é verdade que já tinha visto um vídeo da Simone Mazzer cantando “Parece que bebe”, bem como sabia que a Caixa preta do Itamar havia sido lançada em 2010.
Mas a pergunta que não quer calar é: será que este é um bom motivo para não fazer algo empolgante? Será que este é um bom motivo para deixar um projeto na gaveta? Dar um tempinho, e quando “sair da moda”, finalmente fazer (ou nunca mais fazer, já que você “chegou atrasado”)? Porque, dizem, não se deve fazer algo apenas porque todos estão fazendo, e concordo plenamente com esta afirmação. Mas será que é obrigatório não fazer algo, uma vez que muitos outros já estão fazendo aquilo?
Será que na vida a gente deve, sempre, tentar correr contra a corrente? E se a corrente for boa? Se for uma onda bem legal que invade as rádios, os hábitos, o cotidiano?
Seguindo o mesmo raciocínio, será que devemos deixar de usar a palavra “gratidão” porque está na moda? Será que devemos ter implicância com assuntos como feminismo, sustentabilidade, política etc. apenas porque estão em voga – mesmo que sejam importantes e benéficos? Pessoalmente, acho um ótimo sinal que assuntos deste naipe estejam na moda – vamos acabar sabendo ainda mais sobre eles, a discussão será aprofundada, e muita gente será beneficiada com estas informações. Torcer para que continuem no underground é egoísmo, síndrome de Danuza Leão: quando todo mundo faz (ou conhece), não tem mais graça.
Falando por mim, gosto do fato de Itamar estar muito mais visível e fácil de encontrar do que antes (eu sei – infelizmente ele ainda não está exatamente na moda). Em 2003 um dos chefes da loja de roupas em que eu trabalhava colocou um dos volumes do CD Bicho de sete cabeças para tocar, e amei, não poderia ser diferente. E ao mesmo tempo fiquei chocada ao constatar que eu nunca tinha ouvido falar naquele artista tão inovador. Que bom que hoje é bem mais fácil ser invadido por sua música – através de Zélia, Anelis, Simone Mazzer, Guidi (opa!)...
É incrível querer subverter, querer fazer diferente. Mas esta ânsia não é benéfica se ajuda apenas a limitar seus desejos. Penso assim: cante algo que ninguém gosta, e também cante algo que o mundo inteiro vai cantar junto, se esta for sua vontade. Faça o que te der na telha – o que te motiva é o mais importante. Orgulho é quase tão ruim quanto a vontade de fazer sucesso/agradar a qualquer custo.
Não sei se algum dia farei um show só de Itamar, e hoje sei que de fato aquela não era a hora (eu precisava focar na finalização do meu CD), mas quando lembro deste comentário que ouvi, penso: este não é um argumento bom. Podemos pensar na possibilidade de que talvez um assunto muito abordado acabe sendo maçante para o público e não gere muita empolgação. Claro, precisamos ser inteligentes e até estratégicos: timing é importante, mas não é importante a implicância com o fato de que "agora tal coisa está hypeada". Sim, coisas boas várias vezes ficam hypeadas, depois de um tempo. Que bom, pois elas merecem isso mesmo, não devem morrer obscuras.  
É legal lembrar que existe o inconsciente coletivo, e também a contaminação. Várias vezes temos ideias, não as colocamos em prática e logo alguém pinta fazendo o que queríamos fazer. Várias vezes fazemos, e concomitantemente outro alguém também faz. Várias vezes fazemos e descobrimos que já tem gente fazendo há muito mais tempo. Isso é ruim, necessariamente? Não acho. Talvez sirva para engrossar o caldo, e evidenciar que, sim, aquele é um assunto que definitivamente está pedindo para ser explorado. 

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O que será que ando despertando por aí?


Deixei de te seguir... e curtir suas postagens... também de compartilhar... era seu fã... bj

Ontem, quando acessei a internet, vi esta mensagem em minha página de artista do Facebook.
Confesso que não entendi nada.
É claro que em um primeiro momento isso me incomodou um pouquinho, porque não é muito legal saber que alguém passou a desgostar de seu trabalho (foi isso o que a pessoa quis dizer, acho), e não saber nem direito o porquê disso. E não entender, ficar boiando, não saber nem de onde veio a coisa etc., dá uma sensação estranha. Minha reação em pensamento foi: ué, mas eu nem fiz nada. Então, por que diabos estou recebendo uma mensagem que serve apenas para que a pessoa chateada tenha certeza de que eu irei saber que ela está chateada comigo?
Mas... logo depois, pensei uma coisa que me trouxe uma sensação boa: talvez eu esteja me subestimando. Talvez meu alcance seja maior do que penso. Talvez eu desperte coisas, sentimentos, sobre os quais não faço a menor ideia.
É. Acho que quando faço questão de dizer que não tenho fãs, mas amigos que curtem meu trabalho, devo estar me diminuindo, certo? Devo estar ignorando o fato de que há, sim, várias pessoas que conhecem meu trabalho e que não me conhecem pessoalmente. Meu trabalho deve ter chegado a muitos ouvidos cujos donos nem faço ideia de quem sejam. A música (e a arte em geral), hoje em dia, em tempos de internet, pode voar bem alto, mesmo sendo você um artista independente. Canal de YouTube, página de Facebook, este blog (em bem menor proporção), o Twitter, as matérias que saíram sobre o Temperos, sobre o tributo aos Novos Baianos feito pelo Jardim Elétrico, o SoundCloud do Jardim Elétrico, o SoundCloud do coletivo Cavalo Preto, meu SoundCloud, o CD do Alvinho Lancellotti, que teve muuuuitos downloads (do qual participei), compartilhamentos de vídeos meus, e, além da internet, as parcerias com Dudu Godoi, Silvan Galvão, Claudia Holanda e tantos outros, que me levaram a muitas outras pessoas... Tudo isso deve ter feito com que exista, por mais que eu negue, muita gente que é, sim, fã do meu trabalho. E ontem descobri que tenho até ex-fãs.
Não é uma condição que eu busque. Não acho prazeroso saber que algumas pessoas estão decepcionadas com meu trabalho ou comigo. Acho incrível, sim, fazer o que bem quero, e sei que isso pode gerar descontentamento, mas não é meu objetivo de vida ser alvo deste tipo de mágoa que nem sei como começou (e nem sei que tipo de expectativa estava sendo criada em relação a mim para que chegasse a este ponto)Creio, apenas, que é uma conquista entender que não, meu público não é feito só de amigos, ou de amigos de amigos. Não. Tem gente por aí que gosta do que eu faço e não me conhece. A parte ruim é que tem gente por aí que ficou frustrada comigo, sem termos nunca nos conhecido pessoalmente. Mas isso quer dizer que o alcance de minha música pode ser bem maior do que eu pensava.
Sendo um pouco menos vaga em relação a este caso específico, creio que o problema tenha sido: a pessoa em questão já havia mandado a seguinte mensagem (que nunca entendi), quando coloquei alguma foto minha na página de artista: “Você está me decepcionando... nunca está cantando”. Talvez tenha sido uma referência ao fato de eu nunca ter ido à cidade da pessoa para cantar, apesar de seus pedidos. A ironia é que ontem, mesmo dia em que recebi a mensagem, foi o dia em que um amigo músico me avisou que foi confirmado o show que faremos juntos, logo logo, em uma cidade super próxima da cidade deste meu ex-fã.
Finalizo o texto feliz, percebendo que é importante darmos muito valor ao que temos. Não posso subestimar aquilo que já alcancei, todo o esforço que fiz. Se ontem recebi uma mensagem que, a princípio, não fez muito sentido para mim, também entendi que estava diminuindo minhas conquistas e tratando meu esforço em divulgar minha arte, meu esforço como artista-produtora de mim, como algo cujo resultado era pouco expressivo. E não é, pelo visto. Desperto coisas que nem sei... Só espero que, de forma geral, eu desperte muito menos desilusões do que coisas boas.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Música no metrô

Há um ou dois meses estava eu no metrô, fazendo o trajeto Glória-General Osório, quando um casal de músicos entrou no vagão onde eu me encontrava. A música deles me conquistou de cara. Comprei um CD da dupla Maga e Marcelino e ainda dei o meu a eles, de presente. Fiquei com o pocket-show na cabeça, pois a musicalidade ali era mesmo impressionante. A dupla interpretara uma canção latina – não sei se era um candombe ou outro ritmo – e depois “Conto de areia”, eternizada na voz de Clara Nunes. Esta última ficou especialmente bela com o sotaque hermano deles.
Pouco depois Maga entrou em contato comigo, graças ao CD que havia deixado com eles, e fiquei de filmá-los no metrô. Finalmente anteontem pude acompanhá-los em um dia de trabalho nos vagões. Apenas por uma hora pude estar com eles, mas foi precioso.
Foi precioso porque a música deles é um deleite, mas também foi precioso porque há tempos eu queria falar sobre os músicos do metrô em um texto, mas não sabia exatamente por onde começar. E é claro que depois de estar com eles entendi melhor o que eu sentia em relação aos músicos de rua/viajantes.
Começando a explanação: sempre me sinto na obrigação de ajudar os músicos do metrô. E por que sinto isso? 1) A música sempre é boa e me deixa mais feliz; 2) também sou musicista; 3) e, ainda por cima, sou uma musicista que já dependeu e vez ou outra ainda depende de passar o chapéu. Por todas estas razões, fico comovida. Me comovo com a coragem que têm de entrar em um ambiente onde podem ser hostilizados. Fico comovida com o fato deles encararem a realidade de forma proativa, vendo a questão financeira como algo solucionável, bastando, para isso, sair da zona de conforto.
Daí percebi, com Maga e Marcelino – cujo trabalho atende pelo nome de La Contra Tango –, que há, por parte do público, ao mesmo tempo que uma resistência inicial, um deixar-se seduzir. Foi bonito observar as pessoas sendo pegas de surpresa e, mesmo assim, se deixando levar, embalando-se ao som deles, não resistindo à música. Observei os sorrisos; a forma como algumas pessoas saíam do vagão, mais felizes do que estavam. Música (não) é brincadeira, mesmo. Muda estado de espírito, melhora o dia.
Quem está escrevendo este texto é uma pessoa que gosta muito de ler no metrô e no ônibus. Que aproveita estes momentos e coloca a leitura e também a escrita em dia. Em um primeiro momento, pode ser que aquela música me faça pensar: agora eu queria silêncio, e não som. Mas basta que se passem alguns segundos para a música me pegar, me fazendo esquecer da leitura. Digo isso para explicitar que entendo quem não gosta de música no metrô, por querer exatamente um momento de relativa tranquilidade (não estamos falando da hora do rush, pois os músicos não se apresentam nestes horários).
Mas também observei, em um dos vagões que nós três entramos, que existe uma resistência que talvez seja mais do que uma vontade de ficar sossegado, em (relativo) silêncio. Um caso me chamou bastante a atenção: um rapaz jovem, de terno e gravata e imensos headphones nos ouvidos, assim que viu o casal se preparando para a apresentação, se mexeu na cadeira, incomodado, e prontamente resolveu se levantar e sair, para trocar de vagão. Gesticulava e reclamava (não dava para ouvir exatamente suas palavras, pois falava baixo) daquela situação, olhando para a dupla de cantantes com bastante indignação. Só entendi um ”não pode” ou algo do tipo, mas a linguagem corporal disse tudo.
Pensei que ali o caso não me parecia ser o do “quero sossego”. O rapaz estava, como disse, com headphones enormes. Um parêntese: certa vez, em 2007, eu estava no metrô quando foliões do Bola Preta entraram no vagão. Eu estava com humildes fones pequeninos, e não ouvi absolutamente nada, pois coloquei o volume no máximo. Ou seja: provavelmente o rapaz sairia incólume daquela viagem. Não era preciso sair do vagão. Mas tendo a achar que a questão é outra. Parece um disparate, uma afronta, dois jovens – tão jovens quanto o rapaz engravatado – viajarem pelas Américas fazendo música, tendo a coragem de usar o talento como ganha-pão, não deixando morrer a arte dentro de si - arte esta que todos nós carregamos (e onde será que alguns de nós a escondemos?). Ficou, para mim, a forte impressão de que Maga e Marcelino, assim como outros músicos, poetas, artistas plásticos, performers etc. acabam dando uma chacoalhada na rotina das pessoas, e isso nem sempre é positivo, dependendo do receptor: às vezes é dolorido perceber que os caminhos podem ser outros, menos engessados. Que existem, sim, outras opções, outras formas de vida. Que quem escolhe somos nós, e que bem raramente pode-se dizer “não tive escolha”. Por isso (e digo de cadeira, para variar), pode doer ver que a vida que construímos poderia ter sido diferente – mais ousada, mais movimentada, mais aventureira.
(Jamais quero dizer que uma pessoa de terno e gravata seja infeliz – sei de pessoas com uma vida aparentemente convencional que colocam em prática seus sonhos, sendo extremamente realizadas e felizes. Apenas me pareceu bem forte a questão do incômodo não ser a música, e sim o pacote que o La Contra Tango trazia, juntamente com a música. A liberdade vista assim, tão de perto, pode doer como um tapa, caso se esteja muito longe de sua própria natureza.)
Neste mesmo dia um senhor, que assistiu ao pocket-show e aparentemente gostou, “desafiou” Maga a definir a palavra “saudade”. Pediu isso com uma nota de dinheiro na mão, e enquanto Maga não respondia, ele não entregava o dinheiro. Sutil forma de violência, como a própria Maga definiu. Quis mostrar que quem mandava ali era ele. Por quê? Porque, realmente, estes músicos são uns sem vergonha: têm coragem para fazer o que amam, ganham algum dinheiro com isso (uau, quanta grana!) e, ainda por cima, são bons. Um disparate!
Bom, esta é minha leitura. Foi o que percebi, tendo como bagagem diversas experiências similares. É que parece que, por estarmos nos divertindo no palco, talvez não haja a necessidade de sermos pagos. Talvez, por ser algo gostoso de se fazer, não seja difícil. Talvez, por ser bonito, um ato de comunhão, fique meio estranho chamar aquilo de profissão, trabalho. E, se você não está trabalhando, não merece muito respeito.
Acho que é o contrário. O conceito de trabalho é que deve mudar. Mas este papo é longo e muito pessoal, quiçá espinhoso. Só acho importante que se lembre que todos os seres humanos têm um lado artístico. Por isso, não há necessidade de nos distanciarmos das Magas e Marcelinos que aparecem em nossas vidas, nos conquistando/provocando com suas artes. Todos nós temos um lado aventureiro e descompromissado, e é importante dar vazão a ele. 
E, se possível, nos deixemos embalar pelos momentos inesperados e pelos encontros. Como quando La Contra Tango entra no metrô e nos tira do torpor da rotina.