Certa vez, conversando com um colega, eu disse que
estava feliz com a perspectiva de lançamento do meu CD (que só aconteceria um
ano depois desta conversa), e disse, também, que sabia que hoje em dia a música
se espalha mais facilmente, chegando a muito mais pessoas pela internet,
através de downloads etc. Usei o exemplo de um amigo – grande músico, que, além
de sê-lo, é filho de outro grande músico – cujo CD, disponível na internet,
teve mais de 10.000 downloads. Daí ouvi o seguinte comentário, como réplica:
“É, mas você não é o fulano, nem é filho do sicrano.” Ou seja: eu deveria tirar o cavalinho da chuva e entender que provavelmente eu não teria
o alcance que o amigo músico teve. Melhor morrer de véspera, logo.
O que aconteceu? Meu CD saiu, lindo, em um show
lotado no Sergio Porto (detalhe: foi o dia mais feliz de minha vida até então).
Desde este dia (o dia do show foi o dia que o CD chegou de fábrica), o filhote
me trouxe muitos momentos bonitos, de depoimentos de amigos e pessoas que
compraram o CD pela internet. E, antes do show, o próprio processo de pensar e
fazer o Temperos foi minha empreitada mais importante, até
hoje. Amadureci muito no estúdio, amadureci muito com as consequências de tudo
o que aconteceu depois. Artistas que admiro admiraram meu trabalho, coisas
que valem ouro aconteceram graças a esta decisão de gravar meu primeiro disco
solo. E será que algum número de downloads consegue expressar tudo isso que
vivi? Acho difícil, visto que nem eu consigo mensurar o tamanho de tudo o que
aconteceu.
Estas contabilidades - downloads, curtidas, números
de plays no SoundCloud etc. - me interessam, sim, porém
menos do que outras análises. Prefiro observar, por exemplo, o que fiz hoje
pela minha carreira (conselho da querida Elisa Fernandes). Prefiro analisar se
estou melhor, profissional e tecnicamente, do que estava há tempos. Se estou
com medo de dar algum passo. Se estou querendo fazer algo por ego ou por real
vontade. Se não quero fazer algo porque não vale a pena ou por pura preguiça,
mesmo.
O que quero dizer é: acho que tenho muito. E é
claro que quero ainda mais. Quero gravar mais, chegar a muito mais pessoas,
quero experimentar muito mais. Meu alcance ainda é bem menor do que o alcance que espero ter, com o tempo. Porém, tudo o que tenho alcançado, cada pequena
vitória, eu sei que é, na verdade, mais uma peça que vai se encaixando em meu
trabalho, coisas que vão fazendo com que a cada dia eu me fortaleça mais. Nem
tudo são flores, e, infelizmente, ainda me pego desanimada vez ou outra, mas
sempre que percebo tudo o que tenho e tudo o que consegui, me animo e vejo que
não há outra possibilidade senão seguir em frente, para conquistar ainda mais
coisas, colecionar mais momentos felizes, histórias gostosas de se viver.
Vez ou outra me lembro – e se me lembrasse sempre
seria ótimo – de algo que disse Dalai Lama no livro Uma ética para o
novo milênio: “Como o banqueiro que recolhe os juros até do menor
empréstimo que faz, temos de levar em conta até o mais insignificante aspecto
positivo de nossas vidas.” É preciso pensar que o que tenho é muito para uma
pessoa que tantas vezes duvidou de si. Pois conto, hoje, com parceiros tão
bons, pessoas que me ajudam tanto, que querem estar do meu lado, que sentem
felicidade em fazer música comigo, e eu com elas... E pessoas que querem fazer
outros tipos de parceria comigo, para que possamos nos ajudar mutuamente,
trocando serviços, unindo as forças. Isso é um grande motivo para ser grata:
vejo claramente a credibilidade que tem meu trabalho. Taí uma conquista tamanho
GG.
E tem aí muito mais por vir. Não estou
falando de ganhar prêmios, de assinar contratos, nem de grana. Falo de ação, de
vivências. Canções que farei, sozinha ou com parceiros, shows que realizarei
com outros cantores, ou shows de meu trabalho solo, momentos marcantes que viverei nessa
eterna descoberta que é falar através da arte. Acontecerão sempre que eu me
entregar e acreditar, sabendo que não há outra opção (ou, ao menos, não outra
que me faça sentir tão feliz). Pode ser que hoje mesmo, quando eu pegar meu violão,
algo bonito aconteça. Pode ser que, ao sair para a ver a peça de meus amigos,
eu veja algo que me inspire e daí surja mais uma canção. Agora, amanhã, sempre,
a todo momento, podem vir mais pecinhas que se juntarão em minha música e farão de mim alguém
ainda mais conectado consigo e com o mundo. Pensar nisso tudo evidencia o privilégio que é viver neste universo de melodias, letras, ritmos e harmonias.
Embora eu ame muitas coisas, muitas artes e muitos
ofícios, eu sei de uma coisa: não há outra saída para mim que não seja
extravasando minha musicalidade. Se as coisas estiverem indo bem, se estiverem
indo mais ou menos, se estiverem bem abaixo do que eu esperava, não importa. É
isso o que tem que ser feito, e ponto.
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