quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Sem parar

 Escrever neste blog tem me ajudado muito. Tanto que tenho (humildemente) aumentado (ligeiramente) a quantidade de posts por mês. Ok, ainda é muito pouco, mas a verdade é que a cada dia sinto que preciso mais escrever sobre o que é ser cantora, e sobre como é ser uma cantora independente no Rio de Janeiro. Preciso, cada vez mais, expor minhas opiniões e sentimentos sobre a música; e cada vez mais reparo no quanto uma grande parte das coisas que vejo e vivo são vistas/sentidas tendo a música como referência. Todo dia vem um ou dois tópicos novos em minha cabeça para serem expostos aqui. Anoto todos, e aos poucos vou colocando no papel virtual.
Desta grande vontade de escrever acabou surgindo a vontade de publicar estes textos. Percebo que estes escritos se tornam mais e mais importantes para mim e para a organização dos meus pensamentos, e pensei que seria bem bacana se outros cantores (e músicos de forma geral) pudessem ler um livro abordando um universo musical totalmente realista e muito, muito próximo de todos os que vivem de música e não são (ainda) reconhecidos pelo grande público.
Eu adoraria ler um livro assim. Adoraria saber minuciosamente como meus colegas de profissão lidam com o trabalho, como fazem para enfrentar as crises, o que pensam a respeito de certas condições de trabalho, como se portam diante de determinadas situações etc.
Então vi que realmente é importante fazer isso: publicar estas organizações de pensamentos, ou desabafos, ou causos, ou opiniões. Eu enfrentava uma resistência interna em relação a isso por achar que um livro sobre si seria coisa para artistas “famosos” (não consigo escrever esta palavra sem colocar aspas), e talvez não fizesse muito sentido fazer isso no momento. Mas cheguei à adorável conclusão de que, na verdade, eu tenho muito mais obrigação de fazer isso do que qualquer grande artista renomado.
Por quê? Porque eu preciso mostrar serviço, no melhor dos sentidos. Não posso me dar ao luxo de ficar parada. Eu, como artista independente (foi mal Lenine, depois penso em um termo que não seja este! - mais tarde comento sobre este ótimo vídeo do Lenine que assisti estes dias, criticando o termo “independente”), preciso produzir, e muito. Não posso tirar férias, ficar de bobeira, ver a vida passar. Preciso trabalhar para que mais pessoas me conheçam a cada dia e saibam que há uma cantora por aí que canta, compõe, escreve, agita.
A Bethânia, por exemplo, tem todo o direito de parar e descansar, sempre que quiser. Produziu muito, tem inúmeros discos gravados, fez uma quantidade abissal de shows, mostrou a que veio. E continua mostrando. Então, se quiser tirar um ano sabático, beleza. Já é conhecida pelo país todo e fora dele também, pode ficar um tempo sem aparecer.
Eu, não. Como já disse aqui no blog, cada nova pessoa que conhece meu som é uma grande conquista. Então o trabalho de formiguinha não pode parar, e este também abarca estes textos aqui, que não muitas pessoas leem. Mas e daí? O que importa é fazer. Eu preciso disso, é bom para mim – e creio que também seja bacana para quem lê.

Então, façamos! Publiquemos livros, lancemos discos, mostremos a cara. Eu e todos que ainda não têm grande alcance. Precisamos fazer e fazer até vencermos pela persistência. Nossa arte deve ser divulgada para que esta encontre seus pares por aí: ouvidos/olhos que procuram exatamente o que temos a oferecer. 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Ainda vou te decepcionar

Desde que iniciei o processo de gravação do meu primeiro CD, Temperos, uma identidade foi se estabelecendo, aos poucos. Minha ideia era colocar majoritariamente canções minhas, mas fui retirando aos pouquinhos minhas composições do repertório. Só uma acabou entrando. O disco foi se tornando um disco de intérprete. O trabalho todo foi ficando com uma cara bem brasileira, e o regional nordestino falou bem alto (a primeira faixa é um xote e a segunda é um baião, por exemplo). Ao mesmo tempo que houve bastante planejamento e ideias minhas e do Daniel Medeiros, o produtor, ao mesmo tempo fomos deixando ficar tudo aquilo que nos chegava e não estava nos planos, mas era interessante. E tenho certeza de que tudo aconteceu da melhor forma, no fim. Foram dois anos e seis meses para que o filhote nascesse madurinho. Graças a este tempão, acredito, não tive a sensação de que algo diferente poderia ter sido feito. Fiquei satisfeita e confiante em relação ao resultado, e sei que isso é difícil em relação à arte produzida por nós mesmos.
Hoje (sete meses depois do lançamento), além de um orgulho deste trabalho feito com esmero, além da convicção de que meu CD pode ser divulgado sem problemas por ter a qualidade que eu almejava, também já “discordo” um pouco dele. Renegar? Jamais. Sempre incluirei algumas destas canções nos meus shows, mesmo quando já tiver vários discos gravados, porque gosto muito mesmo de cantá-las. Mas o fato é que mal o CD saiu, já senti vontade de fazer outras coisas, provavelmente diferentes do que havia ali.
Tenho noção de que é bem comum finalizar um trabalho e já começar a pensar em outro, diferente, com outro clima, mais de acordo com o momento que se está vivendo. Mas também é comum querer manter a mesma onda, continuar na mesma praia, principalmente se tudo fluiu bem, se o resultado foi bacana e o feedback foi positivo. Se eu fizer um Temperos 2, tenho certeza de que vai ficar super legal de novo. Vai ser um lindo disco, cheio de melodias belíssimas, com um repertório poderoso. E, ainda por cima, vai ser ainda mais fácil de ser produzido do que o primeiro, porque desta vez já saberei muito melhor como se faz um bom CD cheio de composições de novos nomes da MPB. Um bom CD cheio de músicos de alto nível. Já terei feito tudo isso.
Mas a questão é que de fato tenho convicção de que ainda decepcionarei muitas pessoas que curtem o som que faço hoje. Porque amo, simplesmente amo, ter liberdade para fazer o que bem quero. É bastante difícil ser artista solo e ter que arcar com as despesas, sem poder dividi-las com a banda (como acontece em um grupo, normalmente). Mas é infinitamente mais fácil no que diz respeito à liberdade, pois o artista solo não deve nada a ninguém: o trabalho é dele e carrega o nome dele. É ele quem define os rumos. Ele sabe o que deve ou não fazer. Ele sabe o que dá tesão ou não de cantar. Ele sabe qual é o momento de se arriscar, sabe qual é o momento de viver outras coisas musicalmente. Ele é quem conhece suas necessidades artísticas (ou ao menos as sente, mesmo que sem entendê-las muito bem).
É importante que o artista tenha esta noção: ele viverá decepcionando os outros. Porque nós, como seres humanos, também vivemos decepcionando os outros. E isso não é ruim. É apenas o que acontece quando há alguma expectativa. Se fiz um CD de MPB, é natural que se espere isso de mim mais vezes. (Aliás, eu já havia quebrado algumas expectativas ao lançar o CD, pois houve quem se impressionasse que ali não houvesse apenas forró e samba, estilos que eu cantava quase que exclusivamente na noite carioca.)
A verdade é que amo MPB, amo forró, amo samba, amo rock e amo mais uma porção de estilos. Mas mais do que amar estes estilos, amo cantar, e amo a música. E esta, felizmente, é abrangente demais, nos mostrando que existem infinitas possibilidades e caminhos.