Escrevi há um tempinho um texto
sobre a beleza constrangedora, onde
discorri sobre um fenômeno doido: a beleza, gigante, pode assustar o autor desta
(pintei o caso específico do cantor). Este, por sua vez, boicota aquela beleza,
instintivamente, achando que “não pode” – resumo resumidíssimo do texto. Usei a
primeira pessoa majoritariamente, é claro, pois me baseei em minha própria
experiência. Outras pessoas se identificaram e vieram falar comigo sobre, o que
me deixou muito feliz: falar sobre minha própria beleza não foi muito fácil,
tanto pela questão de uma aparente prepotência quanto por expor uma grande
fragilidade, algo bem íntimo, deste jeito.
Mas a intenção é mesmo esta,
aqui neste blog: falar sobre tudo o que ainda não entendo direito (e que ao
escrever entendo um pouco melhor), falar sobre o que acredito entender
minimamente (e que ao escrever percebo que entendo bem pouco, mesmo), falar
sobre aquilo que, a princípio, talvez eu não devesse falar, por evidenciar meus
pontos a serem melhorados, pontos que talvez eu devesse esconder, ou abordar
apenas quando já fossem coisa do passado, temas resolvidos. Mas o fato é que
escrever sempre me deixa muito melhor, e não há vaidade que vá me privar desta
sensação.
Quero falar hoje sobre algo
muito próximo ao que abordei no texto “A beleza constrangedora”, mas
ligeiramente diferente. Quando falei que existem belezas tão gigantescas dentro
de nós que chegavam a assustar, não sabia (ou sabia e ainda não havia assumido,
talvez) que aquilo era uma questão de entrega. Entregar-se, deixar-se levar.
Perder o controle.
Existe um momento muito bonito
na música, que é quando a conexão acontece de forma muito forte entre os que
estão executando uma música. Posso sentir isso, por exemplo, quando estou com
algum/alguma violonista ou pianista, por serem estes os instrumentos que
geralmente me acompanham. Em um ensaio, se tudo estiver correndo bem, pode
acontecer um momento de forte conexão, um momento onde há um “clique”, algo
acontece de especial. A música vem com toda a sua potência, e esta potência é
uma espécie de sensualidade. Não tem a ver com algo físico, é algo que está no
ar e de repente é fisgado. Tem muito a ver com a beleza que constrange, mas vai
um pouco além, pois envolve outra pessoa: esta grande conexão é um encontro que
pode ser estranhamente íntimo, e isso pode, mais do que assustar, parecer
inadequado.
Em junho fui ensaiar para uma
apresentação. Na hora de passar minha música preferida do repertório deste show,
eu, ensaiando com o guitarrista que acabara de conhecer (apenas eu e ele, pois
precisávamos conferir a tonalidade), senti isso com força: houve naquele
momento, no meu deixar-me levar, uma sensualidade forte, uma intimidade e um
encontro muito bonitos. Estranhei, me segurei, e sei que deveria seguido com
aquela mágica. A canção é linda, a voz estava linda, a guitarra idem. O
encontro é isso, é esta beleza constrangedora, só que mais bela ainda, por
acontecer em contato com outro.
Fui comentar com minha querida
amiga Claudia Holanda sobre isso, dizendo que eu havia notado que havia uma
sensualidade no ar e que às vezes descia, que chegava, e que parecia íntima
demais para existir entre pessoas que eram apenas amigos, colegas de profissão,
ou o que quer que seja. Claudia, após ouvir minhas impressões, confirmou minhas
suspeitas: “Ah, é por isso que às vezes tenho a impressão de que você se economiza”.
Aos invés de deixar transbordar, seguro minha represa.
Música é sensualidade, e como
nunca havia percebido isso? E digo sensualidade no sentido mais amplo de todos:
sensibilidade, entrega, espiritualidade, tudo o que nos arrepia a pele. Tudo o
que nos faz deixar cair as máscaras, e ao mesmo tempo nos faz usar a melhor
máscara, a mais bonita, a mais sincera, a mais nua. Tudo o que nos deixa em
contato com o nosso íntimo.
Não tenho, a pretensão, aqui, de
criar uma tese sobre algo que nem eu entendo direito, sobre algo que me pegou
de surpresa, sobre algo que muito mais sinto do que compreendo. Escrevo sobre porque
constatei, percebi: isso acontece. E que lindo isso acontecer.
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