quinta-feira, 30 de abril de 2015

Brincadeira (e mico) é vida




             “Guidi querida!
Sua voz é linda e cheia de personalidade. É um prazer te ouvir cantar!
A canção é ótima, muito bem escolhida e você pode crescer muito com ela. É preciso buscar verdade no seu movimento e olhar, verdadeiramente sentir o que está cantando.
Mais que tudo acho importante dizer que sinto falta da alegria na sua cena, mas também no seu CD. A impressão é que você fez seu dever de casa direitinho, ensaiou pra caramba, fez uma produção sem fim e a alegria passou ao largo... se perdeu no horizonte.
Acredite em você e seja feliz!
Muito boa sorte, sucesso!
Beijocas, Bethi”

Este bilhete foi escrito pela querida Bethi Albano, que foi minha professora de canto entre 2008 e 2009, logo após eu ter cantado uma canção no “Descontrolinho”, edição extra do curso “Descontrole não é caos”, que aconteceu em novembro do ano passado. O curso era ministrado por Suely Mesquita e Bethi foi a professora de música. Após eu ter cantado “Do encontro à despedida”, de Sandro Dornelles, todos os participantes escreveram sobre o que gostaram e o que acharam que poderia melhorar naquela apresentação. Isso aconteceu com todos os solistas do curso (todos cantaram, todos analisaram os colegas).
Me lembrei deste bilhete hoje porque dia 21 de abril, há pouco mais de uma semana, fiz o show “Tudo quer viver”, com a parceira Claudia Holanda. Desde os ensaios eu já senti muita tranquilidade naquilo que estávamos fazendo. Fizemos um grande último ensaio (de cinco horas) na véspera do show e foi muito bom perceber que, mesmo cansados, todos nós (eu, Claudia, André Barros e Ana Sucha) tínhamos uma boa conexão, uma vontade de nos unirmos, de estarmos juntos curtindo. Rimos muito. Me senti livre para brincar com instrumentos, para tentar coisas, me senti livre para ser feliz e não ter nenhuma preocupação. Tudo estava certo. Acho que, graças a isso, este foi um show muito divertido, onde sorri sem medo e senti que estava em um território livre.
Fui colocar o vídeo da canção “Début”, extraída deste show, e vi algo que há tempos não via em mim: diversão pura, uma atitude ousada (mesmo que ligeiramente), um sentir-se confortável que me deixou perplexa e feliz. Aquilo, sim, mostrava o que eu tinha de melhor, que era minha alegria, minha diversão comigo mesma – que, é claro, acaba passando para todos em volta. (Sempre é assim, não é? Você precisa se divertir sozinho para conseguir se divertir com os outros.)
Ontem me peguei pensando nisso: este vídeo, com sua espontaneidade, seu clima de brincadeira, me fez ficar orgulhosa de mim. Acho que é esta a questão: para que prender o riso? Para que deixar para lá a vontade de brincar? No palco esta vontade pode e deve ser usada. E acho que eu ainda não havia entendido isso direito. Sou uma pessoa muito risonha, que acha graça em muita coisa que quase mais ninguém acha (ou seja, sou a típica boba), e exatamente por ser assim desde pequena, fui percebendo, ao crescer, que no dia a dia não se pode ser sempre risonho: uma boa parte do tempo precisamos resolver questões/problemas, e isso pode exigir de nós alguma seriedade. Isso fez com que eu ficasse com um semblante sério, e uma fama de pessoa austera (demorou para eu entender isso: os outros me viam de um jeito totalmente diferente do que eu achava que era). Na tentativa de reprimir o que eu tinha de mais espontâneo, acabei esquecendo que há lugares em que nossa essência deve ser colocada para fora numa boa. A arte é um destes lugares. Até ontem eu não havia entendido que finalmente o que eu tinha de melhor era isso: minha alegria. Nestes momentos em que sou livre, a mágica acontece - ou, pelo menos, é isso o que sinto.
Fico muito agradecida aos meus colegas Claudia, Ana e André, que criaram este ambiente descontraído e musicalmente lindo/leve, e fico também agradecidíssima à Bethi, por ter apontado algo tão importante, uma questão tão séria, emocional e artisticamente.
E prometo a mim mesma levar muito a sério (!) minhas brincadeiras. Não irei deixá-las de lado em minha arte. Creio que tenha sido um grande pulo do gato (óbvio, como sempre): o que tenho de melhor está nestes momentos, minha contribuição se faz completa quando alegre, quando livre, quando à vontade para interpretar e me divertir verdadeiramente com isso. Aliás, isso me fez lembrar da (libertadora) frase de Suely Mesquita: “Mico é vida”. Sete meses depois de ouvir isso, finalmente entendo o que ela quis dizer. 
O título do show, “Tudo quer viver”, foi extraído da linda “Vida de satélite”, composição de Claudia, e desde o início, dentre todas as sugestões de nomes para o show, foi o título que me agradou. Até o último suspiro é intenção de vida, diz a canção. E tenho certeza de que este nosso desejo máximo (viver), não é um desejo de vida qualquer. O que queremos, mesmo, é um viver repleto de alegria. 

terça-feira, 14 de abril de 2015

Fragilidade


Já ouvi algumas coisas não muito agradáveis desde que comecei a cantar. Mesmo que algumas valham a pena ser esquecidas, escrever sobre algumas delas é bacana também, uma vez que isso pode ajudar a entender um pouco melhor a situação e (aí sim) deixá-la para lá. E, uma vez que passei por estas experiências, que ao menos eu possa dividi-las para que virem um texto, né?
É verdade que quando você se propõe a fazer algo (qualquer coisa), é como se você estivesse arranjando sarna para se coçar. Atuar, fazer, colocar a mão na massa é pedir para ser criticado. Colocar a cara a tapa dá nisso: levar tapas.
Mas isso não quer dizer que, por esperarmos bordoadas, fiquemos imunes a estas.
Estas situações quase sempre fazem com que tenhamos que lidar com nossa própria fragilidade. Tive que lidar com a minha várias vezes, e tenho que fazê-lo ainda hoje, porque nada para: nem eu, nem as críticas. Nem minha vontade de evoluir, nem a necessidade de observação das pessoas. Nem os riscos que corro (e que espero que aumentem a cada dia, para que eu seja cada vez mais livre), nem o hábito de alguns de menosprezar o outro.
Sim, porque existem críticas e críticas. Já falei sobre isso aqui, antes: acho importantíssimo ouvi-las, acho importantíssimo lidarmos com esta fragilidade que mencionei, acho importantíssimo que o artista, um vaidoso por essência (que geralmente fala de si 24 horas por dia – e nem sempre consegue fazer isso com pouca vaidade), saiba que pode melhorar sempre. Nunca se “chega lá”, na minha opinião: o aprendizado é contínuo, bem como a manutenção constante de nossas habilidades. Estacionar não é uma opção. Mas existem observações que são agressões, vontade de ferir.
O lance é que eu deveria estar falando das críticas do público, certo? Mas não quero repetir assunto. Vou falar sobre aquelas que vêm dos próprios componentes da banda.
Lembro que certa vez, em 2012, estava conversando com um dos instrumentistas que tocava comigo e eu disse a ele que não queria mais fazer shows na noite. Eu estava, por esta época, com um show marcado na Finep, que seria só de canções inéditas. Estava bem feliz com essa perspectiva, e dividi isso com ele (por que, meu Deus, por quê? Hahahah!): “Só quero fazer shows como o que a gente vai fazer na Finep, de agora em diante. Só quero fazer este meu trabalho.” A resposta dele foi: “Que trabalho?” Totalmente chateado com a perspectiva de não tocar mais em barzinhos, sobrou agressividade para mim: ele discordou, quis me convencer do contrário, e ficou puto o resto da noite. Mais do que o grande mau humor dele (característica marcante da figura), o que me machucou foi este desdém: “que trabalho?” Li (e infelizmente li certo) o seguinte: “você é uma cantora de barzinho, pare de querer evoluir.”
Evoluir significaria (como de fato significou) fazer muito menos shows (média de um por ano – sem brincadeira), ou seja: ele e todos os músicos que tocavam comigo trabalhariam muito menos. Mas, infelizmente, não posso me preocupar com isso, uma vez que não mudar meu caminho significaria continuar fazendo um trabalho que não tem nada a ver com o que almejo. E doeu, doeu muito saber que o que importava era o prazer dele em tocar, e não minha realização pessoal (que seria uma evolução para todos, certamente, musicalmente falando). Importava que ele, um cara que certamente ganhava muito mais grana com música do que eu (não dá nem para comparar a quantidade de trabalho que tem um instrumentista com a que tem um cantor), queria tocar todos os sábados. Não importava o fato de eu querer fazer aquilo direito, fazer shows bonitos de uma hora (e não de três), onde eu mostraria tudo o que tinha de melhor. Eu, na verdade, deveria ficar na minha, até hoje, sem gravar um CD e sem inventar moda.
(Exemplo do quanto não lidei bem com isso: esta pérola me foi dita em uma quinta ou sexta-feira, e lembro de me encontrar com uma grande amiga, domingo à noite, e ainda estar mal e digerindo aquele desdém completamente desnecessário.)
É fragilidade demais ficar mal um final de semana inteiro por este tipo de coisa? Sim! Preciso criar uma carapaça e ficar mais resistente. Mas mesmo assim não sou obrigada a conviver com instrumentistas intratáveis. Não sou obrigada a vivenciar momentos ruins nos ensaios. Tenho todo o direito de querer um clima bom dentro do meu trabalho musical.
(Nem sempre levei a carreira musical com profissionalismo, é verdade. Apenas a partir do final de 2011 - o “momento da virada”, quando resolvi gravar meu CD - comecei a ter uma postura verdadeiramente séria e focada. E, desde então, observei uma melhoria na minha vida, e muito mais alegrias surgiram, graças a convivências fáceis e respeito mútuo.)
Já ouvi de um senhor alcoólatra (e falei sobre isso aqui) que era “muito fraquinha”. Já ouvi instrumentista que “nem era tão foda assim” (já é uma evolução em relação ao “fraquinha”, né?). Já ouvi, e continuarei ouvindo, milhares de coisas que me deixarão mal, em dúvida, triste, desmotivada.
Mas se estas histórias puderem virar "causos" (textos), ao menos serviram para alguma coisa.