domingo, 20 de setembro de 2015

No comments

É comum alguém que gosta da minha música vir comentar, depois de ver um show meu ou ouvir o CD: “Você com este som maravilhoso, e tanta coisa ruim fazendo sucesso...” A pessoa que divide isso comigo, acredito, quer me mostrar que valoriza meu trabalho e que acha que mereço mais. Isso é demonstração de carinho, mas há uma crítica a outros artistas que não me toca, e sobre a qual eu nunca tenho nada a acrescentar. No máximo um “pois é”, mais para mostrar que estou ouvindo a pessoa, não necessariamente concordando com o que ela diz.
 Eu, que tenho a felicidade de trabalhar com música, de ter que viver neste ambiente, sou testemunha de que há, sim, trocentos artistas inacreditavelmente bons por aí. Muitos estão numa batalha pesada, mas estão aí, fazendo. Não estão deixando de fazer porque está difícil – estão fazendo menos do que gostariam, mas resistem – ou porque músicas mucho locas (não em um sentido exatamente bom) estejam fazendo sucesso. Em suma: vejo crescer, sempre e cada vez mais, uma cena ótima musical por estas bandas brasileiras.
 Acho que deve ser por isso. Eu sei que há muita música boa sendo produzida por aí. Eu sei que a fertilidade do Brasil no quesito musicalidade é grande. Tem para tudo quanto é gosto, tem letra assim, letra assado, tem alegria, tem melancolia, tem tantas vozes, beleza para dar e vender. E os responsáveis por isso estão aí, prontos para serem ouvidos.  Deve ser por isso que este papo de “coisa ruim fazendo sucesso” não me toca. Porque, na verdade, estas “coisas ruins” são, para mim, muitas vezes, algo como... uma imagem fantasiosa das coisas. Estes artistas têm muito mais a ver com mercado, publicidade e imagem do que com música, mesmo. Quando falamos de música (e música que acontece e resiste mesmo sem grana), há bandas boas saindo pelo ladrão, artistas incríveis que não têm o espaço devido. Às vezes vão cavando espaço e aos poucos vão chegando. Os shows lotados daqueles que são considerados péssimos não são uma preocupação em minha vida. Acho que é exatamente porque estes artistas, para mim, vivem em outro mundo, bem distante do mundo em que vivo. Nem nos cruzamos. Não vou a seus shows, não os vejo na TV (e por que eu veria TV se nela, infelizmente, o maior espaço é do entretenimento – e da informação – que não me interessa?). Estamos em universos muito distantes. Somando-se a isso, ainda tem o fato de que muitos artistas incríveis são, sim, reconhecidos, fazem grandes shows e conseguem viver muito bem de suas artes. Ou seja, as coisas poderiam estar melhores, mas pode-se dizer que também não estão de todo mal.
 Vários assuntos me movem e me interessam dentro da música: a crítica, a relação entre músicos e cantores, a autoconfiança dos cantores... Tópicos que, inclusive, parece que nunca se esgotam em mim. Volta e meia preciso falar deles de novo. Mas em relação a este tema, não, não tenho muito o que dizer.
 Deve ser também porque a cada dia que passa percebo que certos comentários me tocam cada vez menos. Outro dia alguém disse que certo artista, ainda desconhecido do grande público, pretendia fazer um disco só de blues. Mas, por este artista ter uma história dentro de outro estilo musical, a pessoa que me deu esta notícia estava achando aquilo um absurdo. “Ele não pode fazer isso, pois não se firmou ainda, enquanto não tiver firmado não pode mudar assim...”. O que entendi foi o seguinte: este artista já não tem reconhecimento do grande público, nem da crítica, muito menos tem grana. A única coisa que ele tem é a liberdade. Ele deve abdicar disso, seu bem mais precioso, para que finalmente, então, fique sem absolutamente nada? Não posso concordar. Mas mesmo ouvindo isso não me choquei, nem fiquei exaltada. Porque não havia maledicência na fala daquela pessoa, era apenas a opinião dela. Estava indignada de verdade, achando que aquilo não seria bom para o artista. Ponto. Entrou por um ouvido, saiu pelo outro, e se fosse em relação a mim, também. Pode falar que não devo misturar, que não posso fazer assim ou assado. Vou escrever um texto sobre, mas não vou ficar chateada. Porque sei que no meu trabalho mando eu, e nele faço o que bem entender, então não há a menor possibilidade de alguém me convencer a colocar em prática uma ideia que tem muito mais a ver com marketing do que com música. 

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Com pé e com cabeça

Há tempos estava vendo uns vídeos das canções do primeiro CD de Alice Caymmi no YouTube. Quando fui ver-ouvir "Arco da Aliança", parceria de Alice com Paulo César Pinheiro, li um dos comentários sobre a música: "Letra sem pé nem cabeça. Se não tivesse o sobrenome Caymmi, tava lascada". 
Curioso é que enquanto eu via beleza na voz, na letra e na atmosfera criada, para a pessoa que escreveu aquilo só havia ali (que fosse digno de nota) uma letra "sem pé nem cabeça". Será que de fato aquela canção, para ele, não disse absolutamente nada?
O que acho, mesmo, é que faltou vontade de prestar atenção, e principalmente boa vontade. Faltou interesse em se envolver, sobrou implicância.
Vejo isso acontecendo bastante. Há certa birra com o que não é direto, com qualquer resquício de subjetividade. Já me vi muitas vezes assim, implicando, sem mais nem menos, com algo que eu não entendi, ou que tive preguiça de entender. Não sou obrigada, assim como ninguém é, a gostar de algo que (a princípio) não está se comunicando comigo, mas será que eu ao menos tentei compreender aquilo? Será que fiz algum esforço, parei por mais de dois minutinhos para ver se aquilo ali chegava até a minha pessoa?
O exemplo da canção “Arco da aliança” nem chega a ser um bom exemplo de uma arte de difícil apreensão – trata-se na verdade, em minha opinião, de uma canção tão linda quanto compreensível em sua poética, abordando cirandas e danças que alumiam, cenários tão fáceis de visualizarmos (e sentirmos). Mas, quando há má vontade, o resultado é esse: fala-se qualquer coisa, só para detonar.
Voltando à sessão mea culpa, cheguei a fazer parte de uma comunidade, no extinto Orkut, chamada “Odeio intelectualoides”. Não lembro o que me motivou a clicar ali – provavelmente algum filme “sem pé nem cabeça” que, impaciente, eu não quis entender? Talvez –, mas hoje vejo que esta atitude de fazer questão de mostrar minha aversão a assuntos intelectuais nada mais era do que uma invejinha básica. Inveja de quem conseguia sair do raso e partir para campos mais complexos. Talvez tenha sido a mesma inveja que sentiu o comentador de Alice (mera suposição) por, infelizmente, não se permitir ser menos direto e mais poético, às vezes.
Acho que temos ainda muita vergonha de deixar nosso lado mais sensível aflorar. Só vale “papo reto”, o resto é frescura? Enrolação? Arte é o que, então? “Coisa de fresco”? Deve ser, porque, aliás, até pronunciar a palavra “arte” – ou o derivado, “artista” – é um tabu, também. Já vi músicos rindo destas palavras. Eita! Precisamos de piadas melhores.
Em março aconteceu, na Praça Tiradentes, a Feira do Bonde, um ato político-artístico cheio de atrações. Entre estas, duas performers apresentaram um trabalho onde uma delas derramava um líquido vermelho na parceira, a enrolava em plástico filme, deslizava uma machadinha pelo corpo desta. Tempos depois a revista Piauí resolveu falar sobre aquilo (o ato como um todo) de forma bastante jocosa, fechando com chave de latão ao citar um comentário feito no YouTube, em relação ao vídeo da citada performance: “Eu devo ser muito ignorante mesmo, não entendi absolutamente nada.” Penso que o rapaz que escreveu talvez de fato não tenha entendido, mas poderia entender caso estivesse no local, no meio do contexto, sabendo que o evento tratava de política e questionamento da vida na cidade do Rio de Janeiro (que comemorava 450 anos naquele dia). Mas e a jornalista da Piauí, será que não entendeu mesmo? Ou fez questão de não entender para mostrar sua resistência àquilo que estava acontecendo?
Acho bacana sempre tentarmos separar aquilo que não entendemos por convicção (ou seja: quando temos ressalvas em relação a algo) daquilo que de fato não entendemos racionalmente, por falta de vivência ou envolvimento com o tema.

sábado, 12 de setembro de 2015

Não há outra saída

Certa vez, conversando com um colega, eu disse que estava feliz com a perspectiva de lançamento do meu CD (que só aconteceria um ano depois desta conversa), e disse, também, que sabia que hoje em dia a música se espalha mais facilmente, chegando a muito mais pessoas pela internet, através de downloads etc. Usei o exemplo de um amigo – grande músico, que, além de sê-lo, é filho de outro grande músico – cujo CD, disponível na internet, teve mais de 10.000 downloads. Daí ouvi o seguinte comentário, como réplica: “É, mas você não é o fulano, nem é filho do sicrano.” Ou seja: eu deveria tirar o cavalinho da chuva e entender que provavelmente eu não teria o alcance que o amigo músico teve. Melhor morrer de véspera, logo.
O que aconteceu? Meu CD saiu, lindo, em um show lotado no Sergio Porto (detalhe: foi o dia mais feliz de minha vida até então). Desde este dia (o dia do show foi o dia que o CD chegou de fábrica), o filhote me trouxe muitos momentos bonitos, de depoimentos de amigos e pessoas que compraram o CD pela internet. E, antes do show, o próprio processo de pensar e fazer o Temperos foi minha empreitada mais importante, até hoje. Amadureci muito no estúdio, amadureci muito com as consequências de tudo o que aconteceu depois. Artistas que admiro admiraram meu trabalho, coisas que valem ouro aconteceram graças a esta decisão de gravar meu primeiro disco solo. E será que algum número de downloads consegue expressar tudo isso que vivi? Acho difícil, visto que nem eu consigo mensurar o tamanho de tudo o que aconteceu.  
Estas contabilidades - downloads, curtidas, números de plays no SoundCloud etc. - me interessam, sim, porém menos do que outras análises. Prefiro observar, por exemplo, o que fiz hoje pela minha carreira (conselho da querida Elisa Fernandes). Prefiro analisar se estou melhor, profissional e tecnicamente, do que estava há tempos. Se estou com medo de dar algum passo. Se estou querendo fazer algo por ego ou por real vontade. Se não quero fazer algo porque não vale a pena ou por pura preguiça, mesmo.  
O que quero dizer é: acho que tenho muito. E é claro que quero ainda mais. Quero gravar mais, chegar a muito mais pessoas, quero experimentar muito mais. Meu alcance ainda é bem menor do que o alcance que espero ter, com o tempo. Porém, tudo o que tenho alcançado, cada pequena vitória, eu sei que é, na verdade, mais uma peça que vai se encaixando em meu trabalho, coisas que vão fazendo com que a cada dia eu me fortaleça mais. Nem tudo são flores, e, infelizmente, ainda me pego desanimada vez ou outra, mas sempre que percebo tudo o que tenho e tudo o que consegui, me animo e vejo que não há outra possibilidade senão seguir em frente, para conquistar ainda mais coisas, colecionar mais momentos felizes, histórias gostosas de se viver.
Vez ou outra me lembro – e se me lembrasse sempre seria ótimo – de algo que disse Dalai Lama no livro Uma ética para o novo milênio: “Como o banqueiro que recolhe os juros até do menor empréstimo que faz, temos de levar em conta até o mais insignificante aspecto positivo de nossas vidas.” É preciso pensar que o que tenho é muito para uma pessoa que tantas vezes duvidou de si. Pois conto, hoje, com parceiros tão bons, pessoas que me ajudam tanto, que querem estar do meu lado, que sentem felicidade em fazer música comigo, e eu com elas... E pessoas que querem fazer outros tipos de parceria comigo, para que possamos nos ajudar mutuamente, trocando serviços, unindo as forças. Isso é um grande motivo para ser grata: vejo claramente a credibilidade que tem meu trabalho. Taí uma conquista tamanho GG.
 E tem aí muito mais por vir. Não estou falando de ganhar prêmios, de assinar contratos, nem de grana. Falo de ação, de vivências. Canções que farei, sozinha ou com parceiros, shows que realizarei com outros cantores, ou shows de meu trabalho solo, momentos marcantes que viverei nessa eterna descoberta que é falar através da arte. Acontecerão sempre que eu me entregar e acreditar, sabendo que não há outra opção (ou, ao menos, não outra que me faça sentir tão feliz). Pode ser que hoje mesmo, quando eu pegar meu violão, algo bonito aconteça. Pode ser que, ao sair para a ver a peça de meus amigos, eu veja algo que me inspire e daí surja mais uma canção. Agora, amanhã, sempre, a todo momento, podem vir mais pecinhas que se juntarão em minha música e farão de mim alguém ainda mais conectado consigo e com o mundo. Pensar nisso tudo evidencia o privilégio que é viver neste universo de melodias, letras, ritmos e harmonias. 
Embora eu ame muitas coisas, muitas artes e muitos ofícios, eu sei de uma coisa: não há outra saída para mim que não seja extravasando minha musicalidade. Se as coisas estiverem indo bem, se estiverem indo mais ou menos, se estiverem bem abaixo do que eu esperava, não importa. É isso o que tem que ser feito, e ponto. 

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Sensualidade musical

Escrevi há um tempinho um texto sobre a beleza constrangedora, onde discorri sobre um fenômeno doido: a beleza, gigante, pode assustar o autor desta (pintei o caso específico do cantor). Este, por sua vez, boicota aquela beleza, instintivamente, achando que “não pode” – resumo resumidíssimo do texto. Usei a primeira pessoa majoritariamente, é claro, pois me baseei em minha própria experiência. Outras pessoas se identificaram e vieram falar comigo sobre, o que me deixou muito feliz: falar sobre minha própria beleza não foi muito fácil, tanto pela questão de uma aparente prepotência quanto por expor uma grande fragilidade, algo bem íntimo, deste jeito.
Mas a intenção é mesmo esta, aqui neste blog: falar sobre tudo o que ainda não entendo direito (e que ao escrever entendo um pouco melhor), falar sobre o que acredito entender minimamente (e que ao escrever percebo que entendo bem pouco, mesmo), falar sobre aquilo que, a princípio, talvez eu não devesse falar, por evidenciar meus pontos a serem melhorados, pontos que talvez eu devesse esconder, ou abordar apenas quando já fossem coisa do passado, temas resolvidos. Mas o fato é que escrever sempre me deixa muito melhor, e não há vaidade que vá me privar desta sensação.
Quero falar hoje sobre algo muito próximo ao que abordei no texto “A beleza constrangedora”, mas ligeiramente diferente. Quando falei que existem belezas tão gigantescas dentro de nós que chegavam a assustar, não sabia (ou sabia e ainda não havia assumido, talvez) que aquilo era uma questão de entrega. Entregar-se, deixar-se levar. Perder o controle.
Existe um momento muito bonito na música, que é quando a conexão acontece de forma muito forte entre os que estão executando uma música. Posso sentir isso, por exemplo, quando estou com algum/alguma violonista ou pianista, por serem estes os instrumentos que geralmente me acompanham. Em um ensaio, se tudo estiver correndo bem, pode acontecer um momento de forte conexão, um momento onde há um “clique”, algo acontece de especial. A música vem com toda a sua potência, e esta potência é uma espécie de sensualidade. Não tem a ver com algo físico, é algo que está no ar e de repente é fisgado. Tem muito a ver com a beleza que constrange, mas vai um pouco além, pois envolve outra pessoa: esta grande conexão é um encontro que pode ser estranhamente íntimo, e isso pode, mais do que assustar, parecer inadequado.
Em junho fui ensaiar para uma apresentação. Na hora de passar minha música preferida do repertório deste show, eu, ensaiando com o guitarrista que acabara de conhecer (apenas eu e ele, pois precisávamos conferir a tonalidade), senti isso com força: houve naquele momento, no meu deixar-me levar, uma sensualidade forte, uma intimidade e um encontro muito bonitos. Estranhei, me segurei, e sei que deveria seguido com aquela mágica. A canção é linda, a voz estava linda, a guitarra idem. O encontro é isso, é esta beleza constrangedora, só que mais bela ainda, por acontecer em contato com outro.
Fui comentar com minha querida amiga Claudia Holanda sobre isso, dizendo que eu havia notado que havia uma sensualidade no ar e que às vezes descia, que chegava, e que parecia íntima demais para existir entre pessoas que eram apenas amigos, colegas de profissão, ou o que quer que seja. Claudia, após ouvir minhas impressões, confirmou minhas suspeitas: “Ah, é por isso que às vezes tenho a impressão de que você se economiza”. Aos invés de deixar transbordar, seguro minha represa.
Música é sensualidade, e como nunca havia percebido isso? E digo sensualidade no sentido mais amplo de todos: sensibilidade, entrega, espiritualidade, tudo o que nos arrepia a pele. Tudo o que nos faz deixar cair as máscaras, e ao mesmo tempo nos faz usar a melhor máscara, a mais bonita, a mais sincera, a mais nua. Tudo o que nos deixa em contato com o nosso íntimo.

Não tenho, a pretensão, aqui, de criar uma tese sobre algo que nem eu entendo direito, sobre algo que me pegou de surpresa, sobre algo que muito mais sinto do que compreendo. Escrevo sobre porque constatei, percebi: isso acontece. E que lindo isso acontecer.  

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

O som da moda

Lembro que certa vez comentei com alguém que queria fazer um show só de canções do Itamar Assumpção. Me alertaram que não o fizesse, e uma das razões foi esta: “Zélia Duncan já fez e tem a maior galera cantando as músicas dele. Antes ninguém queria saber do cara, agora está na moda...”
À época eu não sabia que a Zélia tinha este projeto cantando as canções do Nego Dito, mas é verdade que já tinha visto um vídeo da Simone Mazzer cantando “Parece que bebe”, bem como sabia que a Caixa preta do Itamar havia sido lançada em 2010.
Mas a pergunta que não quer calar é: será que este é um bom motivo para não fazer algo empolgante? Será que este é um bom motivo para deixar um projeto na gaveta? Dar um tempinho, e quando “sair da moda”, finalmente fazer (ou nunca mais fazer, já que você “chegou atrasado”)? Porque, dizem, não se deve fazer algo apenas porque todos estão fazendo, e concordo plenamente com esta afirmação. Mas será que é obrigatório não fazer algo, uma vez que muitos outros já estão fazendo aquilo?
Será que na vida a gente deve, sempre, tentar correr contra a corrente? E se a corrente for boa? Se for uma onda bem legal que invade as rádios, os hábitos, o cotidiano?
Seguindo o mesmo raciocínio, será que devemos deixar de usar a palavra “gratidão” porque está na moda? Será que devemos ter implicância com assuntos como feminismo, sustentabilidade, política etc. apenas porque estão em voga – mesmo que sejam importantes e benéficos? Pessoalmente, acho um ótimo sinal que assuntos deste naipe estejam na moda – vamos acabar sabendo ainda mais sobre eles, a discussão será aprofundada, e muita gente será beneficiada com estas informações. Torcer para que continuem no underground é egoísmo, síndrome de Danuza Leão: quando todo mundo faz (ou conhece), não tem mais graça.
Falando por mim, gosto do fato de Itamar estar muito mais visível e fácil de encontrar do que antes (eu sei – infelizmente ele ainda não está exatamente na moda). Em 2003 um dos chefes da loja de roupas em que eu trabalhava colocou um dos volumes do CD Bicho de sete cabeças para tocar, e amei, não poderia ser diferente. E ao mesmo tempo fiquei chocada ao constatar que eu nunca tinha ouvido falar naquele artista tão inovador. Que bom que hoje é bem mais fácil ser invadido por sua música – através de Zélia, Anelis, Simone Mazzer, Guidi (opa!)...
É incrível querer subverter, querer fazer diferente. Mas esta ânsia não é benéfica se ajuda apenas a limitar seus desejos. Penso assim: cante algo que ninguém gosta, e também cante algo que o mundo inteiro vai cantar junto, se esta for sua vontade. Faça o que te der na telha – o que te motiva é o mais importante. Orgulho é quase tão ruim quanto a vontade de fazer sucesso/agradar a qualquer custo.
Não sei se algum dia farei um show só de Itamar, e hoje sei que de fato aquela não era a hora (eu precisava focar na finalização do meu CD), mas quando lembro deste comentário que ouvi, penso: este não é um argumento bom. Podemos pensar na possibilidade de que talvez um assunto muito abordado acabe sendo maçante para o público e não gere muita empolgação. Claro, precisamos ser inteligentes e até estratégicos: timing é importante, mas não é importante a implicância com o fato de que "agora tal coisa está hypeada". Sim, coisas boas várias vezes ficam hypeadas, depois de um tempo. Que bom, pois elas merecem isso mesmo, não devem morrer obscuras.  
É legal lembrar que existe o inconsciente coletivo, e também a contaminação. Várias vezes temos ideias, não as colocamos em prática e logo alguém pinta fazendo o que queríamos fazer. Várias vezes fazemos, e concomitantemente outro alguém também faz. Várias vezes fazemos e descobrimos que já tem gente fazendo há muito mais tempo. Isso é ruim, necessariamente? Não acho. Talvez sirva para engrossar o caldo, e evidenciar que, sim, aquele é um assunto que definitivamente está pedindo para ser explorado. 

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O que será que ando despertando por aí?


Deixei de te seguir... e curtir suas postagens... também de compartilhar... era seu fã... bj

Ontem, quando acessei a internet, vi esta mensagem em minha página de artista do Facebook.
Confesso que não entendi nada.
É claro que em um primeiro momento isso me incomodou um pouquinho, porque não é muito legal saber que alguém passou a desgostar de seu trabalho (foi isso o que a pessoa quis dizer, acho), e não saber nem direito o porquê disso. E não entender, ficar boiando, não saber nem de onde veio a coisa etc., dá uma sensação estranha. Minha reação em pensamento foi: ué, mas eu nem fiz nada. Então, por que diabos estou recebendo uma mensagem que serve apenas para que a pessoa chateada tenha certeza de que eu irei saber que ela está chateada comigo?
Mas... logo depois, pensei uma coisa que me trouxe uma sensação boa: talvez eu esteja me subestimando. Talvez meu alcance seja maior do que penso. Talvez eu desperte coisas, sentimentos, sobre os quais não faço a menor ideia.
É. Acho que quando faço questão de dizer que não tenho fãs, mas amigos que curtem meu trabalho, devo estar me diminuindo, certo? Devo estar ignorando o fato de que há, sim, várias pessoas que conhecem meu trabalho e que não me conhecem pessoalmente. Meu trabalho deve ter chegado a muitos ouvidos cujos donos nem faço ideia de quem sejam. A música (e a arte em geral), hoje em dia, em tempos de internet, pode voar bem alto, mesmo sendo você um artista independente. Canal de YouTube, página de Facebook, este blog (em bem menor proporção), o Twitter, as matérias que saíram sobre o Temperos, sobre o tributo aos Novos Baianos feito pelo Jardim Elétrico, o SoundCloud do Jardim Elétrico, o SoundCloud do coletivo Cavalo Preto, meu SoundCloud, o CD do Alvinho Lancellotti, que teve muuuuitos downloads (do qual participei), compartilhamentos de vídeos meus, e, além da internet, as parcerias com Dudu Godoi, Silvan Galvão, Claudia Holanda e tantos outros, que me levaram a muitas outras pessoas... Tudo isso deve ter feito com que exista, por mais que eu negue, muita gente que é, sim, fã do meu trabalho. E ontem descobri que tenho até ex-fãs.
Não é uma condição que eu busque. Não acho prazeroso saber que algumas pessoas estão decepcionadas com meu trabalho ou comigo. Acho incrível, sim, fazer o que bem quero, e sei que isso pode gerar descontentamento, mas não é meu objetivo de vida ser alvo deste tipo de mágoa que nem sei como começou (e nem sei que tipo de expectativa estava sendo criada em relação a mim para que chegasse a este ponto)Creio, apenas, que é uma conquista entender que não, meu público não é feito só de amigos, ou de amigos de amigos. Não. Tem gente por aí que gosta do que eu faço e não me conhece. A parte ruim é que tem gente por aí que ficou frustrada comigo, sem termos nunca nos conhecido pessoalmente. Mas isso quer dizer que o alcance de minha música pode ser bem maior do que eu pensava.
Sendo um pouco menos vaga em relação a este caso específico, creio que o problema tenha sido: a pessoa em questão já havia mandado a seguinte mensagem (que nunca entendi), quando coloquei alguma foto minha na página de artista: “Você está me decepcionando... nunca está cantando”. Talvez tenha sido uma referência ao fato de eu nunca ter ido à cidade da pessoa para cantar, apesar de seus pedidos. A ironia é que ontem, mesmo dia em que recebi a mensagem, foi o dia em que um amigo músico me avisou que foi confirmado o show que faremos juntos, logo logo, em uma cidade super próxima da cidade deste meu ex-fã.
Finalizo o texto feliz, percebendo que é importante darmos muito valor ao que temos. Não posso subestimar aquilo que já alcancei, todo o esforço que fiz. Se ontem recebi uma mensagem que, a princípio, não fez muito sentido para mim, também entendi que estava diminuindo minhas conquistas e tratando meu esforço em divulgar minha arte, meu esforço como artista-produtora de mim, como algo cujo resultado era pouco expressivo. E não é, pelo visto. Desperto coisas que nem sei... Só espero que, de forma geral, eu desperte muito menos desilusões do que coisas boas.