sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Ainda vou te decepcionar

Desde que iniciei o processo de gravação do meu primeiro CD, Temperos, uma identidade foi se estabelecendo, aos poucos. Minha ideia era colocar majoritariamente canções minhas, mas fui retirando aos pouquinhos minhas composições do repertório. Só uma acabou entrando. O disco foi se tornando um disco de intérprete. O trabalho todo foi ficando com uma cara bem brasileira, e o regional nordestino falou bem alto (a primeira faixa é um xote e a segunda é um baião, por exemplo). Ao mesmo tempo que houve bastante planejamento e ideias minhas e do Daniel Medeiros, o produtor, ao mesmo tempo fomos deixando ficar tudo aquilo que nos chegava e não estava nos planos, mas era interessante. E tenho certeza de que tudo aconteceu da melhor forma, no fim. Foram dois anos e seis meses para que o filhote nascesse madurinho. Graças a este tempão, acredito, não tive a sensação de que algo diferente poderia ter sido feito. Fiquei satisfeita e confiante em relação ao resultado, e sei que isso é difícil em relação à arte produzida por nós mesmos.
Hoje (sete meses depois do lançamento), além de um orgulho deste trabalho feito com esmero, além da convicção de que meu CD pode ser divulgado sem problemas por ter a qualidade que eu almejava, também já “discordo” um pouco dele. Renegar? Jamais. Sempre incluirei algumas destas canções nos meus shows, mesmo quando já tiver vários discos gravados, porque gosto muito mesmo de cantá-las. Mas o fato é que mal o CD saiu, já senti vontade de fazer outras coisas, provavelmente diferentes do que havia ali.
Tenho noção de que é bem comum finalizar um trabalho e já começar a pensar em outro, diferente, com outro clima, mais de acordo com o momento que se está vivendo. Mas também é comum querer manter a mesma onda, continuar na mesma praia, principalmente se tudo fluiu bem, se o resultado foi bacana e o feedback foi positivo. Se eu fizer um Temperos 2, tenho certeza de que vai ficar super legal de novo. Vai ser um lindo disco, cheio de melodias belíssimas, com um repertório poderoso. E, ainda por cima, vai ser ainda mais fácil de ser produzido do que o primeiro, porque desta vez já saberei muito melhor como se faz um bom CD cheio de composições de novos nomes da MPB. Um bom CD cheio de músicos de alto nível. Já terei feito tudo isso.
Mas a questão é que de fato tenho convicção de que ainda decepcionarei muitas pessoas que curtem o som que faço hoje. Porque amo, simplesmente amo, ter liberdade para fazer o que bem quero. É bastante difícil ser artista solo e ter que arcar com as despesas, sem poder dividi-las com a banda (como acontece em um grupo, normalmente). Mas é infinitamente mais fácil no que diz respeito à liberdade, pois o artista solo não deve nada a ninguém: o trabalho é dele e carrega o nome dele. É ele quem define os rumos. Ele sabe o que deve ou não fazer. Ele sabe o que dá tesão ou não de cantar. Ele sabe qual é o momento de se arriscar, sabe qual é o momento de viver outras coisas musicalmente. Ele é quem conhece suas necessidades artísticas (ou ao menos as sente, mesmo que sem entendê-las muito bem).
É importante que o artista tenha esta noção: ele viverá decepcionando os outros. Porque nós, como seres humanos, também vivemos decepcionando os outros. E isso não é ruim. É apenas o que acontece quando há alguma expectativa. Se fiz um CD de MPB, é natural que se espere isso de mim mais vezes. (Aliás, eu já havia quebrado algumas expectativas ao lançar o CD, pois houve quem se impressionasse que ali não houvesse apenas forró e samba, estilos que eu cantava quase que exclusivamente na noite carioca.)
A verdade é que amo MPB, amo forró, amo samba, amo rock e amo mais uma porção de estilos. Mas mais do que amar estes estilos, amo cantar, e amo a música. E esta, felizmente, é abrangente demais, nos mostrando que existem infinitas possibilidades e caminhos.

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