Lembro
que quando tinha uns 12 anos adorava ver MTV. Passava tardes e tardes vendo
milhares de clipes e conhecendo muitos artistas, principalmente bandas de rock.
Minha irmã também amava (e ama) música, e me acompanhava dividindo o sofá ou o
chão enquanto assistíamos Gás total, Lado B...
Uma
cena específica me veio à mente: certa tarde estávamos vendo o vídeo de alguma
canção (não me recordo o nome) onde um grupo (não me recordo qual) se
apresentava ao vivo. Vi as duas backing vocals do grupo cantando, extrovertidas
e cenicamente bem expressivas. Eu disse: “Ai, por que é que sempre que tem uma
mulher em uma banda ela tem que ser ou cantora ou backing vocal?”
(Não
vou entrar aqui na questão do meu machismo, infelizmente existente já tão
novinha. Quero abordar, por ora, outra questão. O tópico machismo vai voltar,
até mesmo porque necessito falar sobre ele.)
Minha
irmã, entendendo imediatamente o recalque, respondeu à minha pergunta: “Ué,
fazer o que se elas são abençoadas por Deus e sabem cantar?” Tentei discordar,
mas já era tarde. Eu havia sido desmascarada. Queria era estar ali, no lugar
delas. Sem tocar nenhum instrumento que não minha voz. Queria cantar e ser
expressiva, descontraída, mostrar aquilo que eu, aos 12 anos, já amava fazer:
cantar.
Mas
eu não assumia muito isso. Fui aprender a tocar guitarra. Queria ser
instrumentista. Achava que cantar era algo “fácil” – e não sei por que cargas
d’água achava que ter esta facilidade era algo um pouco menos digno de
admiração do que ser instrumentista. Só porque era fácil para mim?
O
fato é que sempre percebi que era afinada. Quando brincava sozinha e cantava ao
mesmo tempo (jogando bola ou andando de bicicleta), via que minha voz era
agradável, e que aquilo não era uma dificuldade para mim. Mas por que, então,
eu menosprezava minha facilidade, ou dom, ou talento? Por que eu valorizava
muito mais o que eu não tinha, o que não sabia? Porque eu considerava que quem
“só” cantava não estava fazendo uma grande coisa?
Mal
sabia eu a quantidade de poeira que ainda teria que comer para me tornar de fato uma
cantora. Se soubesse, talvez respeitasse de cara todos os cantores que
apareciam naqueles clipes que eu adorava.
É,
acho que é isso: eu ainda não sabia que poderia melhorar, e muito, o meu canto
– com aulas, preparação vocal; pensando qual seria meu conceito, o que de fato
ficaria bem em minha voz, o que eu queria passar para os outros ao cantar e
mais 8.956.733 fatores fundamentais para os cantores profissionais. Achava que
aquilo ali estava “resolvido”.
(Sim,
tão resolvido que eu não tinha nem coragem de cantar.)
Talvez
a psicologia possa explicar isso. Fazendo uma suposição, creio que tenha a ver com esta
dificuldade comum em assumirmos o que fazemos com todo o nosso coração. Assumir
mesmo, o que quer que seja. Ser veterinário, comerciante, professor,
palestrante, político. Para o tipo de pessoa que sou, foi difícil assumir: sou
cantora. Ainda é. Meu primeiro texto aqui no blog fala sobre isso. Considero
que me assumi cantora, mesmo, somente em 2011, mesmo cantando desde 2000 (16
aninhos). Só há pouquíssimo tempo isso foi sendo assumido, e vez ou outra dá
vontade de fugir e fazer outra coisa que não pegue meu coração com tanta força.
Dá medo de se machucar ao se entregar, digo isso de cadeira. Não é fácil assumir aquilo que se é.
Aliás...
pensamos muito na dor que vem no pacote quando nos entregamos àquilo que mais
amamos. Porém, nunca pensamos na frustração que é não fazermos o
que mais amamos (dor aparentemente menor, mas perene). Sim, se entregar é se
machucar. Mas e o prazer que traz esta atitude corajosa? E a sensação de
realização?
Parece
que gostamos de dificultar, né? Pensemos: ora, se existem coisas nas quais sou boa, por
que deixá-las de lado? Eu, hein! É gostar muito de dificuldade...
Muitos
anos depois fui conhecer uma faceta bem desagradável de alguns instrumentistas
(graças a Deus, não todos), que é a mania feia de não respeitar quem “só”
canta. Isso é algo que pode minar a autoestima de muitos intérpretes. Mas o
mais importante é que o cantor, desde sempre, saiba o valor daquilo que faz.
Veja a importância de seu trabalho, entenda o quanto aquilo que faz pode
emocionar/alegrar as pessoas, quiçá curá-las – leia o texto “As
canções (que curam)” caso ache que estou exagerando. Juro que não
estou –, pois sabendo disso fica mais difícil que alguma observação
preconceituosa/arrogante relativa ao ofício do cantor machuque o alvo do
ataque, ou o coloque em dúvidas sobre seu trabalho.
Para
finalizar, há uma frase da Elis Regina (que, segundo Regina Echeverria, era
respeitadíssima por seus músicos, referindo-se especificamente ao Zimbo
Trio): "Sou músico, sim. Meu instrumento é a voz aliada à palavra.
Não aceito discriminação."
Deve
ser por também pensar assim que prefiro usar o termo "instrumentista"
a "músico". É porque também penso que músicos todos nós (cantores e instrumentistas) somos.
Afinal, todos nós trabalhamos com música. Cada um à sua maneira, cada um com
suas facilidades e desafios.
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