A
canção é ótima, muito bem escolhida e você pode crescer muito
com ela. É preciso buscar verdade no seu movimento e olhar,
verdadeiramente sentir o que está cantando.
Mais
que tudo acho importante dizer que sinto falta da alegria na sua
cena, mas também no seu CD. A impressão é que você fez seu dever
de casa direitinho, ensaiou pra caramba, fez uma produção sem fim e
a alegria passou ao largo... se perdeu no horizonte.
Acredite
em você e seja feliz!
Muito
boa sorte, sucesso!
Beijocas,
Bethi”
Este
bilhete foi escrito pela querida Bethi Albano, que foi minha
professora de canto entre 2008 e 2009, logo após eu ter cantado uma
canção no “Descontrolinho”, edição extra do curso
“Descontrole não é caos”, que aconteceu em novembro do ano
passado. O curso era ministrado por Suely Mesquita e Bethi foi a
professora de música. Após eu ter cantado “Do encontro à
despedida”, de Sandro Dornelles, todos os participantes escreveram
sobre o que gostaram e o que acharam que poderia melhorar naquela
apresentação. Isso aconteceu com todos os solistas do curso (todos
cantaram, todos analisaram os colegas).
Me
lembrei deste bilhete hoje porque dia 21 de abril, há pouco mais de
uma semana, fiz o show “Tudo quer viver”, com a parceira Claudia
Holanda. Desde os ensaios eu já senti muita tranquilidade naquilo
que estávamos fazendo. Fizemos um grande último ensaio (de cinco
horas) na véspera do show e foi muito bom perceber que, mesmo
cansados, todos nós (eu, Claudia, André Barros e Ana Sucha)
tínhamos uma boa conexão, uma vontade de nos unirmos, de estarmos
juntos curtindo. Rimos muito. Me senti livre para brincar com instrumentos, para
tentar coisas, me senti livre para ser feliz e não ter nenhuma
preocupação. Tudo estava certo. Acho que, graças a isso, este foi
um show muito divertido, onde sorri sem medo e senti que estava em um
território livre.
Fui
colocar o vídeo da canção “Début”, extraída deste show, e vi
algo que há tempos não via em mim: diversão pura, uma atitude
ousada (mesmo que ligeiramente), um sentir-se confortável que me
deixou perplexa e feliz. Aquilo, sim, mostrava o que eu tinha de
melhor, que era minha alegria, minha diversão comigo mesma – que,
é claro, acaba passando para todos em volta. (Sempre é assim, não
é? Você precisa se divertir sozinho para conseguir se divertir com
os outros.)
Ontem
me peguei pensando nisso: este vídeo, com sua espontaneidade, seu
clima de brincadeira, me fez ficar orgulhosa de mim. Acho que é esta
a questão: para que prender o riso? Para que deixar para lá a
vontade de brincar? No palco esta vontade pode e deve ser usada. E
acho que eu ainda não havia entendido isso direito. Sou uma pessoa
muito risonha, que acha graça em muita coisa que quase mais ninguém
acha (ou seja, sou a típica boba), e exatamente por ser assim desde
pequena, fui percebendo, ao crescer, que no dia a dia não se pode ser sempre risonho: uma boa parte do tempo precisamos resolver questões/problemas, e isso pode exigir de nós alguma seriedade. Isso fez com que
eu ficasse com um semblante sério, e uma fama de pessoa austera (demorou para eu entender isso: os outros me viam de um jeito
totalmente diferente do que eu achava que era). Na tentativa de
reprimir o que eu tinha de mais espontâneo, acabei esquecendo que há
lugares em que nossa essência deve ser colocada para fora numa boa.
A arte é um destes lugares. Até ontem eu não havia entendido que
finalmente o que eu tinha de melhor era isso: minha alegria. Nestes
momentos em que sou livre, a mágica acontece - ou, pelo menos, é isso o que sinto.
Fico
muito agradecida aos meus colegas Claudia, Ana e André, que criaram este ambiente descontraído e musicalmente lindo/leve, e fico também agradecidíssima à Bethi, por ter apontado algo tão importante,
uma questão tão séria, emocional e artisticamente.
E
prometo a mim mesma levar muito a sério (!) minhas brincadeiras.
Não irei deixá-las de lado em minha arte. Creio que tenha sido um
grande pulo do gato (óbvio, como sempre): o que tenho de melhor está
nestes momentos, minha contribuição se faz completa quando alegre,
quando livre, quando à vontade para interpretar e me divertir
verdadeiramente com isso. Aliás, isso me fez lembrar da
(libertadora) frase de Suely Mesquita: “Mico é vida”. Sete meses
depois de ouvir isso, finalmente entendo o que ela quis dizer.
O
título do show, “Tudo quer viver”, foi extraído da linda “Vida
de satélite”, composição de Claudia, e desde o início, dentre
todas as sugestões de nomes para o show, foi o título que me
agradou. Até o último suspiro é intenção de vida, diz a canção. E tenho certeza de que este nosso desejo máximo (viver), não é um
desejo de vida qualquer. O que queremos, mesmo, é um viver repleto de
alegria.
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