quinta-feira, 30 de julho de 2015

Bem feito

Sempre achei que fazia meu trabalho de forma bem feita. 
Não tinha dúvidas de que minha banda de rock era boa. Mais tarde, cantando na noite, como artista solo, também continuava achando que aquilo ali era música de qualidade, e que o que eu oferecia era bom e bem feito.
Talvez de fato sempre tenha sido bom. Mas será que era bem feito, mesmo?
Posso dizer hoje, com todas as letras: não, nem sempre o trabalho estava bem feito. (Estou falando aqui apenas de minha parte, daquilo que cabe somente a mim.)
Já fui chamada para cantar como convidada em alguns shows, e por vezes o resultado não foi bom. Uma participação em uma única canção, mas, por não ter ensaiado a música em casa, e graças à preguiça e ao "deixar para depois", o dia da apresentação chegou e lá estava eu, crua, crua no palco.
Talvez eu sempre tenha tido certeza de minha facilidade para cantar. E isso, ao invés de me dar segurança e vontade de trabalhar cada vez mais, teve um efeito nefasto: fez com que eu nunca tenha dado bola para grandes esforços. Sim, nunca fui muito esforçada no sentido técnico.
Sou bastante dedicada à produção de meus trabalhos, por exemplo. Já produzi muito em minha antiga banda de rock, fazendo contatos, marcando shows, escrevendo textos. E continuo produzindo, agora em meu trabalho solo: enviando material, escrevendo projetos. Neste sentido sou batalhadora, inegavelmente. Mas no meu cantar, não. Sempre que era chegada a hora de suar, treinar a voz, me impor desafios como cantora, não, eu não me esforçava. Nunca batalhei muito para melhorar minha voz. Já fiz aulas de canto, é claro, mas, como disse um querido professor de música, o pulo do gato é treinar sozinho. Praticar apenas em aulas, uma vez por semana, não vai fazer com que revoluções vocais aconteçam. Este esforço é do aluno, e só dele. 
Observo agora, de longe, que em várias situações não fiz da forma que poderia ter feito. Fiquei muito aquém de minha capacidade. Deixei para lá o esforço e fui no feeling, no improviso, confiando no talento, como se o talento não precisasse de treino e estudo. E em muitas destas vezes a verdade é: não ficou legal. Podia ter ficado muito mais bonito.
Não concordo com quem diz que "ora, ser afinado é o minimo que um cantor deve ser". Não penso mais assim (já pensei). Nem penso mais que ele não pode ter nenhum ceceio, ou língua presa, ou a dicção meio ruim. Acho que ele pode ter tudo isso aí e ser muito bom, ainda assim. Pode cantar com sentimento e emoção, e ser maravilhoso de se ouvir. Por que digo isso? Porque talvez eu sempre tenha me fiado muito em minha afinação e dicção boa. Daí a técnica zero (na época do rock, por exemplo), era quase que um trunfo. Como se fosse uma grande tiração de onda não estudar e ser boa. Acho que eu pensava (comigo mesma) que já estava "pronta" em algum sentido; talvez eu pensasse que o que eu tinha já bastava. Para que estudar, então?
                Hoje em dia já me vejo bastante responsável no sentido vocal. Adoro ensaiar, coisa que sempre detestei. Hoje considero os vocalizes da aula de canto um momento gostoso e importantíssimo, e nesta parte costumava ficar entediada. Entendi a importância de várias coisas que achava "chatas". 
E sim, acho meu trabalho bom, e de qualidade. Acho que tenho bom gosto para escolher meu repertório (sei que palavras como "qualidade" e "bom gosto" não explicam muito, mas talvez eu tenha conseguido me fazer entender), mas sei que é preciso muito estudo (sozinha e em aulas) para que eu chegue cada vez mais perto do meu potencial.
Tenho consciência de que não só o artista, mas qualquer ser humano, jamais deve se contentar com aquilo que tem, apenas. Não se trata de ingratidão ou insatisfação infundada, é exatamente o contrário. Creio ser fundamental que valorizemos aquilo que temos, e talvez não exista forma mais especial de agradecimento por aquilo que nos é inato do que o esforço, o suor para melhorar esta capacidade.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Apaixonada

Na barca Rio-Niterói, conversando com uma amiga também cantora, falei sobre alguma canção de Gilberto Gil. Não lembro o que disse, nem qual era a canção. Só sei que esta amiga, com quem convivo bastante, disse assim:

- Você fala muito no Gil... Ele é o seu preferido, é?

O que eu entendi, dias depois, foi que esta conversa poderia perfeitamente ter sido assim:


- Porque o Fulano isso, o Fulano aquilo, blá blá blá, o Fulano fez assim assado...
- Você fala muito no Fulano... Você está apaixonada, é?

Voltando um pouco:

Em 2003 trabalhei em uma loja, em Copacabana, onde um dos donos era fascinado por música. Conheci muitas coisas boas através dele, e uma destas coisas muito boas foi esse tal de Gil. Já conhecia um pouco da obra de Gil, é claro, mas não sabia que ele era o compositor de muitas e muitas músicas que eu amava, e que só conhecia na boca de outros intérpretes, e também não sabia da extensão de sua obra. Lá, ouvi "Viramundo" e "Roda", com Sergio Mendes, ouvi "Barato total", com a Gal... Nesta época fui conhecendo várias músicas e ficava boba: todas as composições com as quais eu ficava impressionada pela beleza da melodia, pela letra, por qualquer coisa, todas eram composições do Gil. Ia lá pesquisar e era sempre ele o autor. Comecei a ficar desconfiada: seria ele o Deus da música? Hoje sei que ele não é o Deus de todos, mas talvez seja o meu, aquele que coloco em um altarzinho, para adorá-lo e ouvi-lo.

Na verdade não penso muito em músicos preferidos: antigamente isso era importante para mim, mas hoje não. Creio que os artistas dos quais gosto vão se completando, cada um vai preenchendo lacunas dentro de mim. Mas o fato é que Gil consegue preencher várias destas lacunas. Me faz rir e me emociona, e consegue me fazer amar músicas que nunca haviam chamado minha atenção. "Samba do avião", "Imbalança" e até "Mineirinho" (aquela mesmo, do Só pra Contrariar) são canções que vira e mexe tenho que colocar no aparelho de CD ou no Youtube. Se tornaram necessárias, e a culpa é de Gilberto.


Estes dias fui a uma apresentação de dança de uma amiga e, ao final, colocaram "O canto da ema", na versão do Gil. Algo mudou em mim. Falei com o amigo que estava ao meu lado: "É só ouvir esta voz e esta musicalidade, que já fico empolgada". Como se o homem pelo qual sou apaixonada entrasse no recinto onde estou, me fazendo sentir um frio na barriga, empolgada por estar vivendo aquilo. O ambiente fica feliz quando Gil chega. 

É melhor assumir logo. Sim, amiga, acho que estou apaixonada...

terça-feira, 14 de julho de 2015

Meu sonho se tornou realidade

Sempre sonhei em ser cantora. 
É verdade que também já quis ser mecânica de moto, faxineira dos meus pais (adorava arrumar e limpar a casa!), escritora, atriz, estilista... Um bando de coisas. Mas, cantar, desde muito cedinho eu fazia. 
Por volta dos quatro anos de idade, pegava um hidrocor, fazia de microfone e ficava cantando músicas sobre comida para a minha mãe, aquela santa, que dava a maior força, sorrindo e motivando a continuar "compondo" e cantando sobre bolos de chocolate e outras delícias. 
Mesmo quando mudei momentaneamente o sonho musical e comecei a querer ser guitarrista/baterista, aos 12 anos, o fato é que continuava querendo estar na música, trabalhar com música. Queria estar no palco. Continuava querendo viver este tipo de emoção, querendo me comunicar desta forma.
E é muito engraçado perceber que hoje em dia eu vivo aquilo que sonhava na infância/adolescência: faço shows, faço música, vivo neste universo.
Ano passado estava cantando forrós em uma festa junina, feliz, e me peguei pensando (e foi muito forte e emocionante esta percepção): "Estão me pagando para fazer isso. Estão me pagando para eu fazer a coisa que mais me dá prazer. Estou ganhando para me divertir e ser feliz."
É engraçado você notar que um sonho seu se realizou e você talvez nem tenha percebido, nem tenha feito alarde - ou, o que é muito ruim, nem tenha dado valor. 
Talvez eu não tenha notado antes esta realidade pelo fato de que tudo foi acontecendo de forma sutil, natural, aos poucos. Fui fazendo shows, me apresentando, mostrando a cara, me refinando, e as coisas foram acontecendo. Hoje faço shows em festas particulares, em praças públicas, em teatros, apresentações de uma música só em festivais, faço shows em parceria, canto como convidada de outros músicos, sou backing vocal. Faço shows do meu trabalho solo. Faço shows só de forró, ou só de carimbó. E já fiz muitos e muitos shows de rock. Tudo isso mostra que, de fato, há alguns anos que este meu sonho se tornou realidade. 
Parece que às vezes sonhamos tanto, mas tanto, que não imaginamos aquilo se concretizando. O sonho fica lá, estritamente no lugar do sonho. E a realidade ali, só querendo tirar aquele devaneio das nuvens e levá-lo até a vida, ao dia a dia. O problema é que muitas vezes temos medo daquilo que mais amamos, temos medo de que o nosso maior sonho aconteça. É o famoso "medo de ser feliz" - expressão que eu, quando criança, não conseguia entender, mas hoje em dia, lamentavelmente, entendo. Sim, a possibilidade de concretizar grandes coisas dá medo. 
E estas coisas, tão grandes, se tornaram parte de minha vida, e parecem (só parecem) não tão grandes porque se naturalizaram. Mas creio que é muito importante que eu entenda o quanto são enormes. O quanto realizei. O quão incrível é eu ter conseguido me firmar como cantora - mesmo que eu tenha um trabalho paralelo, mesmo que eu não tenha sucesso midiático, mesmo que eu ainda almeje muito mais. Mas o fato é este: sou cantora, algo que sempre quis ser.  
É claro que este sonho vez ou outra foi deixado de lado, por cansaço, por falta de coragem. Há relativamente pouco tempo, uns dois anos, me vi cogitando deixar isso para lá e parar de lutar para ser feliz, pensando no possível alívio inicial que eu sentiria ao abandonar esta empreitada, tão cansativa. É que ter coragem cansa. Lutar pela felicidade cansa. Melhor aceitar a infelicidade, mesmo, e descansar. Só que não, né?
(Digo vez ou outra isso: sempre pensamos no medo de tentar e não conseguir. Temos medo de um possível fracasso depois de tanta luta. Temos medo de não aguentarmos o baque de um possível insucesso. Daí, não fazemos. Mas o engraçado é: não temos medo de uma vida inteira desiludida, não temos medo de sentir uma frustração perene. E o fato é que a tristeza do fracasso momentâneo sempre dá frutos, mesmo que a gente pense que não - o "menor" destes frutos é a experiência.) 
Mas, felizmente, não deixei para lá, e nem vou deixar. Isso não impede que eu faça outras coisas, também, é claro, pois tenho vários interesses. Mas devo confessar que andei saindo do armário pra valer, assumindo que aquilo que mais amo, dentre todos os meus interesses, é isso mesmo: cantar, fazer música. Isso me pegou desde criancinha, e não foi à toa. Sempre foi uma paixão. Já dizia Tim Maia: "Paixão antiga sempre mexe com a gente..." 
O interessante é que minha vida de cantora, que me completa, me inspira e que, aliás, me faz querer criar estes textos, é uma vida incrível e ao mesmo tempo simples, como disse. Não escrevi este texto dizendo que "meu sonho se tornou realidade" porque assinei contrato com uma gravadora, ou porque fui chamada para cantar com um figurão da MPB. Nada disso. Escrevi este texto dizendo isso porque há um ano, em uma festa junina, percebi que aquilo que faço com mais facilidade/prazer/alegria é simplesmente aquilo que, dentre todas as coisas que faço, dá mais prazer e alegria a outras pessoas.
As pessoas querem que eu cante! Tenho certeza que a menina de quatro anos de idade acharia isso um presente especial demais para não ser valorizado. E eu, aos 32, percebo que só posso concordar com ela.  

terça-feira, 7 de julho de 2015

Passando o chapéu

Fiz há poucos dias um show com um amigo. Uma vez que estávamos produzindo o evento, ficamos encarregados de certas responsabilidades. Nós dois decidimos montar o show juntos, portanto era função nossa organizar boa parte das coisas.

Uma destas coisas era o pagamento dos músicos. Estávamos tocando em um espaço da prefeitura, porém não havia cachê, nem cobrança de ingressos: tratava-se de um show ao ar livre, no terraço do local.

Era importante, então, “passar o chapéu”. Era importante conseguir grana para os músicos que estavam lá conosco, e era importante que não tivéssemos prejuízo financeiro (porque, caso não conseguíssemos o suficiente, teríamos que completar o pagamento deles). Era importante, principalmente, que tudo aquilo fosse leve. Eu queria um show que, além de sustentável, fosse gostoso antes, durante e depois. Queria que todo mundo saísse feliz no final. Ninguém no prejuízo, ninguém recebendo pouco depois de se disponibilizar a tirar músicas, ensaiar, passar som e tocar por uma hora e meia. Justo.

Pela minha experiência de tocar na rua e lidar com plateias, já sabia que não funcionava muito deixar um chapéu parado, esperando que o público contribua. O fato é que as pessoas ficam tímidas de ir até o chapéu. Algumas pessoas não o veem, simplesmente. Já outras não ficam assim tão empolgadas em ajudar caso este não apareça ali, na frente delas.
Peguei o chapéu e comecei a passar pelo público. Várias pessoas ajudaram. Várias já tinham ajudado, é verdade, mas a grande massa de pessoas ali quis ajudar no momento em que viram a cantora da banda pedir ajuda, segurando um chapéu, em uma atitude simples, um pedido de contribuição.

Saí feliz e satisfeita com o show, com minha atitude, com o resultado. Ninguém saiu dali “no prejú”. E de quem é a culpa disso? Bem, foi algo que eu disse no microfone, antes de passar o chapéu: “Depois que vi o show do Tom Zé, não tenho mais medo dessas coisas”. E é verdade. Se o Tom Zé (que é o Tom Zé) pede ajuda, se ele é humilde o suficiente para falar sobre seus CDs e livros à venda durante o show, se chega a fazer música com este tema para enfatizar esta necessidade... Quem sou eu para achar que não posso passar um chapéu? Se eu achasse isso, estaria me achando superior ao TZ. E então teria que fazer uma BOA autoanálise, certo? (É, o show deste cara de fato mudou muita coisa dentro de mim, e esta antifrescurite foi mais uma delas.)

Mas a culpa também é da Amanda Palmer, com seu incrível vídeo “The art of asking”, onde ela aborda o quanto é importante que o artista saiba pedir ajuda e também que deixe que as pessoas ajudem, por livre e espontânea vontade. É importante saber receber. É importante saber que esta atitude é uma troca entre o artista e o público, e que isso os aproxima muito.
Pensei que não poderia jamais deixar passar a oportunidade de incentivar que contribuíssem com nosso trabalho. Aquelas pessoas estavam amando o show. Várias compraram nossos CDs. Elas queriam nosso contato, queriam nos conhecer, bater papo. Por que eu me colocaria em um pedestal? Apenas para fingir que não precisava da ajuda financeira do público? Precisava, sim, e continuo precisando. (Aliás, quer comprar meu CD? Entre em contato.)

Estamos na época onde vários artistas conseguem gravar ou fazer shows graças ao crowdfunding. E isso mostrou o quanto o artista não pode mais dar uma de distante. Ele precisa de seu público. E o público está adorando esta proximidade - eu, pelo menos, como público de vários artistas, e como admiradora de vários projetos, adoro quando estas pessoas de que sou fã vêm me pedir ajuda inbox. Acho isso de uma humildade incrível, e amo esta proximidade que acontece. Não bastasse o crowdfunding estar revolucionando, no sentido de estar possibilitando milhares de projetos, ainda está fissurando (em alguns meios, é claro) este lamentável status de “inalcançável” onde o artista muitas vezes se coloca. 

Vamos trocar a arrogância/distância pela troca e pelo contato? Todo mundo vai sair ganhando.