sexta-feira, 19 de junho de 2015

Pessoas como eu precisam de pessoas como o Tom Zé


               Esta frase do título eu disse à amiga Claudia Holanda, há umas três semanas, quando (para variar) falávamos sobre música e liberdade.
Pouco depois fiquei sabendo que Tom Zé faria um show dia 16/06 no Sesc Ginástico. Opa! Claro que eu ia.
E vê-lo novamente ao vivo - já havia ido a um show dele em 2008, no Circo Voador - foi inspirador. Shows incríveis, aliás, sempre têm este efeito sobre mim: me dão a impressão de que todos nós podemos dar o que temos de melhor na hora da criação e da interpretação. De que podemos ser muito bons.
E o show do Tom Zé, especificamente, me dá a impressão de que podemos tudo.
Porque ele é livre e não tá nem aí. Não tem medo da entrega, do ridículo (e nunca o é, exatamente por não ter medo), da naturalidade aliada a um espírito de um grande contador de histórias.
Tom Zé, que não está nem aí, está ligado. Escreve sobre o que vivemos ontem, sobre o que estamos vivendo, fala sobre o que é pequeno e sobre as grandes coisas. 
Tom Zé no palco é um foguete, energia saindo pelo ladrão. Pode ser energia miúda, contida graciosamente, de brincadeira; pode ser explosão. É um cara que entra no palco já falando, verborrágico e cheio de conteúdo – mesmo quando discursa sobre as coisas mais engraçadas e cotidianas. E não conseguimos desgrudar os olhos dele nem dispersar os ouvidos para outra lembrança enquanto ele está lá, nos conquistando com seus causos, nos explicando como compôs aquilo, como escreveu isso, como foi provocado por fulano, como provocou sicrano.
Tom Zé quase que nos deixa sem jeito com sua naturalidade. Por que diabos ele é tão ele mesmo, ali, naquele lugar “sagrado”, onde muitos sequer abrem a boca para se comunicar com palavras, se restringindo a cantar para manter a aura de sacralidade? Por que Tom Zé faz questão de quebrar qualquer mística (ou seria criar uma mística diferente?) no segundo em que pisa no tablado, falando em cima das palmas que ele talvez tenha tentado impedir com seu discurso? Por que esta proximidade, Tom Zé?
Este aliás, é o grande pecado que ele comete do início ao fim do show: não ser blasé. Recebe o público ao lado da barraquinha de CDs e livros, depois da apresentação, e abraça, beija e faz dedicatória. É empreendedor: enfatiza a venda de seus produtos durante o show. Não faz pouco caso da necessidade atual de um artista independente (!!!) em vender seu trabalho. Pode um artista do tamanho de TZ, com tanta estrada, agir assim? Ele prova que sim.
Falando em ser artista, Tom Zé admitiu em entrevista ao Brasil de Fato: “Eu só me tornei artista porque descobri logo que era um péssimo cantor, um péssimo violonista e um péssimo compositor.” É a velha e admirável história de transformar as dificuldades em suas características mais marcantes.
Finalizando, a impressão que tenho é que Tom Zé não deixa uma só ideia sua passar impunemente. Porque parece que TZ não tem tempo para desperdiçar tempo. Não pode deixar ideias morrerem virgens. Não pode deixar de produzir, de falar sobre o que vê na esquina, no tribunal do Feicibuqui, na televisão. E é por isso que uma pessoa como eu, uma artista tantas vezes tímida e receosa, preciso dele. Para saber que posso sair de mim, posso falar sobre o que eu bem quiser, o que eu bem entender. Não preciso ter medo das palavras, nem dos gestos. Posso experimentar e aprender. Me ensina a ser livre como você, Tom Zé?  

(Talvez eu devesse ter escrito este texto depois de ler seu livro, Tropicalista lenta luta, que iniciei anteontem. Mas sinceramente, o show me deixou impressões tão fortes e importantes que eu jamais poderia deixar isso para depois. Quem sabe escrevo novamente sobre a leitura daqui a um tempinho?)

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Cara de pau

A frase par délicatesse j'ai perdu ma vie, de Rimbaud, cala fundo no coração dos envergonhados. A timidez, esta característica que pode a princípio ser considerada fofinha, atrapalha e muito a vida de quem é assim. Falo isso de cadeira.
            Imagine o quanto é frustrante perceber que algo bem bacana poderia ter acontecido mas você, tímido, ficou sem graça de mostrar seu trabalho. Ficou sem graça de falar de si. Ficou sem graça de pedir uma ajuda a quem poderia ajudar. Perder oportunidades: taí algo bastante eficiente para se sentir péssimo consigo. 
Mas...
Mesmo continuando tímida, percebi que a cara de pau é um pouco independente disso. Não precisa ser extrovertido. Basta ser cara de pau, mesmo.
Andei percebendo uma mudança em mim neste sentido. Ainda é algo pequeno, mas já ajuda bastante. Tenho percebido que não me importo muito se me acharão uma chata por tentar travar contato com alguém que pode ajudar a divulgar meu trabalho (rádio, TV, jornal). Não tenho me visto tão sensível assim a não-respostas (quando peço o endereço para envio do meu CD a alguém da imprensa, por exemplo, é bastante comum ficar sem resposta). Creio que isso aconteça porque tenho me achado muito certa nesta atitude. Concluo: estou agindo da forma mais coerente para um artista independente, alguém que precisa lutar para aumentar o alcance de seu trabalho.              
(E, aliás, quem não precisa lutar nesta vida? Muito pouca gente, sejamos sinceros - e paremos de achar que correr atrás foi algo que inventaram exclusivamente para a nossa pessoa.)              
Tenho pensado que não importa muito o que acharão desta minha atitude de procurar quem nem me conhece, nunca me viu, não faz a menor ideia de quem eu seja. A opinião de terceiros sobre mim está fora do meu controle. E creio que não exista nenhuma outra forma de agir senão esta. Cabe a mim tentar, mesmo - e por enquanto não posso me dar ao luxo de parar. E, quer sabe? Já consegui muitas coisa graças a esta atitude proativa. Não consegui várias outras com esta mesma atitude, mas estaria bem menos conhecida se não tivesse mexido meus pauzinhos e corrido atrás.                
Bom, também não sou daquelas que insiste em abordar a mesma pessoa várias vezes - isso já não acho que seja bom. Creio que  isso acabe mais atrapalhando do que ajudando. Temos que vencer pelo cansaço, sim, mas não sei se cansando uma pessoa específica. A meu ver, este "cansaço" quer dizer: muitas ações, fazer muito, inventar muito, não parar, gravar, criar parcerias, se divulgar ao lado de outros artistas. Isso "cansa" em um ótimo sentido, fazendo com que você se torne quase impossível de não ser visto. Não dá para te ignorar, porque você está agindo demais, está fazendo sem parar.               
Outro dia estava pensando em pequenas coisas que gostaria muito de alcançar e me vi negativa, pensando em tudo o que ainda não alcancei. Mas percebi que não obter certas respostas ou ser invisível a certas pessoas não me alterava, nem me machucava. Caso alguém esteja me ridicularizando por tentar certas coisas, o que fazer? Nada. Continuar tentando. O "não" já é meu, certo? (Taí uma frase libertadora.)               
Ando cada vez mais entendendo que certas coisas não dependem de mim. Depende de mim ter a ação. A reação, jamais poderei controlar. Não há razão em me manter inerte por isso.              
Se aprendi alguma coisa (e aprendi mesmo, oras!) nesta vida de música, é que a cara de pau, além de ser muito benéfica (aprecie com moderação, é claro - como mencionei, melhor não bombardear ninguém), tem muito a ver com o quanto você se valoriza e acredita no que faz. E no quanto acredita que, cedo ou tarde, vai alcançar várias pessoas com sua arte. (Independentemente do fato de hoje te acharem meio chatinho, ou pouco blasé - e ser blasé, para alguns, é fator dos mais importantes...). 
Tudo, no final, acaba sendo uma questão de fé, e esta é mais uma delas, penso.