Há tempos estava vendo uns vídeos das canções do primeiro CD
de Alice Caymmi no YouTube. Quando fui ver-ouvir "Arco da Aliança",
parceria de Alice com Paulo César Pinheiro, li um dos comentários sobre a
música: "Letra sem pé nem cabeça. Se não tivesse o sobrenome Caymmi, tava
lascada".
Curioso
é que enquanto eu via beleza na voz, na
letra e na atmosfera criada, para a pessoa que escreveu aquilo só havia ali
(que fosse digno de nota) uma letra "sem pé nem cabeça". Será
que de fato aquela canção, para ele, não disse absolutamente nada?
O que acho, mesmo, é que faltou vontade
de prestar atenção, e principalmente boa vontade. Faltou interesse em se
envolver, sobrou implicância.
Vejo isso acontecendo bastante. Há
certa birra com o que não é direto, com qualquer resquício de subjetividade. Já
me vi muitas vezes assim, implicando, sem mais nem menos, com algo que eu não
entendi, ou que tive preguiça de entender. Não sou obrigada, assim como ninguém
é, a gostar de algo que (a princípio) não está se comunicando comigo, mas será
que eu ao menos tentei compreender aquilo? Será que fiz algum esforço, parei
por mais de dois minutinhos para ver se aquilo ali chegava até a minha pessoa?
O exemplo da canção “Arco da aliança”
nem chega a ser um bom exemplo de uma arte de difícil apreensão – trata-se na
verdade, em minha opinião, de uma canção tão linda quanto compreensível em sua
poética, abordando cirandas e danças que alumiam, cenários tão fáceis de
visualizarmos (e sentirmos). Mas, quando há má vontade, o resultado é esse:
fala-se qualquer coisa, só para detonar.
Voltando à sessão mea culpa, cheguei a
fazer parte de uma comunidade, no extinto Orkut, chamada “Odeio
intelectualoides”. Não lembro o que me motivou a clicar ali – provavelmente
algum filme “sem pé nem cabeça” que, impaciente, eu não quis entender? Talvez
–, mas hoje vejo que esta atitude de fazer questão de mostrar minha aversão a
assuntos intelectuais nada mais era do que uma invejinha básica. Inveja de quem
conseguia sair do raso e partir para campos mais complexos. Talvez tenha sido a
mesma inveja que sentiu o comentador de Alice (mera suposição) por,
infelizmente, não se permitir ser menos direto e mais poético, às vezes.
Acho que temos ainda muita vergonha de
deixar nosso lado mais sensível aflorar. Só vale “papo reto”, o resto é
frescura? Enrolação? Arte é o que, então? “Coisa de fresco”? Deve ser, porque,
aliás, até pronunciar a palavra “arte” – ou o derivado, “artista” – é um tabu,
também. Já vi músicos rindo destas palavras. Eita! Precisamos de piadas
melhores.
Em março aconteceu, na Praça
Tiradentes, a Feira do Bonde, um ato político-artístico cheio de atrações.
Entre estas, duas performers apresentaram um trabalho onde uma delas derramava
um líquido vermelho na parceira, a enrolava em plástico filme, deslizava uma
machadinha pelo corpo desta. Tempos depois a revista Piauí resolveu
falar sobre aquilo (o ato como um todo) de forma bastante jocosa, fechando com
chave de latão ao citar um comentário feito no YouTube, em relação ao vídeo da
citada performance: “Eu devo ser muito ignorante mesmo, não entendi absolutamente nada.”
Penso que o rapaz que escreveu talvez de fato não tenha entendido, mas poderia entender
caso estivesse no local, no meio do contexto, sabendo que o evento tratava de
política e questionamento da vida na cidade do Rio de Janeiro (que comemorava
450 anos naquele dia). Mas e a jornalista da Piauí, será que não
entendeu mesmo? Ou fez questão de não entender para mostrar sua resistência
àquilo que estava acontecendo?
Acho bacana sempre tentarmos separar aquilo que não
entendemos por convicção (ou seja: quando temos ressalvas em relação a algo)
daquilo que de fato não entendemos racionalmente, por falta de vivência ou
envolvimento com o tema.
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