quarta-feira, 7 de outubro de 2015

O "não" convicto (e o preço idem)

Adoro cantar em festas juninas. É divertidíssimo e, para mim, razoavelmente fácil: forró é um dos estilos que mais gosto de cantar, então me sinto em casa. Desde 2009 venho fazendo isso, e desde então o meio do ano se tornou uma época cheia para mim.
Porém, este ano de 2015 foi diferente. Só cantei dois dias, em uma festa em um grande clube, com os amigos do Severino & Sua Gente. Se eu for comparar com os anos de 2011 e 2012, por exemplo, em que cheguei a cantar algumas vezes em duas festas no mesmo dia, ficando ocupada em junho, julho e agosto, realmente é bem pouco.  Mas o curioso é: este ano fui muito melhor remunerada por estes dois dias. O total não ficou muito abaixo do que eu ganhava no período todo. Ficou abaixo, é claro, mas não foi uma diferença gigantesca.
Isso me levou a lembrar de uma decisão que tomei em 2013: comecei a dizer “não” para alguns trabalhos que não mais me agradavam. Uma grande casa na Lapa foi um destes lugares. Fiz três vezes lá: na primeira, eles erraram a data (os músicos tiveram que voltar para casa, era só no dia seguinte); na segunda vez eles marcaram duas bandas no mesmo dia (de novo voltamos para casa sem tocar); na terceira vez eles pagaram menos do que o combinado (sem comentários). Em todos os dias, algo desagradabilíssimo aconteceu. Então é claro que da terceira vez a gente aprende e nunca mais volta. Lembro, perfeitamente bem, da sensação de “seca” subsequente a esta minha decisão de não tocar neste e em outros eventos onde houvesse forte risco de roubada. Ganhei menos, cantei bem menos. Mas, curiosamente, cantei em alguns poucos eventos que me pagaram bem melhor. E tive bem mais tempo para escrever (iniciei estes textos, que foram e são importantíssimos para mim) e me dedicar ao longo processo de gravação do meu CD. Fiquei quieta, me observando, podendo me analisar e podendo ver, agora de longe, o quão absurdas certas situações eram, e o quanto eu me posicionava fortemente contra estas. Boicotei o que não me agradava, não fui conivente com desrespeitos.
Acho que este momento difícil que foi o de me acostumar a uma nova realidade – onde não mais “pingavam” aqueles valores risíveis dos locais onde eu antes cantava, mas que certamente ajudavam no orçamento, pagando uma conta de luz aqui, fazendo uma comprinha acolá – deu frutos. Ficando mais seletiva e exigente com o que aceitava, fiquei também mais seletiva e exigente comigo. Desta forma, sentia que era certo receber mais pelo que fazia, visto que agora topava situações mais desafiadoras (por exemplo: cantar Jacques Brel, Georges Brassens, Violeta Parra, Aznavour, compositores nunca dantes navegados por mim). Agora que eu estava mais “chata” em relação a mim, sair de casa tinha que ser por um bom motivo, e tinha que ser para estar em um local onde eu seria respeitada.
Esta mudança de pensamento e atitude me levou a coisas muito boas. Gostaria de trabalhar ainda mais do que já trabalho, é claro, mas não posso reclamar do que tenho e do que conquistei com esta firmeza. Dizer não é importante demais na vida de qualquer um. Ainda tenho muita dificuldade em dar uma negativa em várias situações do meu dia a dia, porém já evoluí bastante nisso dentro do meu trabalho. E espero evoluir ainda mais, pois o que ganhei com isso é visível, escancarado.
Obviamente, esta atitude de saber o valor do que faço (saber o trabalho que dá tirar uma canção desconhecida ou cantar um repertório inteiro por encomenda; saber que é caro o tempo dos ensaios e da produção para um evento) pode gerar um “fechar de portas”. Cobro um valor que sei que é justo para fazer eventos fechados, mas nem todos que pedem meu orçamento concordam com este. Creio que não entendam que não trabalharei apenas por três horinhas, no dia do evento, mas por vários dias antes do dia do evento em si: organizando, fechando detalhes, treinando as canções, fazendo telefonemas, trocando e-mails. Poderei ser vista como gananciosa/careira – pois, além de tudo, a música parece ser algo inato, algo que não requer ensaios, nem estudo –, coisa que tenho certeza que não sou, mas estou disposta a pagar o preço (há!) de ser vista assim, pois minha consciência está bem tranquila em relação a isso. Algumas pessoas nunca mais me procurarão, por me acharem cara demais, e não há o que fazer sobre isso. Mas este “fechar de portas” fecha apenas as portinhas, aquelas que não dão bom resultado, aquelas que não nos levariam a um lugar interessante. Em troca, outras portas maiores se abrem.
Mesmo que eu trabalhe muito menos do que o faria caso dissesse sim a várias propostas, sinto que estou no caminho certo e que mesmo que ainda pintem momentos de escassez de grana, é fundamental não desanimar e entender que os processos importantes geralmente são assim, difíceis, mas cheios de boas contrapartidas.
Para finalizar, friso: não me negarei nunca a cantar por prazer, com amigos, despretensiosamente, pois estas situações são aquelas que ficam marcadas na memória e no coração. Música é trabalho para mim, mas é prazer e felicidade antes de qualquer coisa. Se andei vivendo isso de forma distorcida (passando por situações bem tristes e difíceis, algumas em pleno palco, contrariando todo o sentido da coisa), hoje vejo que isso foi um erro grave e que poderia ter me levado a parar de cantar, como quase aconteceu, exatamente por eu não ter zelado por uma boa atmosfera dentro do que fazia. E por ver a música primordialmente como prazer, hoje, também vejo que uma mudança aconteceu em 2015: aceito (e me ofereço para) fazer participações em shows de vários amigos. Canto de graça várias por mês porque me sinto feliz em ser cantora, porque amo cantar e esta é uma necessidade. 
              Ao mesmo tempo em que cobro mais para fazer o que faço, me sinto muito mais disposta a cantar pelo puro amor à coisa. Ao mesmo tempo que vejo o meu ofício com muito mais firmeza, o vejo com muito mais leveza.

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