É comum alguém que gosta da minha música vir
comentar, depois de ver um show meu ou ouvir o CD: “Você com este som
maravilhoso, e tanta coisa ruim fazendo sucesso...” A pessoa que divide isso
comigo, acredito, quer me mostrar que valoriza meu trabalho e que acha que mereço mais.
Isso é demonstração de carinho, mas há uma crítica a outros artistas que não me
toca, e sobre a qual eu nunca tenho nada a acrescentar. No máximo um “pois é”,
mais para mostrar que estou ouvindo a pessoa, não necessariamente concordando
com o que ela diz.
Eu, que tenho a felicidade de trabalhar com
música, de ter que viver neste ambiente, sou testemunha de que há, sim,
trocentos artistas inacreditavelmente bons por aí. Muitos estão numa batalha
pesada, mas estão aí, fazendo. Não estão deixando de fazer porque está difícil
– estão fazendo menos do que gostariam, mas resistem – ou porque músicas mucho locas (não em um sentido exatamente
bom) estejam fazendo sucesso. Em suma: vejo crescer, sempre e cada vez mais,
uma cena ótima musical por estas bandas brasileiras.
Acho que deve ser por isso. Eu sei que há muita música boa sendo produzida
por aí. Eu sei que a fertilidade do Brasil no quesito musicalidade é grande.
Tem para tudo quanto é gosto, tem letra assim, letra assado, tem alegria, tem
melancolia, tem tantas vozes, beleza para dar e vender. E os responsáveis por isso estão
aí, prontos para serem ouvidos. Deve ser
por isso que este papo de “coisa ruim fazendo sucesso” não me toca. Porque, na
verdade, estas “coisas ruins” são, para mim, muitas vezes, algo como... uma
imagem fantasiosa das coisas. Estes artistas têm
muito mais a ver com mercado, publicidade e imagem do que com música, mesmo. Quando
falamos de música (e música que acontece e resiste mesmo sem grana), há bandas
boas saindo pelo ladrão, artistas incríveis que não têm o espaço devido. Às
vezes vão cavando espaço e aos poucos vão chegando. Os shows lotados daqueles
que são considerados péssimos não são uma preocupação em minha vida. Acho que é
exatamente porque estes artistas, para mim, vivem em outro mundo, bem distante do mundo em que vivo. Nem nos cruzamos. Não vou a seus shows, não os vejo na TV (e por que eu
veria TV se nela, infelizmente, o maior espaço é do entretenimento – e da
informação – que não me interessa?). Estamos em universos muito distantes. Somando-se
a isso, ainda tem o fato de que muitos artistas incríveis são, sim, reconhecidos,
fazem grandes shows e conseguem viver muito bem de suas artes. Ou seja, as
coisas poderiam estar melhores, mas pode-se dizer que também não estão de todo
mal.
Vários assuntos me movem e me interessam dentro
da música: a crítica, a relação entre músicos e cantores, a autoconfiança dos
cantores... Tópicos que, inclusive, parece que nunca se esgotam em mim. Volta
e meia preciso falar deles de novo. Mas em relação a este tema, não, não tenho muito o que dizer.
Deve ser também porque a cada dia que passa
percebo que certos comentários me tocam cada vez menos. Outro dia alguém disse
que certo artista, ainda desconhecido do grande público, pretendia fazer um
disco só de blues. Mas, por este artista ter uma história dentro de outro
estilo musical, a pessoa que me deu esta notícia estava achando aquilo um
absurdo. “Ele não pode fazer isso, pois não se firmou ainda, enquanto não tiver
firmado não pode mudar assim...”. O que entendi foi o seguinte: este artista já
não tem reconhecimento do grande público, nem da crítica, muito menos tem grana.
A única coisa que ele tem é a liberdade. Ele deve abdicar disso, seu bem mais
precioso, para que finalmente, então, fique sem absolutamente nada? Não posso
concordar. Mas mesmo ouvindo isso não me choquei, nem fiquei exaltada. Porque não havia maledicência na fala daquela pessoa,
era apenas a opinião dela. Estava indignada de verdade, achando que aquilo não
seria bom para o artista. Ponto. Entrou por um ouvido, saiu pelo outro, e se
fosse em relação a mim, também. Pode falar que não devo misturar, que não
posso fazer assim ou assado. Vou escrever um texto sobre, mas não vou ficar
chateada. Porque sei que no meu trabalho mando eu, e nele faço o que bem entender,
então não há a menor possibilidade de alguém me convencer a colocar em prática
uma ideia que tem muito mais a ver com marketing do que com música.