quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

As canções (que curam)




Estes dias revi o filme As canções, do Eduardo Coutinho, já sabendo que rever este filme seria ótimo. Já havia sido um grande prazer vê-lo no cinema, em 2011, e sabia que agora o filme me tocaria ainda mais. (A segunda vez sempre é muito interessante, menos estupefação e mais tranquilidade para absorver...) 
Os entrevistados por Coutinho contam histórias e cantam as canções que marcaram estas histórias, estes períodos de suas vidas. É um filme bastante sensível e, como não poderia deixar de ser, emocionante. Pare para pensar: falar sobre uma canção que marcou sua vida. Isso é forte demais. Apenas um exemplo: um dos entrevistados, Gilmar, começa a chorar inesperadamente (inesperadamente mesmo: é quase um susto para o espectador) ao falar que sua mãe, costureira - que está viva e bem-, costumava cantar a canção “Esmeralda” enquanto cortava tecidos. A nostalgia da infância fala mais alto do que o autocontrole. (Realmente, voz de mãe cantando não é uma lembrancinha qualquer.)
O depoimento de uma das entrevistadas, Isabell, uma capoeirista alemã, aborda algo que acho incrível: a forma como uma canção pode curar. Ela, depois de uma separação, resolveu cantar e cantar, sem parar, o samba “Você me abandonou”, e, graças à mensagem positiva da canção, cheia do clima de “volta por cima”, conseguiu superar a dor. Isabell conta ainda que recomendou a uma amiga que havia sofrido o mesmo baque (separação) que cantasse esta música, e o efeito foi o mesmo. Não só passou, como “arranjou outro namorado rapidinho!”, conta Isabell, rindo. 
(Também já tive esta experiência de cura musical: certo dia, triste, com dor de cotovelo, resolvi ouvir logo uma das canções mais mântricas de Jorge & Gil: “Filhos de Gandhi”. Mandando descer todos os orixás, pura espiritualidade, ouvindo e ouvindo esta canção praticamente um dia inteiro, não deu outra: me curei. E o mesmo aconteceu com um amigo, que ouviu, sem cessar, “Pão doce”, na voz de Clara Sandroni, em um dia ruim. Cada um precisa de uma canção-remédio. Não se esqueça de procurar a sua quando o bicho pegar!)
Em outro grande momento do filme, Coutinho pergunta a Queimado, um entrevistado que conta sua bela (e nada dramática) história de amor: “A música serve para alguma coisa na vida?”. A resposta é enfática: “Eu queria saber como é que alguém que gosta de alguma coisa faz para lembrar se não gostar de música. (…) Como é que faz para recordar de alguma coisa? Tudo bem, pelo cheiro. (...) Mas música, tu canta, tu vai lembrar de alguma coisa.”
Depois de ver este filme imperdível, com uma ideia tão simples e tão boa - registrar pessoas comuns, figuras do cotidiano, resgatando lembranças que estejam relacionadas a canções -, pensei também na questão daquilo que chamamos de amadorismo. Os amadores têm algo que mexe muito comigo, e acho que com todos. Creio que pelo fato de encararem a música com bem menos pressão interna e bem menos tensão, deixando-se levar pela emoção, primordialmente, conseguem emocionar e fazer com que sintamos a música em sua inteireza. Já havia sentido isso certa vez em uma aula de música na escola de teatro Martins Pena. Os alunos do professor Lula apresentaram músicas no formato voz e violão, e algumas delas me tocaram tanto que me surpreendi (gostei de músicas que nunca haviam me comovido até então, entendi melhor o que queriam dizer). Só pude chegar à conclusão de que aquilo havia acontecido porque quem se apresentou estava ali com bem menos vaidade e com muito mais verdade dentro de si do que muitos profissionais (sem jamais querer desmerecer a técnica, que é importante e tem grande valor). O filme As canções me fez ver isso novamente: temos muito a aprender com estes amadores, tão entregues às músicas que marcaram suas vidas.

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